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Ruth Rocha terá obra completa reeditada
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30/05/2009 | 07:09
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O mundo de Ruth Rocha é habitado por borboletas coloridas, reizinhos mandões e meninos que criam palavras esquisitas. É um universo de histórias otimistas e vencedoras, que vem educando o leitor infantil há 40 anos, período em que ela se consolidou como uma das principais escritoras da literatura infanto-juvenil brasileira. E, para comemorar, Ruth Rocha concentrou a edição de toda sua obra em apenas uma editora, a Salamandra, que inicia hoje o lançamento dos títulos mais antigos, em evento na Livraria Saraiva do shopping Ibirapuera, na Zona Sul de São Paulo.

"Já são 40 anos de carreira...", filosofa a escritora. "E olha que comecei tarde, aos 38 anos." O sorriso permanente, a fala cativante e uma disposição que parece eterna transformam as quatro décadas em um alegre passeio. "Ruth escreve com linguagem simples e ideias profundas", atesta Anna Flora, escritora da nova geração e uma de suas inúmeras seguidoras.

É verdade. Basta conferir os primeiros exemplares da Biblioteca Ruth Rocha, projeto da Salamandra que será formado por mais de 130 livros e terá um novo aspecto gráfico e ilustrações inéditas. Os títulos iniciais são destinados a crianças pequenas e em fase de alfabetização: O Coelhinho Que não Era de Páscoa, A Arca de Noé, Macacote e Porco Pança, O Trenzinho do Nicolau e outros seis livros.

INÍCIO
"Certo dia, eu brincava com minha filha pequena, Mariana. Tudo ia bem quando ela me perguntou por que preto é pobre", lembra-se. "Foi quando percebi que era chegado o momento de eu começar a escrever." Era 1969, ano em que a ditadura militar arregaçava as mangas e impunha brutalmente seu poder. Em meio a uma acirrada censura, a edição de número 10 da revista Recreio trazia uma história dela sobre preconceito. Romeu e Julieta, a Borboleta mostra a difícil convivência entre duas borboletas apaixonadas, mas impedidas de se amarem por serem de cores diferentes, uma azul, a outra amarela. "Uma história ingênua, mas que funcionou entre as crianças pequenas."

Animada com a boa recepção, Ruth aumentou a produção (O Dono da Bola, Catapimba e Sua Turma, Teresinha e Gabriela, Meu Amigo Ventinho), embalando uma obra respeitável. "Os primeiros textos saíram em revistas e meu primeiro livro, Palavras, Muitas Palavras, só foi editado em 1976", conta ela que, inspirada em seu mestre, Monteiro Lobato, inventava narrativas criativas. E, como boa discípula de Emília, também abria espaço para contestação, ainda que velada.

É o caso de um de seus maiores sucessos, Marcelo, Marmelo, Martelo, sobre o garoto que questiona os nomes dados aos objetos: por que cadeira se chama cadeira? E por que ele não pode se chamar marmelo ou mesmo martelo? Os censores da época não perceberam embutida uma genial crítica à falta de liberdade.

Já em O Reizinho Mandão, Ruth foi mais longe, quase beirando o protesto explícito ao mostrar um reino em que ninguém é feliz por conta de um monarca autoritário. A provocação chegou a intimidar certas escolas que, temerosas, vetaram a leitura do livro por seus alunos.

A força da obra, aliás, perdura ao longo dos anos. Em recente debate em uma escola pública, um menino insistiu que o reizinho era, na verdade, o presidente da República. "Respondi que não necessariamente, podia ser o pai ou mesmo um irmão mais velho, mas ele bateu o pé que era o presidente."

Em 40 anos de carreira, a escritora percebeu ganhos e perdas na educação infantil. A internet, por exemplo, é um instrumento de comunicação maravilhoso, mas pode perigosamente modificar o poder de concentração da criança. "Notei que, com o tempo, as crianças vêm perdendo sua capacidade de abstração", comenta. "Assim, em minhas histórias, prefiro não falar sobre sentimentos, pois o que os leitores mirins querem é ação, uma história concreta."

Ela também mantém o hábito de não criar personagens sofredores. "Não se deve cultivar o pessimismo em crianças", prega. "Claro que existem histórias tristes, mas nenhuma deve fechar com problemas insolúveis. O melhor é abrir caminhos e não fechar. Para a criança, é preferível inspirar a esperança."

A escritora que passou uma infância saudável (cercada de histórias contadas pelo avô Ioiô e pela mãe), que já vendeu milhões de exemplares, que tem livros traduzidos até para o urdu (língua literária do Paquistão), enfim, que é querida por seu público, continua valorizando a criança como um ser inteligente e dotado de espírito crítico.




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