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Peça com Tonia Carrero faz estréia nacional em Sto.André
Alessandro Soares
Do Diário do Grande ABC
05/06/2005 | 08:59
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A peça Chega de História! faz sua estréia nacional quinta-feira (dia 9) no Teatro Municipal de Santo André. Estrelada por Tonia Carrero e Nilton Bicudo, tem texto e direção de Fauzi Arap. Tonia, 82 anos, faz uma professora aposentada, mulher simples, que vive com o miserável salário do INSS. Ela é convidada pelo administrador de um centro cultural prestes a encerrar atividades para dar a última palestra no local, sobre história. Como ela não tem pleno domínio do assunto, enrola uma para não perder o extra. O texto enfoca a desintelectualização do país e o comercialismo na cultura.

DIÁRIO: Como a sra. situa Chega de História em sua carreira?
TONIA CARRERO: É a peça mais difícil de todas. Esperar ficar velha para fazer a peça mais difícil é coisa rara. Pesquisei a personagem com minha imaginação, observando a situação social do país. A peça é atual. Veja a diferença na educação e na cultura das pessoas que se formaram antigamente e nas de hoje. O texto dá agulhadas na cultura nacional e nos políticos.

DIÁRIO: É difícil encontrar textos brasileiros contemporâneos?
TONIA: Sim, porque o teatro tem interessado muito pouco no país. Não há incentivo para que adquira a pujança da época no TBC (Teatro Brasileiro de Comédia, companhia teatral que amadureceu o teatro brasileiro, criada por Franco Zampari em 1948, e que atuou até 1964).

DIÁRIO: Naquela época era mais fácil?
TONIA: Não tinha televisão e o cinema estava formando público para filmes brasileiros. O TBC foi uma escola de diretores, sobretudo de autores. Muitos saíram de lá, e muitos movimentos teatrais foram conseqüência do TBC. Por exemplo, o Teatro Oficina do Zé Celso Martinez Corrêa. Do TBC saímos para montar a companhia Tonia-Celi-Autran (Tonia, Adolfo Celi e Paulo Autran montaram 40 peças em seis anos a partir de 1956), uma peça sustentava outra, não havia patrocínio. De vez em quando a gente podia ligar para um Ney Braga (ministro da Educação e Cultura de 1974 a 1979) e pedir um dinheirinho. Hoje, para fazer uma peça só com duas personagens temos de pedir dinheiro para o governo, estatais e organizações empresariais. Andamos de pires na mão.

DIÁRIO: O que está errado?
TONIA: Futebol e música fazem o Brasil conhecido lá fora, mas tem um outro lado do país, mais intelectualizado, que está naufragando porque o governo se preocupa com a fome do povo e deixa a desejar na questão da educação e da cultura. Fazem alguma coisa, mas precisam acertar mais.

DIÁRIO: Fale de sua passagem pela Cia. Vera Cruz.
TONIA: Eu praticamente comecei minha carreira no ABC, na Vera Cruz. Era onde todos os artistas se consideravam premiados quando iam trabalhar, como é a Globo hoje. Tive a felicidade de fazer três filmes (Appassionata e Tico-tico no Fubá, em 1952, e É Proibido Beijar, em 1954). Foi em Tico-tico que me apaixonei pelo Celi (segundo marido, depois de Fernando de Barros e antes de Carlos Thiré). Foi uma época de vitalidade. Me lembro que não havia nada ao redor dos estúdios em São Bernardo. A gente trombava com cavalo. Acho que todo o ABC cresceu depois daquela época, com Juscelino (Kubitschek, presidente da república de 1956-1961), com o desenvolvimento industrial.

DIÁRIO: Como foi esse retorno?
TONIA: Naquele ano fizemos Casa de Bonecas, de Ibsen, para filhos de operários no Teatro Municipal lotado. Depois da peça tinha show do Secos e Molhados com Ney Matogrosso, grupo que estava arrasando no país inteiro. E os meninos na platéia se comportavam como se estivessem vendo TV na sala de casa. Parei a peça, falei para eles 'Vocês precisam prestar atenção. Não consigo me concentrar com vocês falando. Esse trabalho exige concentração no palco'. Daí em diante eles se comportaram, até nos momentos de riso da peça eles preferiam não fazer nada. Vai ver até Lula estava lá. Mas não vivo para trás. São poucas atrizes que podem contar sua vida como eu.

DIÁRIO: Como histórias como essa influenciam sua família?
TONIA: Tenho quatro netos e quatro bisnetos. Meu bisneto de 8 anos foi ver A Visita da Velha Senhora (2003), sentado na primeira fila. Quando acabou ele falou 'Muito bom'. Viu tudo e não perdeu nada! Não é maravilhoso para uma bisavó? Minha sorte, ou responsabilidade, na vida é que todos na família estão voltados para os outros. Meu filho (Cecil Thiré) é ótimo diretor e ator, seus filhos estão voltados para o teatro. E eu comecei essa semeadura. Todos se chamam Thiré e nenhum adotou meu sobrenome (Maria Antonieta Porto Carrero). Só eu sou Carrero na família.

DIÁRIO: A sra. planejou essa carreira?
TONIA: Como eu poderia imaginar? Moça que quisesse ser atriz tinha de enfrentar primeiro a família. Eu só queria mostrar que era capaz de trabalhar para a cultura, falar da intelectualidade brasileira da minha época. Hoje, quero fazer da minha velhice uma coisa bonita, sem decepcionar os fãs. Quem me estima e admira está me vendo de pé com 82 anos trabalhando pela cultura.

DIÁRIO: Existe data para se aposentar?
TONIA: Aposentar? Eu não. Não calculo quando vou morrer. Só paro quando estiver pronta para morrer. Perguntar se eu vou me aposentar é o mesmo que perguntar quando eu vou morrer.




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