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Córrego Oratório nasce com esgoto em Mauá
Por Renan Fonseca
Do Diário do Grande ABC
14/02/2011 | 07:03
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Há 20 anos a nascente do Córrego Oratório estava cercada por mata densa e hortaliças. A descrição é feita por quem vive nas proximidades do afluente e hoje sofre com as cheias, mau cheiro e lixo transportado pela correnteza. O cenário atual apresenta um dos córregos mais problemáticos da Bacia do Tamanduateí, com margens assoreadas e lâmina d'água que transborda em dias de chuva, prejudicando moradias - a maioria irregular. Faltam políticas de conservação e fiscalização do leito poluído. As ações do poder público que estão em curso são criticadas por especialistas.

Num fundo de vale, em uma área verde parcialmente devastada da Vila Nova Mauá, em Mauá, a nascente do Oratório corre em alguns fios d'água que se escondem na pastagem. Poucos metros adiante, uma tubulação volumosa despeja esgoto e faz o pequeno córrego ganhar volume. Há mais de 10 anos, moradores relatam que as águas da nascente já foram usadas em pequenas hortas.

"Quando adolescente, trabalhei em uma dessas hortas. Naquela época, não existia tanta sujeira", disse o açougueiro Isac Henrique Santos, 49 anos. Sem vegetação, a área que abriga o embrião do Oratório virou ponto de descarte de lixo. "Algumas pessoas jogam de tudo, lixo, restos de construção e até mesmo animal morto", contou a dona de casa Maria Sirlei Barbosa, 43.

O pequeno rio segue dividindo Mauá de São Paulo. A pista do Trecho Sul do Rodoanel Mário Covas canalizou um pedaço do leito. O traçado do rio acompanha parte da Avenida Ayrton Senna, próximo ao Polo Petroquímico. Parte da via desbarrancou no início de janeiro por conta da força da água. Dali, lixo e esgoto fazem o Oratório ganhar volume até o Jardim Sonia Maria.

O piscinão que leva o nome do bairro tem seis anos de uso, tem capacidade para armazenar 120 mil metros cúbicos e este ano deu mostras de que não consegue suportar as cheias do córrego. "Fazia tempo que a gente não via enchente como as de janeiro", disse a comerciante Amélia Correia Gonçalves, 58.

MAIS ENCHENTES
Em Santo André, no Parque Novo Oratório, é possível notar a alteração do traçado do córrego. Onde não há concreto, erosão e assoreamento deixam marcas. "Uma encosta caiu nesta semana e o muro de uma empresa foi parar no rio", contou o gerente de vendas Fernando Souza, 31. "Sempre quando chove, a gente vê todo tipo de entulho. Até geladeira passou carregada pelo córrego", relatou.

Na Vila Sá, os moradores estão cansados de pedir solução ao poder público para as enchentes. Maria Aparecida Oliveira, 53, teme sair de casa quando ameaça chover. "E se chover enquanto estou fora de casa, tenho medo de voltar, pois sei que vai estar tudo alagado", disse.

O Daee (Departamento de Águas e Energia Elétrica) não informou sobre ações de limpeza do leito e nascente do Oratório. Com relação às margens e alagamento, a autarquia estadual planeja, ainda neste ano, investir R$ 56,6 milhões em projeto de drenagem. 

Cavalos são criados nas margens do riacho

Ora assoreadas, ora ocupadas por barracos. Esta é a situação das margens do Córrego Oratório na divisa de Santo André e São Paulo. Mesmo assim, é possível encontrar ‘haras' nas pequenas porções de terra que sobram. Os cavalos ficam em baias improvisadas, de madeira. Às vezes, os animais perambulam pelo terreno. Invadem as porções mais rasas do rio. Crianças brincam entre os pangarés. E nem sinal de fiscalização.

A situação é vista no lado de Santo André. Em um dos ‘haras' clandestinos, o Diário flagrou também criação de galinhas. Dois filhotes de cães foram colocados em um dos galpões. Um deles já estava morto. O proprietário, Jardson Nascimento da Silva, 24 anos, explica que cria os equinos há mais de 10 anos, sem qualquer visita de fiscais. "A gente leva os animais em eventos como cavalgadas. Nunca tive problemas e trato bem meus cavalos", disse.

Nas baias não existem cochos d'água e, quando soltos, os animais matam a sede com a água do rio. Frágeis e construídos com restos de madeira, alguns galpões foram destruídos pelas chuvas do início do ano. "Muita gente cria cavalos por aqui. É uma área que ninguém usa e os animais não precisam de muito espaço", completou Silva.

Mais à frente, na Vila Sá, a margem do Oratório se estende em um terreno maior e gramado. Ali também vivem outros animais, criados por Severino Correia Melo, 43. "Tenho 10 animais, aproximadamente. Nenhum deles caiu no córrego. Mas se as enchentes continuarem, vou ter que sair para outro lugar", contou.

Procurada, a Prefeitura informou que a responsabilidade de fiscalizar a criação de animais é do Estado. Além disso, a administração colocou à disposição do Estado a Gerência de Controle de Zoonozes.

Para pesquisadora, canalização não resolve enchentes 

A canalização de um rio ou córrego é opção menos viável para acabar com enchentes, como defende a geógrafa e professora da Fundação Santo André Isabel Cristina Moroz-Caccia Gouveia. Recentemente, ela elaborou um trabalho sobre a Bacia do Tamanduateí, da qual o Córrego Oratório faz parte.

A retificação e canalização, segundo a especialista, aumenta a velocidade da correnteza. "Isso só transfere o problema de lugar, pois a água vai chegar com mais força onde o leito é menor", esclareceu.

Segundo Isabel, o número de piscinões na Bacia do Tamanduateí é baixo, comparado à intensidade das chuvas. "O poder público deveria fazer com que empresas e empreendimentos privados construíssem pequenos reservatórios e preservassem mais áreas permeáveis", sustentou.

A docente apontou, na pesquisa, que desde o século 19 a vazão da bacia aumentou 23,3 vezes. "Em 1890, a vazão era de 30 metros cúbicos por segundo. Hoje, esse número chega a 700 metros cúbicos. Esses dados são resultado da urbanização desordenada", concluiu.




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