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Brazil para gringo ver
Por Alessandro Soares
Do Diário do Grande ABC
28/10/2006 | 18:11
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Dois filmes, um documentário brasileiro e uma ficção de terror adolescente, colocam em xeque a imagem do Brasil vista a partir do exterior. O primeiro discute com os próprios realizadores europeus e norte-americanos como os estereótipos de brasileiros da mulher sensual e dadivosa, da luxúria corrente nas ruas, da preguiça nacional são construídos em filmes estrangeiros, por decisão própria ou por imposição da indústria. O outro filme mostra a quantas anda o imaginário sobre o Brasil lá fora.

Um homem de meia-idade anda de camisa e calção pela praia do Arpoador, cercado de moças de topless, macacos no ombro e um músico tocando bossa nova ou samba em cada metro quadrado de areia – ou esquina, caso andasse na rua. Isso foi filmado em Feitiço do Rio (Blame it on Rio), produção norte-americana de 1984. O tal homem era o inglês Michael Caine, que só faz filmes trash porque precisa de dinheiro para viver e não sabia que Carmen Miranda tinha vindo do Brasil. Em Olhar Estrangeiro (estréia em São Paulo dia 24 de novembro), a diretora Lucia Murat, de Quase Dois Irmãos, investiga a construção de um tipo único de latino a partir de clichês e equívocos sobre a realidade brasileira em 220 filmes que tiveram cenários aqui ou que citam o Brasil.

Rio, capital ‘baiana’ – A diretora mostra os absurdos, que soam ridículos por aqui, para cineastas que trabalharam a sério. Para eles, tudo figura no campo da fantasia, mais do que verossimilhança. Zalman King, que fez Orquídea Selvagem (1990), acha natural fazer do Rio uma capital “baiana”, porque se encantou com elementos de Salvador que ele viu no filme do francês Marcel Camus, Orfeu do Carnaval (de 1959, um bom exemplo de adaptação com elementos brasileiros). O roteirista de Feitiço do Rio, Larry Gelbart, comenta a perpetuação dos clichês e acha natural haver macacos nas praias como bichos de estimação por causa da Amazônia. Só não sabia que a floresta ficava a 4 mil quilômetros de Ipanema. E Philippe Clair, diretor de Si Tu Vas à Rio, Tu Meurs (1987), que lançou Roberta Close, repete o bordão que ouvia por aqui mesmo, de que o país se resume a sensualidade, qualidade que a mulher aprende a usar desde pequena.

Olhar Estrangeiro percorre a ignorância desses cineastas a respeito do Brasil, e a imagem idealizada, ou colonizadora, de paraíso tropical. Lucia co-assina o roteiro com Tunico Amâncio, professor de cinema da UFF (Universidade Federal Fluminense), que publicou em 2000 Brasil dos Gringos, tese sobre a evidência dos estereótipos nos filmes nos quais a imaginação, ou a ausência dela, sobrepuja a realidade. O documentário vai até as pessoas que fizeram esses filmes e as coloca diante das barbaridades cometidas dos anos 60 até os 90. Lucia também conversa com o público nas ruas de Nova York, Los Angeles, Paris, Lyon e Estocolmo e verifica que a influência dos clichês propagados pela indústria cultural continua na população comum.

Cuidado com o Brasil – A ficção de terror Turistas (assim mesmo, em português), é o mais recente longa made in Hollywood filmado no Brasil. Um grupo de jovens norte-americanos se diverte numa praia paradisíaca do país e depois desperta em um lugar desconhecido, após tomar um “boa noite, cinderela”. Ficam reféns de um psicopata que ataca turistas. Estréia nos Estados Unidos dia 1º de dezembro (trailer disponível na internet em foxatomic.com) e no Brasil, depois do Carnaval.

Rumores davam conta de que o grupo de jovens estaria no Rio e, de repente, estaria também na Floresta Amazônica, e as meninas fariam topless porque era costume no país. Em entrevista por e-mail, os produtores desmentiram. Mas as taglines no trailer (por exemplo, “Num país onde vale tudo, tudo pode acontecer”), e a frase “Go home” (“Vá para casa”), no pôster de divulgação, funcionam como combustível que pode alimentar não o fogo do caliente estereótipo sensual, mas certamente da polêmica.



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