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'Todos querem ser JK', diz autora
Por Alessandro Soares
Do Diário do Grande ABC
08/01/2006 | 08:50
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Ela gosta de contar histórias tendo a história do Brasil como pano de fundo. Maria Adelaide Amaral, natural de Portugal, desembarcou no Brasil em 1954, com 12 anos. Chegou na transição da era Getúlio Vargas (1930-45 e 1950-1954) para a era JK (1956-1961). Quem lhe sugeriu escrever sobre o personagem Juscelino Kubitschek (1902-1976) foi o jornalista Elio Gaspari, após ela ouvir de outro jornalista, Zuenir Ventura, a sugestão de fazer uma minissérie sobre os anos de sua presidência, que também foram chamados de dourados. Os três estavam em um jantar na casa de Sábato Magaldi. A autora levou a idéia para a Globo, que foi aprovada ano passado. Com a história de um personagem e seu tempo, ambos marcantes para o país, Adelaide continua na minissérie JK, atualmente em exibição, um ciclo de abordagens sobre a formação do Brasil.

Adelaide estreou como autora teatral em 1978, Bodas de Papel. Recentemente, esteve em cartaz Mademoiselle Channel, com Marília Pêra, de sua autoria. Na Globo, foi co-autora das novelas A Próxima Vítima (1995), O Mapa da Mina (1993), Deus nos Acuda (1992), Meu Bem Meu Mal (1990) e Os Gigantes (1979). Em 1997, adaptou Anjo Mau, de Cassiano Gabus Mendes. Suas minisséries são A Muralha (2000), Os Maias (2001) e A Casa das Sete Mulheres (2003). JK é a quinta minissérie de Adelaide, a segunda em parceria com Alcides Nogueira (a primeira foi Um Só Coração, em 2004), na Globo.

A autora define a biografia de JK como uma saga, e JK como um resgate dessa saga, entrelaçando a história pessoal do presidente com sua trajetória política. JK foi diretamente responsável por uma era de importância cultural para o país – a arquitetura de Brasília e da Pampulha, em Belo Horizonte, o trabalho com Portinari, Burle Marx, Oscar Niemeyer – e indiretamente também, via bossa nova, cinema novo e outras manifestações artísticas. Adelaide não teme mitificar JK na ficção. Para ela, “todos querem ser JK”, disse nesta entrevista por e-mail, respondida numa folga durante a madrugada, entre uma lauda e outra da minissérie.

PERGUNTA: De A Muralha em 2000 até JK a senhora passou pela formação histórica brasileira em minisséries, sendo autora também de A Casa das Sete Mulheres e Um Só Coração. Seu objetivo percorrer toda a história brasileira em meio audiovisual?

MARIA ADELAIDE AMARAL: No que diz respeito às minhas minisséries elas são mais casuais que intencionais. Mas agradeço que o destino ou o acaso tenham me proporcionado a oportunidade de contar histórias tendo a história do Brasil como pano de fundo.

  

PERGUNTA: JK está mostrando a história de um menino pobre e simpático, que teve ideais e lutou por eles na política. A senhora não teme criar um endeusamento do personagem, uma figura idealizada, sem contradições ou erros políticos, um contraponto a outro ex-menino pobre que atualmente ocupa a presidência da República e vive citando Juscelino Kubitschek em seus discursos?

ADELAIDE: São muito diferentes as trajetórias de JK e Lula e mesmo na origem, pobre, JK teve a sorte de ter uma mãe professora que lhe dizia, e isso consta na sua autobiografia publicada pela Bloch (Meu Caminho para Brasília, lançada em 1975), que vergonha não é ser pobre mas ser ignorante. O foco de JK sempre foi ascender socialmente através da educação formal. Ele foi médico antes de ser político. Foi chefe de Casa Civil (de Benedito Valadares), deputado federal, prefeito, governador e presidente. Não tem nada a ver com a trajetória de Lula, que tem todo o direito de se comparar a JK. Este é um país livre. E todos, afinal, querem ser JK.

  

PERGUNTA: A caracterização de personagens em Um Só Coração foi um dos pontos altos desta minissérie. Alguns deles voltam em JK, com os mesmos intérpretes. Isso seria uma unidade temática, estética? Foi uma vontade sua? Os atores e atrizes escolhidos para viver JK e cia. tiveram seu aval primeiro?

ADELAIDE: Apenas três personagens de Um Só Coração estão em JK. São Mário de Andrade (Paschoal da Conceição), Tarsila do Amaral (Eliane Giardini) e Oswald de Andrade (José Rubens Chachá) em sua histórica passagem por Minas Gerais em 1924. Mas de modo geral a escolha dos atores é decidida sempre (em novela também) em comum acordo com os diretores que afinal são as pessoas que vão lidar mais diretamente com eles. Como sempre, sugerimos nomes. Para nós – Alcides Nogueira e eu – o que importa é que sejam bons atores.

  

PERGUNTA: Misturar ficção e realidade é um recurso narrativo para que a dramatização de fatos históricos não se pareça a um documentário. Como a senhora equilibra no texto aspectos da vida pública do presidente com os bastidores da política e de sua vida amorosa sem abrir feridas históricas?

ADELAIDE: Uma minissérie é uma obra de teledramaturgia, e não um documentário. Entretanto, não é por isso que podemos alterar os fatos históricos da forma que quisermos. Sobre o mesmo fato, aliás, você pode ter vários pontos de vista, mas nossa preocupação será mostrar as coisas como de fato elas aconteceram. Para isso temos feito intensa pesquisa. E, é claro, temos vários personagens de ficção, mas grande parte deles são livremente inspirados em personagens reais, como é o caso de Salomé (Debora Evelyn), cuja vida está ligada e foi influenciada pela trajetória política de JK e sua participação nela. Salomé foi baseada em Conceição Campos Coelho, prima de meu ex-marido e a quem tive o privilégio de conhecer nos anos 60. Uma feminista avant-la lettre, que se envolveu nas campanhas políticas de JK e que se emancipou em função dele. Existem outras personagens de ficção na minissérie que são exemplares da sua época (e da época de JK), desde o Coronel Licurgo (Luis Mello) que representa o senhor rural no que existe de mais reacionário e violento, até Abigail (Betty Gofman) que aparece no início dos anos 50 no Rio de Janeiro, bibliotecária do Congresso e lacerdista fanática como tantas moças como ela. A lista é extensa, mas cada personagem tem uma função em sua época. Quanto à vida amorosa de JK não creio que ela tivesse aberto feridas históricas. Quem as abriu, dilacerantes, foi a ditadura. A paixão por uma mulher é manifestação maior do homem JK.

  

PERGUNTA: A principal marca da política de JK era o desenvolvimento, materializado na indústria automobilística – imagem clássica de JK num Fusca conversível. O Grande ABC foi a meca dessa política. Existe alguma gravação prevista da minissérie na região? Como e em que momento o ABC entrará em cena na história?

ADELAIDE: Sem dúvida o ABC não seria tão grande e próspero sem a indústria automobilística implantada por JK, mas o ABC de hoje está muito diferente do que era nos anos 50 quando abordaremos essa parte. Não sei se o Dennis Carvalho, diretor da minissérie, vai gravar alguma coisa aí. Estou propensa a acreditar que ele usará filmes (e veículos) de época.




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