Economia Titulo Previdência
Minirreforma trabalhista flexibiliza leis e enfraquece direitos

Para especialistas, é errado achar que mudanças
seriam a solução para a geração de empregos

Caio Prates
Do Portal Previdência Total
26/12/2016 | 07:09
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Rafael Neddermeyer / Fotos Públicas


O governo federal deu o pontapé inicial para a reforma trabalhista ao anunciar, na semana passada, algumas mudanças nas relações entre empresa e empregador, a partir de propostas que serão enviadas em regime de urgência ao Congresso Nacional sob forma de projeto de lei. Na visão de especialistas em Direito do Trabalho, entretanto, as mudanças flexibilizam alguns pontos da legislação, mas enfraquecem os direitos dos profissionais.

Entre as principais alterações estão o prevalecimento de acordo entre companhias e sindicatos dos trabalhadores sobre a lei trabalhista em alguns pontos, como parcelamento de férias, banco de horas, jornada de trabalho e remuneração por produtividade; ampliação do contrato de trabalho temporário de 90 para 120 dias e do regime parcial de trabalho de 25 horas para até 30 horas, além do aumento da multa ao empregador que não registrar o trabalhador.

Para o advogado Gustavo Ramos, sócio do escritório Roberto Caldas, Mauro Menezes & Advogados, as medidas, intituladas de minirreforma trabalhista, derivam da premissa equivocada de que rebaixar as condições de trabalho e suprimir direitos mínimos previstos na legislação trabalhista seriam a solução para a geração de mais empregos e o crescimento da economia brasileira.

“O principal aspecto de mudança pretendida será a autorização inconstitucional de prevalência do que for negociado entre empresas e empregados (por intermédio de sindicatos) em relação ao que está escrito na legislação trabalhista, especialmente na CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas). A esse respeito, cumpre esclarecer, inicialmente, que a Constituição de 1988 previu expressamente a força normativa dos acordos e convenções coletivas de trabalho, contanto que esses instrumentos visem à melhoria da condição social dos trabalhadores. Em outras palavras, desde então, pelo menos, já é possível que os acordos coletivos livremente pactuados possam ampliar direitos. Daí porque o aspecto, não dito, da proposta de (Michel) Temer é que as negociações coletivas, a partir de agora, possam suprimir direitos previstos na CLT e na legislação trabalhista”, esclarece Ramos.

CONTRA DIREITOS - Pelo projeto, poderão ser acordados alguns pontos, como o intervalo mínimo de uma hora para refeição e limites à jornada de trabalho, “em desrespeito às normas de Saúde e Segurança no trabalho, o que invariavelmente ampliará o número de acidentes e adoecimentos no trabalho no Brasil”, destaca. Isso sem contar, prossegue o especialista, o parcelamento no pagamento de PLR (Participação nos Lucros e Resultados) e a renúncia do trabalhador ao recebimento das horas in itinere (tempo gasto no deslocamento para o local de trabalho em locais de difícil acesso ou naqueles em que não haja transporte público regular), entre outras possibilidades.

O professor da PUC-SP e doutor em Direito do Trabalho Ricardo Pereira de Freitas Guimarães acredita que as alterações têm vários equívocos. “As medidas contrariam inúmeras convenções da OIT (Organização Internacional do Trabalho) e nossa própria legislação, pois criam a possibilidade de parcelamento de férias, jornada excessiva, entre outras medidas que prejudicam o empregado. Por exemplo, no caso das horas extras, estudos comprovam que inúmeros acidentes de trabalho acontecem na extensão da jornada de trabalho. E parcelar férias vai contra o direito de descanso do empregado”, afirma.

Freitas destaca que as novas regras deixam claro que o governo fez opção pela economia e não pelo lado humano do trabalhador. “Agora, pelo texto do projeto, o acordo prevalece sobre a legislação, o que é muito perigoso, pois não temos boa representatividade sindical no País. Temos feudos que controlam a arrecadação do imposto sindical”, pontua.

Na visão de João Badari, sócio do Aith, Badari e Luchin Advogados, as medidas visam proteger os empregos, e não os empregados. “As medidas tornam mais fácil aceitar o negociado sobre o legislado, pois valoriza o papel das centrais e dos sindicatos. São soluções que ajudam a adequar a lei à realidade e à criação de empregos, passando-se a sobrepor o acordado entre patrão e empregado ao texto da lei, ou seja, os acordos terão mais força que a CLT. Isso pode ser perigoso”, aponta.

CONTRAPONTO - Para o especialista em Direito e Processo do Trabalho Danilo Pieri Pereira, do Baraldi Mélega Advogados, o governo anunciou pontos importantes para o início de uma reforma trabalhista a partir de 2017.

“A negociação coletiva passa a ser privilegiada, prevalecendo a vontade dos trabalhadores por meio de seus sindicatos em assuntos como redução de intervalo intrajornada e horas de percurso, entre outros. Além disso, o projeto cria a figura do delegado sindical para empresas com mais de 50 funcionários, e amplia o prazo dos contratos de trabalho temporário para até 120 dias. O texto institui ainda o PSE (Programa de Seguro-Emprego), possibilitando a redução de jornadas de trabalho e de salário, com complementação salarial pelo governo”, analisa.


Advogado cobra critérios para adotar PSE

Para o advogado Ruslan Stuchi, sócio do escritório Stuchi Advogados, a criação do PSE (Programa de Seguro-Emprego) tem seu lado positivo, uma vez que garantirá ao trabalhador o seu emprego, já que as empresas que aderirem à proposta não poderão dispensar seus empregados arbitrariamente ou sem justa causa, bem como terá o empregado garantia de estabilidade após passado o prazo do PSE.

Por outro lado, também traz pontos negativos ao trabalhador, “pois permitirá que o empregado ganhe menos por trabalhar menos tempo, bem como poderá ter seus benefícios, sendo férias, 13º salário e PLR, pagos de forma parcelada”.

Stuchi ressalta que a MP está considerando o período de crise pela qual passa o Brasil e que a proposta carece de melhores especificações de critérios de adoção para o PSE, para que empresas não façam a adesão ao programa somente para ganhar benefícios, sem realmente comprovar estar em crise e sem a real necessidade de fazer parte do programa.

“A minirreforma peca pela falta de diálogo social, por vir por meio de medida provisória, mas é absolvida ao final com as boas novidades que traz. Algumas delas são apenas ajustes temporais do que já se fazia, como autorizar o trabalho temporário na licença previdenciária. Outras novidades, no entanto, são emblemáticas e mudam paradigmas do Direito do Trabalho brasileiro, como a representação sindical no local de trabalho, a flexibilidade de férias e intervalo intrajornada por meio de norma coletiva e, por fim, os tão esperados honorários de sucumbência nas reclamações trabalhistas”, avalia o mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP e autor do livro A Boa-Fé nas Negociações Coletivas Trabalhistas, Eduardo Pragmácio Filho.

Pragmácio ressalta que “no balanço geral, porém, ela é positiva, pois incentiva a negociação coletiva, flexibiliza algumas condições de trabalho, valoriza a advocacia trabalhista e pune severamente o empregador que precarizar as relações de trabalho”.

O especialista destaca que o projeto prevê que a companhia poderá levar multa de R$ 6.000 caso não registre o seu empregado na Carteira de Trabalho. Para micro e pequenas empresas, o valor será de R$ 1.000.  




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