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'O corvo' em traço
05/12/2009 | 07:06
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A figura do corvo sempre foi associada a presságios sombrios e mau agouro. Para dois artistas, porém, a ave negra rendeu e ainda rende bons frutos. O primeiro deles, o escritor norte-americano Edgar Allan Poe (1809-1849), por ter escrito seu célebre poema O Corvo e, com ele, ganhado reconhecimento não apenas como um dos maiores contistas de todos os tempos. O segundo, o quadrinista brasileiro Luciano Irrthum, por ter estabelecido uma relação, cada vez mais bem-sucedida, com o poema de Poe e que agora lança mais uma edição ilustrada de O Corvo (48 págs. R$ 35) pela Editora Peirópolis.

O poema foi publicado pela primeira vez em 1845 com o título The Raven, no jornal norte-americano Evening Mirror, quatro anos antes da morte de Poe. E foi justamente o nascimento do autor, que agora em 2009 completa seu bicentenário, que motivou o lançamento do livro do mineiro de João Monlevade.

Em troca de e-mails descompromissados com a editora, chegou-se naturalmente ao nome de Edgar Allan Poe e à efeméride que o cerca neste ano. A relação do quadrinista, porém, com a obra já havia se iniciado há tempos, ainda na década de 1990.

Em 1994, Irrthum, então com 22 anos, ganhou de seu avô um exemplar do poema de Poe. Além da história macabra - de um corvo que visita um homem, em plena madrugada, atormentado pela falecida amada Lenora -, uma curiosidade deixou o jovem quadrinista intrigado.

No meio do livro, ele encontrou um recorte de uma nota de jornal, que dizia que todo ano, na data do nascimento de Poe, eram deixados sobre sua lápide no cemitério meia garrafa de conhaque e uma rosa vermelha.

"Aquilo me deixou encucado. Tempos depois fui pesquisar e encontrei relatos que diziam se tratar de um senhor maluco de 98 anos, que todo ano fazia a mesma coisa. E ainda falava que, graças a ele, Poe ficava mais famoso", diz o quadrinista.

ENVOLVIMENTO
Na época, Irrthum começava a se envolver no universo dos quadrinhos, publicando seus desenhos em diversos fanzines, ampliando sua rede de contatos com colegas do ramo. Um deles era Peter Baiestorf, da Canibal Produções, que ficava em Palmitos, Santa Catarina. Entre a troca de correspondências, os dois descobriam afinidades sobre alguns autores, como Augusto dos Anjos, Baudelaire, Bukowski e Kafka.

O nome que despertou mais interesse em ambos foi o de Edgar Allan Poe, levando Irrthum a fazer a versão de parte de O Corvo em um fanzine de 16 páginas, na coleção Clássicos Canibal. A presença da ave negra na vida do quadrinista tinha seu ponto de partida da melhor maneira possível, culminando com o Prêmio Nova - Melhor HQ, em 1995. Anos depois, Irrthum voltou a trabalhar com o poema de Poe, porém, de uma maneira mais solta e irreverente.

Com total liberdade de criação, ele adaptou a obra norte-americana para o Brasil, como se a história se passasse em uma favela do Rio de Janeiro. Na versão, não um corvo, mas um urubu visita o barraco do protagonista. A mulher, Lenora, está desaparecida não por ter morrido, mas por estar presa. No original, o anfitrião, em meio a um delírio de crack, abre a porta para ver quem batia do lado de fora, quando sua casa é invadida por um vento frio. Na versão brasileira de Irrthum, o homem abre a geladeira vazia, e, por fim, acaba comendo o urubu.

VERSÃO FIEL
Agora, 15 anos depois de ter feito as primeiras ilustrações para O Corvo, o quadrinista trabalhou em uma versão mais fiel e integral da obra de Poe, que conta com a luxuosa tradução de Machado de Assis, na coleção Clássicos em Quadrinhos, da Peirópolis. Na avaliação do próprio Irrthum, não há comparação entre o resultado final deste trabalho com os anteriores.

Fruto de seu próprio amadurecimento. "Perdi a noção de tempo com este trabalho, cheguei até a varar algumas noites. Agora, olhando para trás, vejo muita diferença. A primeira versão tinha traços mais geométricos, parecendo até xilogravuras. Esta é mais refinada, mais caprichada, não deixa de ser uma mistura das anteriores. Acho que em 15 anos deu para dar uma boa evoluída", conta Irrthum.

Mesmo sendo uma versão mais fiel ao poema taciturno de Poe, é inegável que o livro tem passagens hilárias. Muito se deve aos traços marcantes e bem-humorados de Irrthum, que teve nos fanzines sua grande escola. Em toda a carreira, ele colaborou com seus quadrinhos em mais de 100 publicações alheias e editou cerca de 30, incorporando inúmeras referências a seu estilo próprio. "São fases. Teve uma época, há muito tempo, que eu desenhava parecido com o Lourenço Mutarelli, tenho até um pouco de vergonha disso. Hoje sigo meu caminho mesmo", conta o quadrinista de O Corvo, que será lançado hoje, às 11h, no Café com Letras, em Belo Horizonte. Os quadrinhos, que só chegam às livrarias daqui a um mês, já podem ser comprados pelo site www.editorapeiropolis.com.br.




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