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Um Brasil, muitas tribos
Por Heloísa Cestari
Do Diário do Grande ABC
19/04/2007 | 07:04
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Na música da cantora Baby do Brasil (eterna Consuelo), “todo dia é dia de índio”. Mas, na prática, as coisas não são bem assim. Apesar de o país contar com mais de 180 línguas e 220 povos que ocupam quase 12% do território nacional, a população indígena, estimada em até 10 milhões na época do Descobrimento, hoje não passa de 460 mil, o que representa menos de 0,25% do número total de brasileiros, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e da Funai (Fundação Nacional do Índio). Não à toa, visitar uma reserva indígena como turista exige uma série de trâmites legais que fazem do passeio uma saga para poucos. E raros são os pacotes que proporcionam este tipo de contato.

A operadora FreeWay Brasil, por exemplo, lançou um roteiro que permite visitar uma aldeia yanomami apenas em território venezuelano. “Até agora, só operamos com grupos estrangeiros. Escolhemos este local porque conseguimos um acordo com o governo venezuelano e porque os yanomamis são considerados pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) um dos poucos povos que ainda mantêm suas origens”, explica o diretor da operadora, Arnaldo Werblowsky, lembrando que os grupos, de 8 a 12 pessoas, são orientados a respeitar e jamais interferir na forma de viver dos índios, a fim de preservar a autenticidade da cultura yanomami. “O objetivo é conviver com eles: dormir em ocas, caçar, plantar e aprender um pouco sobre a sua cultura”, diz Werblowsk.

A aventura de 11 dias – incluindo o transporte aéreo entre São Paulo e Boa Vista (RR), traslados até a aldeia, guia trilíngüe (espanhol, inglês e alemão), refeições e toda a infra-estrutura da expedição – sai a partir de R$ 12,1 mil.

Aos que não têm sangue aventureiro nas veias nem dinheiro para comprar um pacote tão específico, restam as festas que, nesta época do ano, se espalham pelo Brasil em homenagem ao Dia do Índio. Além de mais próximas e acessíveis, apresentam a vantagem de reunir diversas etnias em um só local. Caso da Festa do Índio de Bertioga e da Semana dos Povos Indígenas de Belém (PA), que prometem reunir 13 e 37 etnias, respectivamente, até o próximo domingo.

Outros eventos, por sua vez, permitem conferir as tradições in loco: a festa Kwarup do Alto Xingu – espécie de ritual dos mortos e da criação do mundo – e o Mapimaí dos Suruí Paiter, que celebra o plantio e a colheita com troca de dons entre as metades do povo, recebem hoje visitantes do Brasil e do exterior. Basta tomar as devidas vacinas, trocar as roupas por um kit de sobrevivência na bagagem e, o que é mais importante, imbuir o espírito aventureiro com altas doses de bom-senso e do devido respeito às culturas que ainda resistem às imposições do tempo e do “homem branco”.

Etnias participantes

Guarani (SP)
Um dos mais populosos do Brasil, o povo guarani é composto por cerca de 27 mil indígenas que vivem em aldeias distribuídas pelos Estados de Mato Grosso, São Paulo, Espírito Santo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Pará. Também são encontrados no Paraguai e na Argentina. Vivem da agricultura de subsistência e da venda de artesanato. A comunidade guarani guarda muito de seus costumes tradicionais, como a língua (da família lingüística tupi-guarani), danças e as manifestações religiosas. Na Festa Nacional do Índio, são representados pela comunidade da Reserva Indígena do Rio Silveira, em Boracéia, que abrange mais de 300 índios distribuídos em cinco aldeamentos.

Cinta Larga (RO)
Pela primeira vez em Bertioga, essa etnia vive no Noroeste do Mato Grosso e em Rondônia, em terras demarcadas. Falam a língua pertencente ao tronco tupi, da família lingüística mondé. O nome Cinta Larga se dá ao fato de usarem uma faixa da entrecasca de tauari na altura da cintura. São exímios atiradores de flechas e canoeiros. Os primeiros contatos com não-índios ocorreram na década de 1950 e foram marcados pela violência, com o avanço da frente extrativista que penetrou em seu território em busca de riquezas e seringais.

Juruna (MT)
Conhecidos também como yudjá, são antigos habitantes das ilhas e penínsulas do Baixo e Médio Xingu, um dos rios mais importantes da Amazônia meridional. O povo juruna é formado por excelentes canoeiros e também participa pela primeira vez da festa em Bertioga. Entre as muitas bebidas fermentadas produzidas, destacam-se por sua importância na dieta e no simbolismo dois cauins de mandioca: o dúbia e o yakupa. Apreciam a carne de caça e pescam com arco e anzol. A produção de artesanato é a principal fonte de renda com uma bela coleção de cerâmica enriquecida pela arte gráfica de padrões incríveis.

