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Estoque de bancos de leite da região é insuficiente para demanda de bebês

Pelo menos um dos três equipamentos instalados no Grande ABC tem volume baixo do alimento

Por Natália Fernandjes
Do Diário do Grande ABC
21/05/2017 | 07:00
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Celso Luiz/DGABC


“Não pode ter preguiça. Além disso, fico orgulhosa em saber que meu gesto ajuda a salvar vidas”. O relato da moradora de São Bernardo Aline Cristina da Silva, 33 anos, refere-se à rotina diária de retirada de leite excedente da amamentação do filho, Felipe, nascido em janeiro, para doar a um banco de leite humano. A mamãe de primeira viagem é uma das 107 colaboradoras que dedicam parte do tempo para contribuir com o estoque dos três equipamentos públicos existentes na região – Hospital Estadual Mário Covas e Hospital da Mulher, em Santo André, e HMU (Hospital Municipal Universitário), em São Bernardo –, número ainda insuficiente para atender a demanda de recém-nascidos que precisam do alimento.

O Dia Mundial de Doação de Leite Humano, celebrado na sexta-feira passada, serve de alerta para a necessidade de se ampliar não somente a quantidade de doadoras quanto de bancos de leite existentes entre as sete cidades. Isso porque são atendidos atualmente apenas 101 dos 118 bebês internados em UTI (Unidade de Terapia Intensiva) neonatal das duas cidades que contam com as unidades.

A Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano consegue suprir aproximadamente 60% da demanda para os recém-nascidos prematuros e de baixo peso internados nas UTI Neonatais do Brasil. Isso significa que cerca de 40% dos bebês que precisam não podem contar com o leite humano na alimentação.

O Hospital da Mulher destacou viver situação preocupante, tendo em vista a existência de 28 bebês internados e volume de leite suficiente para atender apenas 11. “Nossos estoques estão baixíssimos, temos apenas 6,5 litros, enquanto a quantidade ideal seria pelo menos 200 litros. Priorizamos os bebês prematuros extremos ou com alguma patologia específica”, informou em nota. O número de doadoras ativas – 31 mulheres – também está aquém do ideal.

Já o HMU vive situação confortável, conforme a administração. Em média, 90 bebês recém-nascidos são beneficiados por mês com as doações realizadas por 76 mulheres cadastradas. “O leite que temos no estoque está sendo suficiente para atender a toda demanda, mas estamos falando de situação sazonal. Geralmente há queda das doações nas férias”, observa a responsável técnica pelo banco de leite, Nerli Pascoal Andreassa.

O Hospital Mário Covas não forneceu informações a respeito do estoque do banco de leite.

A estratégia dos bancos de leite para ampliar os estoques é a realização de campanhas de conscientização sobre a importância da doação do leite excedente. O Hospital da Mulher, inclusive, destacou ter realizado capacitação de agentes de Saúde da rede básica sobre aleitamento materno e banco de leite, além de blitze no calçadão da Rua Coronel Oliveira Lima.

Neste ano, o slogan da peça publicitária do Ministério da Saúde para estimular o gesto é Um Pouquinho do que Você Doa, é Tudo Para Quem Precisa. A frase encontra seu significado real quando associada ao momento vivido pela recepcionista Vanessa de Sousa, 34, mãe da pequena Lívia, nascida há um mês com 26 semanas de gestação, o correspondente a seis meses, e internada na UTI neonatal do HMU. “Essas mulheres não têm ideia do quanto o leite doado é fundamental”, ressalta a munícipe de São Bernardo. “Tiro leite a cada três horas, mas ainda não é o suficiente para alimentar a minha filha, então o banco de leite é essencial para que ela ganhe peso e consiga se desenvolver”, completa.

Se depender da boa vontade de Aline, o estoque do banco de leite do HMU poderá continuar contando com doação semanal por bastante tempo. “Enquanto eu produzir excedente, vou continuar a doar”, promete ela, que deu à luz na rede privada e chegou ao banco de leite por meio de pesquisa na internet.

SERVIÇO

Para doar é preciso ser saudável, não tomar medicamento incompatível com a amamentação, não fumar mais de dez cigarros por dia, não beber álcool ou usar drogas ilícitas, além de realizar exames como hemograma completo e anti-HIV.

Os bancos de leite fornecem tanto instrução sobre a ordenha quanto material e informação para o armazenamento do leite, além de buscar o alimento na casa das doadoras. Mais informações nos telefones 2829-5021 (Mário Covas), 4478-5027 (Hospital da Mulher) e 4365-1480 (HMU).

Apenas Mauá destaca plano para instalação do equipamento

Mauá foi a única entre as cinco administrações que não possuem banco de leite humano na região a destacar interesse em instalar o equipamento público. Conforme a Prefeitura, a expectativa é implementar o serviço até 2020.

A administração não forneceu, entretanto, detalhes a respeito do cenário municipal em relação ao tema. Informou apenas que realiza estudos acerca da viabilidade econômica da unidade. “O serviço é extremamente necessário para atender recém-nascidos e garantir o seu desenvolvimento saudável”, ressaltou em nota.

