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Surdos defendem escola especial

Tema de redação do Enem colocou na pauta a formação educacional para deficientes auditivos, que criticam o sistema de inclusão

Por Bia Moço
Especial para o Diário
12/11/2017 | 07:00
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Nario Barbosa


O tema de redação do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) deste ano – Desafios para a Formação Educacional de Surdos no Brasil –, colocou na pauta de discussões quais seriam as melhores formas de permitir que o deficiente auditivo tenha acesso ao estudo. Fala-se em inclusão desde a primeira infância, na qual os não ouvintes devem estar em sala de aula comum, junto dos ouvintes. Mas o professor Cezar Pedroso de Oliveira, 37 anos – surdo de nascença e com pelo menos 20 pessoas com deficiência auditiva na família –, entende que é fundamental que a criança seja educada em escola exclusiva para surdos. A avaliação é que só assim entenderão seu propósito e quem são na sociedade para estarem preparados para seguir em frente e lutar na vida adulta.

Durante a semana, a equipe do Diário visitou uma das primeiras instituições criadas na região para alfabetização dos alunos surdos, a Emebe (Escola Municipal de Educação Básica Especial) Neusa Bassetto, no Rudge Ramos, em São Bernardo. O professor, que atua na unidade há 16 anos, disse, em seu idioma (Libras - Língua Brasileira de Sinais), que chamaria de “desinclusão” o que tentam fazer hoje com a comunidade surda.

“Uma criança não ouvinte que chega em uma escola comum estará em uma sala com pelo menos 35 alunos ouvintes. Isso causa confusão mental, porque ela não sabe identificar quem é em meio àquela sociedade. Não existe inclusão quando os alunos não sabem Libras, ou seja, é um, ou alguns alunos surdos, em meio a todos os outros.”

Para ele, se houvesse ensino dos sinais nas escolas convencionais o impacto não seria tão forte. A instrutora de Libras da Emebe Simone Bispo dos Santos, 41, concorda com o colega. Também surda de nascença, na língua de sinais ela relatou sua nova conquista. Candidata do Enem 2017, passou pela prova de redação, realizada domingo. Emocionada, ela lembrou do nervosismo antes de saber qual era o tema: “Estava muito nervosa, pois, para nós (surdos) é muito difícil a escrita. Quando vi o tema, o que era ansiedade passou a ser alegria. Além de ser deficiente auditiva, trabalho com Educação para surdos desde 2014. Sabia muito bem o que falar.”

Amanda Ferreira Sanches, 12, estuda no Neusa Basseto desde os 2, mas durante um ano ficou em escola convencional porque a família tinha mudado de cidade. A menina falou sobre a importância da escola. “A Libras tem de ser nossa língua principal e aqui no Neusa eles fazem isso. Quando fui para outra escola, havia intérprete, mas não era o suficiente. Eu me sentia triste, perdida e me incomodava demais a falta de comunicação.”

Marta Helena Ferreira, 45, mãe da estudante, diz que ainda falta à sociedade se envolver com o tema. “Deveriam mesmo era incluir o ensino da Libras nas escolas convencionais, ou então dar opção.”

Para André Felipe Lima do Nascimento, presidente da ASSS (Associação dos Surdos de São Caetano), mesmo com o atendimento aberto à inclusão é importante que as cidades invistam em escolas específicas, e então os pais decidem. “É um espaço linguístico onde os surdos, desde pequenos, aprendem com outros surdos, se desenvolvem e constroem suas identidades.”

O ‘mundo sem vozes’ pode ter cura

Otorrinolaringologista do Hospital e Maternidade Christóvão da Gama, em Santo André, Edson Fernandes dos Santos Filho descreve o sentimento de seus pacientes surdos como “um mundo sem vozes”. O médico acredita que a cultura social precisaria mudar, e que profissionais que lidam com o público deveriam buscar aprender a linguagem dos sinais (Libras), embora os avanços tecnológicos já ajudem na comunicação, tendo em vista que atualmente existem aplicativos para download em celular que facilitam a conversa com ouvintes.

Embora o mundo digital encha os olhos, o que chama atenção são os avanços da medicina que já podem mudar a história de quem vive no silêncio. O profissional explica que existem métodos que auxiliam na recuperação de parte da audição, entre os quais o mais conhecido é o aparelho auditivo. O que poucas pessoas sabem é que há algumas cirurgias, como um implante ósseo, que ajuda a resolver o problema. “Devemos deixar claro que não é em todos os casos que essa recuperação é possível, depende muito.”

Ele detalha que, primeiramente, é traçado um histórico minucioso, pois existem síndromes e causas sem cura. Depois é realizada bateria de exames que mede a intensidade da surdez, inclusive, alguns apontam os motivos da deficiência. “Só depois de um estudo extremamente minimalista podemos dizer se aquela pessoa pode, ou não, realizar a cirurgia e qual a expectativa. É possível recuperar quem não ouve nada ou até mesmo quem nasceu surdo. Tudo depende da intensidade e causa.”

Os resultados são comprovados, segundo o especialista. “Há pouco tempo operei uma menina que havia perdido a sensibilidade de um dos ouvidos. Após a cirurgia, ela voltou a ouvir. É muito gratificante. Mas volto a ressaltar que não é em todos os casos que isso acontece.”

FORÇA DE VONTADE
Atender melhor e obter bons resultados é o objetivo dos médicos, mas o que fazer quando se tem um paciente surdo? Nem sempre a tarefa é fácil. Portanto, aprender Libras foi a melhor opção que o otorrino encontrou. “Nós (médicos) atendemos pessoas de todos os tipos. Fui aprender Libras para facilitar a comunicação com meus pacientes, principalmente.”

Santos Filho avalia que uma das principais falhas da faculdade de medicina, sobretudo em sua especialização, é não ensinar a linguagem de sinais.


Região aposta em Educação inclusiva com escolas-polo

Embora alguns profissionais e deficientes auditivos defendam o ensino em escola exclusiva, as cidades da região dispõem das chamadas escolas-polo, onde existem intérpretes de Libras para auxiliar o aluno que esteja em sala. A ação, prevista em lei, regulamenta a inclusão dos surdos na sociedade. Nas sete cidades da região, apenas São Bernardo e São Caetano dispõem de escolas especializadas (além das regulares). Nos demais municípios, os alunos surdos fazem parte do programa de Educação inclusiva.

No total, o Grande ABC possui cerca de 420 alunos com surdez que frequentam as escolas públicas regulares. A rede municipal de ensino da região conta com pelo menos um tradutor em cada cidade, e aproximadamente dez intérpretes. Esses profissionais estão divididos entre as escolas-polo que recebem alunos com a deficiência.

Em Santo André, por exemplo, existem 28 deficientes auditivos em salas regulares de diversas unidades. Já em São Bernardo são 120 alunos matriculados entre a Educação Infantil, Ensino Fundamental 1 e 2, EJA, e alunos com outros tipos de deficiência, além da surdez. Em São Caetano tem 27 estudantes matriculados.

Mauá conta com cinco crianças surdas, de 3 a 7 anos. Ribeirão Pires está com seis alunos com deficiência auditiva matriculados. Rio Grande da Serra informou que não possui estudantes com surdez na rede. A Prefeitura de Diadema não informou os dados até o fechamento desta edição. 




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