Karajá (TO)
O povo karajá habita a Terra Indígena do Parque do Araguaia, na Ilha do Bananal, em Tocantins. Uma de suas características é a diferenciação entre a fala das mulheres, crianças e dos homens. O grupo tem origem lingüística macro-jê e uma relação íntima com o rio Araguaia, fonte de sua subsistência. O contato com a população branca se intensificou nos séculos XVI e XVII com a exploração do ouro e a expansão pecuária na região, ocasionando várias perdas físicas e culturais.Mesmo assim, adaptaram-se ao desenvolvimento sem perder sua identidade e tradições. São hábeis na confecção de artesanatos, cestarias e cerâmicas.

Krahô (TO)
Também pela primeira vez em Bertioga, os krahô habitam uma reserva de 302.533 hectares onde estão distribuídas 13 aldeias com população superior a 1,9 mil pessoas nos municípios de Goiatins e Itacajá (TO). Pertencem ao tronco lingüístico macro-jê, do ramo dos Timbira. Usam as pinturas corporais, praticam suas danças, cantos e esportes tradicionais, como a corrida de tora. Em dois séculos de contato com os brancos, têm vivido reviravoltas com os fazendeiros: ora aliados, ora massacrados.

Kayapó (PA)
Os kayapó vivem em aldeias dispersas ao longo dos rios Iriri, Bacajá, Fresco e de outros afluentes do Xingu (PA), desenhando um território quase tão grande quanto a Áustria. É um povo numeroso que chega a cerca de 5 mil pessoas. Eles protegem com muito rigor suas terras e são conhecidos por sua bravura. Um aspecto forte da cultura é a pintura corporal das mulheres – desenhada com linhas geométricas e intrincadas. Falam a língua kayapó, da família jê.

Paresi Haliti (MT)
O povo paresi vive no Norte do Mato Grosso. Praticam o futebol de cabeça durante grandes cerimônias. A bola utilizada nos jogos é fabricada com a seiva da mangabeira. Falam a língua do tronco lingüístico aruak e se autodenominam haliti, que significa “gente”, “seres humanos”.

Pataxó (BA)
O povo pataxó vive na região interna à faixa litorânea dos Estados de Minas Gerais, Bahia e Espírito Santo. Essa etnia sofreu com o contato imposto pelos portugueses, sendo perseguida, proibida de falar a própria língua e de praticar seus rituais religiosos e culturais. Algumas pessoas ainda falam a língua do tronco macro-jê. Praticam danças tradicionais como o toré; fazem artesanato e constroem canoas escavadas no próprio tronco. A população pataxó está distribuída em 23 aldeias.

Erikbatsa (MT)
Conhecidos como “orelhas-de-pau” ou “canoeiros”, pois são hábeis nadadores e remadores, o povo erikbatsa fala a língua do tronco macro-jê e vive nas terras indígenas Escondido, Japuíra e Erikbatsa, no Norte do Mato Grosso. No final dos anos 40, resistiram bravamente à frente extrativista da borracha, mas tiveram praticamente 75% de sua população dizimada em função das epidemias de gripe e sarampo. Hoje são mais de 1,2 mil índios que mantêm seus costumes sociais e ritos culturais que os destacam pelo adorno em suas orelhas e a beleza de suas plumagens.

Suvá (MT)
Pela primeira vez na festa, os Suyá constituem o único grupo da língua Jê que habita o Parque Indígena do Xingu, no Mato Grosso. Desde sua chegada à região, seu contato com outros povos do parque ocasionou a incorporação de muitos costumes e tecnologias alheias. Porém, nunca abriram mão de sua singularidade reconhecida pelo estilo no canto ritual. Há algumas décadas, outra marca eram os grandes discos labiais e auriculares que apontavam a importância de cantar e ouvir, mas só os mais velhos ainda os usam.

Xavante (MT)
A população xavante é oriunda da Serra do Roncador (MT) e vive em seis reservas no Leste Mato-Grossense e na Zona Norte Oriental do Planalto Central. Mantêm intactas as suas tradições demonstradas por meio de danças, cantos, pinturas corporais e cerimônias coletivas como o daporedzapu (Furação de Orelhas). Determinados, têm grande porte físico e são hábeis futebolistas. Somam mais de 7 mil pessoas que falam a língua a´uwem, do tronco macro-jê.

Yawalapiti (MT)
Vive nas Terras Indígenas do Parque Nacional do Xingu. No local estão distribuídas 16 etnias habitando 36 aldeias. Os yawalapiti são pequenos e robustos. Vivem da caça, pesca e do cultivo de milho, batata-doce, cará e mandioca. As crianças fazem artesanato desde cedo. Eles de destacam como grandes dançarinos e músicos. São hábeis no arco-e-flecha e nas lutas corporais como o huka huka. Pertencem ao tronco linguístico macro-jê, da família aruwak.

Kuikuro (MT)
É o povo com a maior população no Alto Xingu. Vive na região Sul do parque e fala a língua kuikuro, que pertence ao tronco lingüístico karib. São famosos pelas danças, pinturas corporais, plumagens e o rico artesanato, caracterizado pela confecção de colares e cintos de caramujos.




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