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Livro de auto-ajuda lidera leitura nos trens
Por Marco Borba
Do Diário do Grande ABC
04/11/2006 | 19:50
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Livros de auto-ajuda, religiosos e técnicos, voltados à formação profissional, predominam na leitura diária dos passageiros da linha D da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), que serve o Grande ABC. Já os grandes autores da literatura passam longe das mãos dos passageiros.

Na imensa biblioteca móvel, os leitores de jornais e revistas de fofoca são os mais facilmente encontrados. Seguidos dos best sellers livros de auto-ajuda. Sentados no banco duro do vagão, lêem dicas de como se tornarem líderes, como se planejarem melhor, terem motivação no trabalho e mais equilíbrio emocional. Devoram os livros de auto-ajuda em busca de uma vida melhor.

A coordenadora de atendimento e internação do Pronto-Socorro do Hospital Santa Helena, na Capital, Teolândia Duarte, 34, foca a leitura nos temas relacionados a sua área de atividade. Ela está lendo o livro Aumente o poder de seu subconsciente, de Joseph Murph. “Aborda temas positivos. Diz como você deve fazer para melhorar o seu cotidiano.”

Dos quatro livros lidos por Teolândia no ano, todos são sobre o mesmo tema. “Às vezes quando sobra um tempinho leio outras coisas, mas literatura não leio com muita freqüência.”

Na avaliação do ex-presidente da ALB (Associação de Leitura do Brasil) e professor do programa de pós-graduação em Educação da Universidade de Sorocaba, Luiz Percival Lene Britto, a leitura em espaços como consultórios médicos, trens e ônibus, entre outros, se encaixa na chamada fuga à angústia da espera. “É uma leitura de entretenimento. As pessoas tentam tornar esse tempo útil, assim, priorizam a atividade formativa. Isso explica o fato de boa parte ler apostilas e livros técnicos.”

A recepcionista Cecília Augusto de Sousa, 39 anos, por exemplo, lia atenciosamente uma revista de grande circulação nacional para se informar sobre os últimos acontecimentos políticos e artísticos do país.

Evangélica (Igreja Universal), disse que já leu três livros – todos com referências bíblicas – este ano. “Ajuda a gente a se distrair na viagem.”

Para o professor Lene Britto, não era mesmo de se esperar que no trem uma gama expressiva de passageiros fosse apanhada lendo a alta literatura, como Marcel Proust (escritor francês 1871-1922), exemplificou. “A leitura está relacionada ao perfil cultural e socioeconômico de cada um. Além disso, a literatura mais complexa exige um grau maior de concentração, para que a pessoa se envolva de fato com a obra. É assim também nas artes plásticas. Uma coisa é você observar uma escultura no Masp (Museu de Arte de São Paulo) e outra é fazê-lo na Praça da Sé.”

Quem encara obras clássicas, muitas vezes o faz por obrigação. O técnico-administrativo Diego Eduardo Seckler, 20, aproveita o tempo de viagem para estudar. Ele faz cursinho e presta vestibular em Jornalismo no final do ano. “Na maioria das vezes estou com a apostila. Mas no trem já li alguns capítulos de livros obrigatórios para o vestibular, como Dom Casmurro (Machado de Assis) e Iracema (José de Alencar).” Mas o estudante prefere reservar à literatura os finais de semana, longe do sacolejo dos trens. “Os temas mais conceituais precisam de uma leitura mais atenta. Nesse caso, é melhor ler em casa.”

A bíblia, que mescla o fato de ser maior best seller de todos os tempos, com mais de mil traduções, e de figurar como uma das obras mais complexas e ricas da literatura universal, é uma das obras mais encontradas nos vagões. Evagélica, a bancária Tadia Almeida, 23, moradora da Vila Curuçá, em Santo André, aproveita os 30 minutos de viagem até a estação da Luz para ler as escrituras. “Estou lendo um versículo que fala de Daniel, que explica a um rei os significados do sonho deste último.”

Mesmo com tanta gente mergulhando no universo dos livros, a maioria segue as viagens ferroviárias de mãos abanando. Mas o estudioso Lene Britto discorda da tese de que o brasileiro lê pouco - média dois livros ao ano contra sete na Europa e EUA – por causa do preço. “A questão, como já disse, é cultural. Atualmente, editoras e jornais lançam inúmeras coleções com obras de grandes autores por menos de R$ 10. É preciso ver a questão da leitura e da indústria como processos independentes.”

Dados da Câmara Brasileira do Livro apontam que em 2005 foram vendidos no país cerca de 270 milhões de livros, contra 288 milhões no ano anterior. No entanto, o faturamento das empresas foi um pouco maior no ano passado - R$ 2,5 bi ante os R$ 2,4 bi de 2004.

Na 19ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo deste ano, em março, foram lançados 3 mil novas obras nos gêneros ficção, poesia, jornalismo, livros de referência e de auto-ajuda.



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