Setecidades Titulo Um ano depois
'Hoje não posso nem mais ver futebol'

Viúva de jogador da várzea, morto pela Polícia Militar há um ano, luta para criar os quatro filhos sozinha

Yara Ferraz
Do Diário do Grande ABC
16/01/2017 | 07:00
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Divulgação


 Dor, saudade e revolta. Esses sentimentos fazem parte da rotina da dona de casa Vanessa Cavalcanti de Assunção Alves, 35 anos, viúva e mãe de quatro filhos. Ela era casada com José Erlanio Freires Alves, 36, morto há um ano, por volta das 5h30, quando ia trabalhar, durante ação da Polícia Militar. Ele teria sido confundido com um ladrão durante perseguição.

O casal, que tinha muitos sonhos, inclusive o de ter mais filhos e o de comprar uma casa própria, não esperava essa reviravolta trágica na história da família. Corintiano, fã do ex-atacante Ronaldo Fenômeno e jogador de futebol da várzea de Santo André no time União de Vila Sá, o auxiliar de almoxarifado, conhecido como Toni, era apaixonado pela profissão e pela família.

“Todo fim de semana ele ia jogar. Quando estava em casa também adorava assistir aos jogos de vários times na TV. Hoje não posso nem mais ver futebol, porque logo me lembro dele”, comenta Vanessa, emocionada.

A paixão pela bola passou do pai para os filhos: “Quero ser jogador”, afirma, sem titubear, o pequeno Diogo, 11 anos, irmão de Juliano, 9, e Matheus, 15, também apaixonados pelo esporte. A pequena Bianca, 2, pouco se lembra do pai, porém, o reconhece nas fotografias.

Vanessa ainda se lembra da última vez em que o marido saiu pela porta da antiga casa, na época na divisa entre Santo André e a Capital. Ela chegou a ouvir os tiros que o mataram (foram três disparos) e, na hora, pressentiu que algo tinha acontecido. “Ele sempre nos beijava no rosto antes de ir trabalhar, mas nesse dia não fez isso. Disse que ia trazer a fralda para a Bianca, o que não chegou a acontecer. Quando ouvi os disparos não tive coragem de ir até lá, mas comecei a ligar para todos, dizendo para ir atrás dele. Costumo dizer que ele caminhou em direção à morte.”

Sem conter as lágrimas, ela prossegue o relato, e lembra que as pessoas começaram a voltar de cabeça baixa do local onde estava o corpo. Ninguém tinha coragem de contar o que tinha acontecido. “Matheus disse que eu teria de ser forte. Fui até o local, esperava que ele estivesse machucado, mas estava coberto, caído na calçada. Balancei, pensei que ele ia voltar, mas ficou lá, jogado”, lembra.

Desde então, a vida da família mudou. Graças à pensão por morte, concedida por meio do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), Vanessa consegue sustentar os quatro filhos. Porém, as dívidas aumentam e, neste ano, ela vai ter de voltar a trabalhar e deixar a filha mais nova em uma creche.

“Já era difícil sustentar quatro crianças, sem ele ficou pior ainda. Vou começar a trabalhar de auxiliar de telemarketing para complementar a nossa renda. O pessoal me ajudou muito com doações, mas a gente fica com vergonha e não quer depender disso.”

Em audiência para ouvir testemunhas e o acusado, Vanessa ficou cara a cara com o policial militar Eduardo Pontes de Lima, 31 (indiciado pelo crime). Ela, que soube por uma ligação anônima que o PM tinha deixado a prisão, lembra que em nenhum momento do encontro ele mostrou arrependimento.

“Parece que ele matou um bicho. Não tem nenhuma diferença. Mas não desejo o mal dele, e peço para que meus filhos também não. Só quero que pague pelo que fez na cadeia. Triste é saber que ele está trabalhando e volta para a família, enquanto meu marido está debaixo da terra”, afirmou.

Questionada, a Secretaria de Segurança Pública do Estado informou que Lima atua na PM, em serviço administrativo, responde a procedimento interno e, “dependendo do resultado, as punições podem variar de sanções administrativas até demissão”.

Vanessa é autora de uma ação de responsabilidade contra o governo do Estado e pede indenização por danos morais. Em novembro, a Justiça concedeu prazo para que o Estado apresente suas contestações, o que já foi feito.

 

Policial é indiciado pela Justiça pelo crime de homicídio simples

 

José Erlanio Freires Alves, 36 anos, ia pegar carona com um amigo até Diadema, quando foi atingido por três disparos no dia 13 de janeiro do ano passado. O policial militar Eduardo Pontes de Lima, 31, atirou contra o ladrão Victor Hugo de Carvalho Silva Dias, 22, que também morreu.

A morte aconteceu entre o trajeto da casa da família, no Jardim das Maravilhas, em Santo André, até o posto de gasolina localizado na Avenida Sapopemba. Conforme imagens de câmeras de segurança do entorno, Alves estava seguindo pela mesma calçada em que um dos criminosos corria, só que no sentido contrário. Os policiais do 10º Batalhão procuravam dois homens em uma moto, que estariam roubando nas redondezas. Um deles conseguiu fugir.

As informações iniciais diziam que as mortes eram dos dois suspeitos, o que no mesmo dia foi esclarecido com a identidade das vítimas. Lima alegou que não viu o morador no momento dos disparos.

O PM cumpriu prisão preventiva no presídio Romão Gomes até março, quando foi posto em liberdade. No pedido de habeas corpus, o advogado de defesa pediu a revogação da preventiva, afirmando que Lima não viu a vítima, além de destacar que o mesmo é servidor público, sem ficha criminal, réu primário, com bons antecedentes e residência fixa.

O policial é indiciado pelo crime de homicídio simples. Em abril, aconteceu a primeira audiência para oitiva das testemunhas e do próprio acusado. Ainda não há definição se o caso vai a júri popular.




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