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Comerciante seqüestrado relata dias no cativeiro
Por Mário César de Mauro
Da Redaçao
17/05/2000 | 07:06
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  O comerciante Carlos Jorge Sapiense, 51 anos, foi solto na madrugada de segunda, no Riacho Grande, em Sao Bernardo, após permanecer 12 dias preso em um cativeiro, ainda nao localizado pela polícia. Depois do drama, Sapiense avisou a família às 6h, de um orelhao. Foi resgatado pela mulher e pelos filhos.

"Fisicamente, meu marido está bem, porém, muito abatido emocionalmente", disse a mulher, Angelina Sapiense. Segundo Angelina, nas primeiras horas com a família, o comerciante alternou momentos de lucidez com situaçoes em que dizia palavras sem nexo. O Diário ouviu profissionais que analisaram as conseqüências traumáticas de um seqüestrado.

Nesta terça, Sapiense decidiu falar sobre o drama que viveu e o medo de morrer. O relato, escrito pelo comerciante, foi enviado ao Diário via e-mail.

No texto, ele conta que, após o assalto ao posto, foi encapuzado e colocado em um porta-malas. Segundo o comerciante, a viagem só foi retomada quando anoiteceu, com ponto final no local do cativeiro.

A partir daí, começaram os piores momentos vividos por Sapiense. Em um quarto escuro, com os olhos vendados, acorrentado e com as maos amarradas, o comerciante permaneceu preso por quase o todo tempo. Sua mulher, Angelina, conta que, mesmo acorrentado, ele tentava movimentar os braços e as pernas.

Segundo ela, a família nao possui muitos bens: "Estamos quitando a casa onde moramos", e, provavelmente, os criminosos acreditaram que tivessem muito mais dinheiro.

O momento mais chocante do relato é quando o comerciante acreditou que fosse morrer. Leia o depoimento:

"No dia 4 de maio, por volta das 16h, o Auto Posto Sulimar foi invadido por elementos que, após o assalto, me levaram em um veículo de um cliente. Depois de percorrer um trecho da rodovia Indio Tibiriçá, em direçao ao Riacho Grande, encapuzado, fui colocado no porta-malas do próprio veículo. O carro ficou parado, talvez numa ramificaçao da rodovia, e, ao anoitecer, seguiu viagem. Desnorteado, tentava me localizar dentro do porta-malas, mas, sem relógio, foi difícil marcar o tempo da viagem até chegar no cativeiro. Fui colocado em um quarto pequeno com a janela fechada, onde permaneci intermináveis 11 dias.

Fiquei com venda nos olhos, acorrentado e com as maos amarradas quase a maior parte do tempo, fazendo as necessidades em um balde. Eles forneciam alimentaçao regularmente. Apesar de tentar conversar, nao respondiam aos meus apelos. Eu dizia que era diabético e hipertenso. Tentava provar que os postos de combustíveis estavam passando por dificuldades financeiras, com duplicatas a pagar em atraso. Sugeri que ligassem para a Petrobras e para a Texaco, a fim de checarem as minhas informaçoes. Tudo sem resposta.

Pedia para entrar em contrato com a minha família, dando uma prova de que estava vivo, mas permaneciam em silêncio. Os dias se passavam e nada de contatos. Ao lado do cativeiro, o som do rádio ou da televisao nao permitiam ouvir as conversas, tornando até difícil o reconhecimento de vozes.

Nos últimos dias, percebi certo tom de nervosismo. Na madrugada do dia 14, fui retirado do cativeiro encapuzado e colocado no porta-malas de um veículo. Achei que seria a hora final . Para minha surpresa, o veículo parou, o capuz foi retirado e eles mandaram que eu andasse devagar no acostamento, sem olhar para trás. Me senti livre. Ao chegar em casa, achava que teria sido resgatado por certo valor. Mas eles nem entraram em contato com a família.   Agradeço a todos os nossos amigos, à equipe de investigadores, aos companheiros, aos advogados, aos amigos, aos vereadores e todos que se solidarizaram e se empenharam para o meu retorno.

Apesar de todo o sofrimento que passei, nao sinto rancor nem ódio. Essas mazelas sao frutos da própria sociedade, injusta, desigual, onde nem todos os homens têm direito à cidadania com oportunidades e direitos iguais."




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