Cultura & Lazer Titulo Mário Bortolotto
Sem apoio, mas no palco
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01/06/2009 | 07:01
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Com mais de 40 peças escritas, 36 editadas, o ator, diretor e dramaturgo Mário Bortolotto já foi comparado a Plínio Marcos, talvez pelo perfil de seus personagens. Mas há diferenças. Os marginais de Bortolotto o são porque recusam a integração numa sociedade que valoriza família, segurança e dinheiro, não necessariamente nessa ordem. Os boêmios solitários de suas peças nada têm de competitivos, pouco de violência, no máximo são autodestrutivos.

Sua dramaturgia é veículo para ideias que se atritam em diálogos rápidos, cortantes, bem-humorados. Qualidades presentes até nas mais leves como as três reunidas em Curta Passagem, que estreia hoje Espaço dos Satyros (tel.: 3255-0994). Desta vez, a produção é da dupla Dani Dezan e Eldo Mendes, que está no elenco sob direção de Bortolotto. Billy, a Garota; Faz Frio na Varanda e Garotas Apaixonadas não Usam Aliança tratam do relacionamento amoroso e a simples leitura dos textos provoca boas risadas. Nessa entrevista, ele fala sobre sua dramaturgia.

Recentemente surgiram em suas peças garotos de classe média e até executivos. Antes, só havia bebuns solitários e marginais. Há um novo olhar que se volta para além dos tipos mais identificados com você?
MARIO BORTOLOTTO -
Acho que sim. Sempre escrevi sobre um bando de jovens bêbados, malucos, os caras que conviviam comigo. De uns tempos para cá, isso mudou. Comecei a conviver com pessoas diferentes, gente com grana, e passei a ver qual era a desses caras. Inevitável a interferência na minha dramaturgia. E tem a idade. Em Uma Pilha de Pratos na Cozinha entra uma nova visão da morte. Até os 30 meus amigos não morriam, agora morrem. Alguém falou outro dia que minhas peças tinham a ética de pistoleiro do Velho Oeste e agora a mulher passa a ter um papel mais forte.

Por que essa transformação?
BORTOLOTTO -
Passei a ter amizades femininas, a sair com amigas para tomar chope e a mulher ganhou outra dimensão na minha dramaturgia. Há mulheres fortes em A Frente Fria e em Uma Pilha de Pratos e se entram outros elementos a dramaturgia fica mais rica. Talvez eu tenha ganhado mais profundidade, mas mudar não mudei. Sou o mesmo bosta de sempre, só que tentando ir um pouco mais além e com condições para isso, porque mais velho, com mais maturidade para olhar as coisas.

Você já realizou três mostras com dezenas de peças, abriu uma sede para o seu grupo, onde criou A Frente Fria. Com o fim da sede, estreou peças no Satyros, depois Chapa Quente, no Viga. O Cemitério de Automóveis está meio parado, não?
BORTOLOTTO
- Desde sua fundação em Londrina, o Cemitério de Automóveis se segurava com as próprias pernas. Bastavam duas cadeiras e a roupa do corpo e a gente fazia peças sem nada. Era teatro de guerrilha. Viemos para São Paulo em 1996 e ficamos muito tempo sem apoio. Não éramos aprovados em nada, lei nenhuma. Fizemos em 2000 a primeira mostra com 14 peças sem nenhum dinheiro. Foi bacana, ganhamos os prêmios APCA e o Shell, este por Nossa Vida Não Vale Um Chevrolet. Isso deuvisibilidade ao grupo e trouxe apoio financeiro para a gente se estruturar melhor. Mas aí seria preciso continuidade para manter sede e vínculos com os atores.

O apoio trouxe compromissos, menos peças e mais elaboradas. Sua suspensão obriga a um retrocesso?
BORTOLOTTO -
Queria fazer agora uma adaptação do livro de Jorge Cardoso, Mal pela Raiz, mas precisaria de dinheiro, porque quero trabalhar com 12 atores, ensaiar durante três meses. Depois de 2005 não ganhamos mais nada. Os atores receberam convites e eu mesmo fui trabalhar como ator, diretor. Para retomar o grupo, acho que terei de ter essa atitude de novo, fazer sem dinheiro.

Isso empobrece a criação?
BORTOLOTTO -
Não empobrece, limita. Gente que chora porque não tem dinheiro eu acho muito feio. Não estou chorando não. Você perguntou, eu estou contando o que aconteceu com o grupo. Mas não estou reclamando por não ter dinheiro. De jeito nenhum. Se não tenho, vou dar outro jeito.




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