A expectativa de Mauá é a de que o equipamento contribua com a diminuição do índice de mortalidade infantil, atualmente na faixa de 9,27 de óbitos a cada 1.000 crianças menores de 1 ano nascidas vivas. Entre 2014 e 2015, o índice do município passou de 12,38 para 11,64.

DEMAIS CIDADES

São Caetano destacou que as mulheres que são atendidas no Hospital Infantil e Maternidade Márcia Braido são orientadas a doar leite materno excedente para outros bancos de leite da região, a saber, HMU (Hospital Municipal de Urgência) de São Bernardo e Hospital da Mulher, em Santo André.

Diadema e Ribeirão Pires limitaram-se a informar que não possuem unidade de banco de leite humano. Rio Grande da Serra não se pronunciou sobre o tema.

HMU é campeão em coleta e distribuição

O banco de leite do HMU (Hospital Municipal Universitário), em São Bernardo, foi o equipamento que coletou e distribuiu maior volume de leite humano entre todas as 57 unidades localizadas no Estado em 2016. Em virtude dos 2.600 litros coletados e 1.800 litros distribuídos no ano passado, o serviço foi premiado em duas categorias, na sexta-feira, pela Secretaria de Saúde do Estado.

“Quando se fala em qualquer tipo de doação, não há controle do volume que se vai receber. Por isso é necessário organização por parte da equipe do banco de leite para antever os problemas. Não podemos esperar a situação ficar crítica para agir. Assim que observamos queda no número de doadoras e de material armazenado, já é preciso atenção”, observa a responsável técnica pelo banco de leite do HMU, Nerli Pascoal Andreassa.

Desde que o banco de leite do HMU foi inaugurado, em 1999, cerca de 17 mil bebês já foram beneficiados pelo equipamento, conforme a diretora do HMU, Mônica Carneiro.

No fim de abril, o equipamento já havia sido condecorado com selo de qualidade na categoria ouro em prêmio idealizado pelo Ministério da Saúde e pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz). Neste caso, a certificação atesta que os processos de padronização e manuseio do leite são respeitados, o que garante que a unidade fornece aos bebês alimento seguro.

PRÊMIO ESTADUAL

A inédita premiação estadual de sexta-feira foi dividida em quatro categorias e contemplou cinco unidades públicas do Estado. Juntos, os bancos de leite de paulistas respondem por 25% do volume total de leite humano coletado no País.

Na categoria doadoras, o banco de leite do Hospital e Maternidade Amador Aguiar, de Osasco, recebeu a premiação por alcançar a marca de 1.200 concessoras em 2016. Por conseguir 933 coletoras no ano passado, o equipamento do Hospital Municipal e Maternidade Escola Dr. Mário de Moraes Altenfelder Silva, na Capital, foi premiado na categoria receptoras.

Já no quesito distribuição, a condecoração foi entregue à unidade do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP (Universidade de São Paulo), pela oferta de 2.200 litros.

Aleitamento reflete na redução de taxa de mortalidade em 13%

Além de contribuir significativamente para a melhora do quadro de recém-nascidos internados em unidades de terapia intensiva, estima-se que o aleitamento materno seja capaz de diminuir em até 13% a morte de crianças menores de 5 anos em todo o mundo por causas preveníveis.

Especialistas ouvidas pela equipe de reportagem do Diário ressaltam ainda que a amamentação até os 4 meses de idade reflete também na menor incidência de doenças como diabetes, hipertensão arterial, obesidade, alergias autoimunes e colesterol elevado nos indivíduos já adultos, e contribui para a elevação do QI (Quociente de Inteligência).

“Temos diversos estudos e relatos estatísticos que mostram que bebês que recebem leite humano até pelo menos 4 meses de vida têm rendimento e qualidade de vida melhores, além de sucesso profissional. Sem falar na proteção de doenças quando adulto e QI mais elevado do que indivíduos que não foram amamentados por todo esse tempo”, destaca a pediatra neonatologista do Centro de Tratamento Intensivo Neonatal do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo) Valdenise Calil.

Para Vilneide Maria Serva, pediatra integrante do departamento científico de aleitamento materno da Sociedade Brasileira de Pediatria, tudo o que se sabe hoje em relação ao leite humano leva à sua necessidade. “Para os bebês prematuros, o alimento está associado à sobrevida, porque protege contra as infecções e evita problemas psicomotores.”

PARA AS DOADORAS

Ao contrário do que muita gente pode imaginar, doar o leite excedente não contribui para que ele finde. Conforme as especialistas, além de ajudar a salvar vidas, as mulheres que realizam o gesto de solidariedade são beneficiadas tanto do ponto de vista psicológico quanto físico. “Essa senhoras não estão apenas contribuindo à saúde dos recém-nascidos, mas prevenindo doenças na mama”, aponta Vilneide. Segundo ela, além de evitar inflamação ou ingurgitamento mamário, popularmente conhecido como leite empedrado, a doação significa a recompensa eterna de ter realizado ação humanitária.




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