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Entre as memórias e a realidade, a despedida
Dérek Bittencourt
Do Diário do Grande ABC
15/12/2020 | 00:01
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inda não estou acreditando. E acho que vou custar a acreditar que o técnico Marcelo Veiga, do São Bernardo FC, partiu. Aos 56 anos, perdeu logo o jogo mais importante, justamente o da vida, para essa doença que vem fazendo tantas vítimas mundo afora. Logo ele, tão acostumado a vitórias. E eu, mal acostumado por ele a vê-lo vencer, sobretudo desde que assumiu o comando do Tigre. Na foto que ilustra a reportagem ao lado, a mão que segura o celular à esquerda é minha, de uma das coletivas pós-jogo no Campeonato Paulista da Série A-2. Mas eu já o conhecia há muito mais tempo, desde quando comandou o São Caetano, em 2013. Mas foi quando a Magnum anunciou que assumiria o controle da gestão do Aurinegro são-bernardense, em outubro do ano passado, que me aproximei do treinador. Olhar o histórico do WhatsApp é resgatar memórias. E a primeira conversa foi hilária. Em dezembro do ano passado, buscando informações sobre a montagem do elenco aurinegro, mandei mensagem para ele, me identificando. Já o havia entrevistado por telefone, mas naquela oportunidade o contato foi através do aplicativo. Porém, a resposta, por escrito, só veio nove dias depois, com um pedido de desculpas e um pedido. “Dérek, desculpa. Vi sua mensagem e não consegui responder. Amanhã estarei mais tranquilo. A gente conversa (depois). Agora não dá. Já tomei uns cinco chopes (risos). Abraço.” Do outro lado da tela, na Redação do Diário, caí na risada em razão de uma franqueza incomum no meio do futebol, ainda mais para aquele que ocupa a hierarquia máxima perante os jogadores. “Era um cara extremamente alegre, bom de resenha”, atesta o técnico Sérgio Soares, que por tantas vezes enfrentou Veiga. “O conheço de perto desde 1997, a gente tinha relação muito boa, de amizade. Depois fomos nos enfrentando, ele pelo Bragantino, eu pelo Santo André ou Juventus. Estou muito triste, porque estava torcendo pela recuperação dele. Infelizmente não aconteceu”, lamenta.

Durante a paralisação da Série A-2 justamente em razão da pandemia, em outra troca de mensagem, questionei se ele contava os minutos para reiniciar os trabalhos presenciais – até então os jogadores treinavam individualmente, sob coordenação remota e virtual da preparação física – e a resposta de Marcelo Veiga foi “já passou da hora”. Dali em diante conversamos sobre outros assuntos, como a possível chegada de reforços, o trabalho da diretoria e o fato de o São Bernardo FC liderar a competição naquele ponto. “Espero que a gente tenha responsabilidade de se manter e buscar esse acesso, que é tão importante para a gente”, falou, em determinado momento. Quisera o destino que esse objetivo não fosse alcançado, afinal, o time caiu na semifinal para o São Bento, em pleno Estádio 1º de Maio, em dia que o treinador parecia tão chateado – em um reflexo do apático time – que não foi nem de perto aquele enérgico comandante que me acostumei a ver à beira do gramado.

Voltando àquela conversa durante a pandemia, outros dois pontos a serem rememorados. O primeiro, quando o questionei sobre a possibilidade de o time disputar a Copa Paulista, Veiga foi enfático. “O planejamento é buscar o título para ter vaga na Série D e calendário anual completo”, disse, antes de se despedir. “A gente está aguardando os protocolos para nos apresentarmos. Valeu. Grande abraço. Até o retorno”, projetou. Infelizmente, porém, não mais o entrevistei pessoalmente. Os protocolos dessa doença que o levou são rigorosos e impedem o contato entre os times e os jornalistas – mas não reclamo disso.

Amanhã, se não houver nenhum tipo de mudança por parte da Federação Paulista de Futebol, o Tigre realizará o jogo de volta pela semifinal da Copa Paulista – particularmente acho que a entidade que gere o futebol estadual deva adiar o encontro, em respeito ao luto do São Bernardo e da própria Portuguesa, adversária da vez, onde Veiga jogou e foi treinador. E, caso supere a Lusa (o primeiro jogo, no 1º de Maio, terminou 1 a 1), o time estará na decisão, garantindo classificação para alguma competição nacional (também está em disputa uma vaga na Copa do Brasil de 2021). “Traremos essa Copa pra (sic) você, nem que a gente tenha que entrar em campo junto com os jogadores!”, disse um dos principais torcedores do Aurinegro, Victor Nadal, em resposta a uma homenagem do perfil oficial do clube ao treinador nas redes sociais.

A última mensagem que mandei a Marcelo Veiga, em 21 de novembro – ou seja, um dia depois de sua internação na UTI da Santa Casa de Bragança Paulista –, dizia: “Na torcida por sua recuperação, professor. Enviando as melhores vibrações e energias, com muitas orações.” Entretanto, a mesma nunca chegou ou foi lida. Que pelo menos tenha sido sentida. Ah, e quando no dia 24 publiquei aqui a coluna questionando CBF e FPF se esperavam morrer alguém de Covid para paralisar as competições, não me passava pela cabeça que isso poderia acontecer justamente com você. Enfim, descanse em paz, Veiga.

MERECIMENTO
O lutador muçulmano de São Bernardo Anuar Pechliye, que teve a história contada na edição de sexta-feira do Diário – desenvolve projeto esportivo com refugiados na mesquita da cidade –, conquistou o vice-campeonato no Mundial de Jiu-Jítsu, sexta-feira, em Campinas. Era a medalha faltante na galeria do atleta, que já havia conquistado pódios no Paulista, Brasileiro, Sul-Americano e Pan-Americano. Parabéns! 




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