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Crise no Brasil abala credibilidade do FMI
Paulo Soterro
De Washington
16/01/1999 | 14:42
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A inesperada euforia da Bovespa, na sexta-feira, provocada pela decisao do governo de liberar o câmbio, depois de jurar até a véspera que nao o faria, colocou as autoridades brasileiras e seus principais interlocutores no Fundo Monetário Internacional (FMI) e no Departamento do Tesouro numa situaçao peculiar. Tendo aceitado a resistência brasileira a uma política cambial que eles também consideravam excessivamente arriscada, precisam agora extrair uma vitória política da reaçao inicial positiva criada pela derrota da estratégia cambial que defendiam e apoiavam. Da realizaçao dessa mágica depende nao apenas a preservaçao da parte do programa econômico brasileiro sobre a qual nao há desacordo, ou seja, a necessidade de o Brasil fazer um forte e definitivo saneamento das contas do setor público, como a própria credibilidade política da equipe econômica, do FMI e do Tesouro, que foi novamente posta em questao pela crise da semana passada.

O ministro da Fazenda, Pedro Malan, o presidente do Banco Central, Francisco Lopes, e uma equipe de assessores chegaram hoje a Washington para rediscutir o acordo de estabilizaçao econômica que o governo negociou com o FMI, em novembro passado. Uma fonte do governo disse que nao há previsao de duraçao das conversas da equipe econômica na capital norte-americana, que devem incluir contatos também no Tesouro.

Em sua defesa, o FMI e o Tesouro poderao dizer que recomendaram ao governo brasileiro uma política mais flexível de bandas cambiais. É verdade. Segundo um alto funcionário brasileiro que participou das negociaçoes do acordo com o Fundo, foi principalmente a resistência do ex-presidente do BC, Gustavo Franco, que impediu uma aceleraçao do câmbio como o alargamento do mecanismo de minibandas, sugerido pelo FMI e pelo Tesouro . "O Gustavo disse que, se mexessem na banda, ele renunciaria", disse o funcionário. Mesmo assim, o FMI e o Tesouro ficaram numa numa posiçao mais tênue para responder a seus críticos.

Estes viram no pânico causado pela primeira tentativa de Brasilia de mudar a banda cambial, na quarta-feira, mais uma prova do fracasso da estratégia de Washington para lidar com o problema do contágio das crises financeiras globais. E certamente nao darao crédito ao FMI e ao Tesouro pela decisao do governo brasileiro de deixar o mercado determinar o valor do real, porque esta opçao, escolhida por Brasília em desespero de causa e por absoluta falta de alternativa, nao faz parte do atual catecismo do Fundo para economias emergentes.

Se o ataque especulativo contra o Brasil de fato cessou - e ainda é cedo para saber se foi isso o que ocorreu na sexta-feira - , nao foi por causa da ativaçao dos mecanismos de prevençao de crises embutidos no crédito de US$ 41,5 bilhoes que o FMI e a comunidade financeira oficial concederam ao País. Uma das ironias da situaçao potencialmente mais confortável criada pela adoçao de uma política cambial que nem o governo nem o Fundo ou o Tesouro defendiam no caso brasileiro é que os quase US$ 32 bilhoes de recursos do FMI ainda à disposiçao do País poderao se tornar menos necessários, caso o Congresso brasileiro e os governos estaduais entenderem que é suicídio desafiar a vontade do mercado num regime de câmbio livre e apoiarem prontamente a aprovaçao e execuçao das medidas ainda pendentes do programa de ajuste fiscal.

Nesse cenário, o caráter preventivo do acordo com o Brasil com o Fundo ficaria comprovado, mas mais por acidente do que por desígnio. "Creio que a crise desta semana colocou mais um prego no caixao do FMI e na estratégia de Washington para conter crises financeiras", disse à Agência Estado o economista Arturo Porzecanksy, do banco de investimentos ING Barings. "A liberdade cambial é o elo perdido do consenso de Washington".

De fato, no Tesouro há duas posiçoes sobre o tema. O secretário do Tesouro, Robert Rubin, um homem que fez carreira e fortuna num grande banco de investimentos de Wall Street, é um firme defensor do câmbio livre. Mas seu vice, Larry Summers, que conduz o dia-a-dia da política financeira internacional dos EUA, faz fortes reservas a essa política. Este é o caso, também, de Stanley Fischer, o vice-diretor-gerente do FMI, que, como Summers, é oriundo do mundo acadêmico. "Summers e Fisher acreditam que, em matéria de câmbio, a economia de mercado nao funciona em países emergentes", disse Porzecankski.

A doutrina oficial, que o Brasil vinha seguindo antes mesmo de ser forçado a ir ao Fundo, é monetarista. Testada nas economias asiáticas, seu objetivo é garantir a estabilidade da moeda a qualquer custo, usando a política de juros como principal instrumento de defesa.

"Por que focalizamos tanto na estabilizaçao das moedas", perguntou Fischer, retoricamente, numa entrevista que concedeu ao New York Times no final de outubro. "Porque, se nao fizermos isso, a inflaçao dispara". Esse é, obviamente, o risco que o Brasil enfrenta desde a sexta-feira. E a única maneira conhecida de evitá-lo é reduzir o déficit público a um nível em que possa ser financiado sem asfixiar a economia.

Mas a doutrina oficial do FMI, que tem a bençao de Summers, tem estado sob forte ataque. Um de seus opositores é o economista-chefe do Banco Mundial, Joseph Stiglitz. Mas o mais persistente crítico da estratégia do Fundo é o economista Jeffrey Sachs, da Universidade de Harvard. No final de outubro, quando o governo brasileiro negociava o acordo de estabilizaçao em Washington, Sachs advertiu que o Fundo estava prestes a repetir, no Brasil, os erros que cometera na Asia. "Os cortes orçamentários e as altas taxas de juros jogarao o Brasil num profunda recessao", disse ele ao New York Times.

No mês passado, Sachs voltou à carga. Em entrevista ao Financial Times, ele chamou o acordo do Brasil com o Fundo de "um ato de alto risco para tentar salvar uma moeda sobrevalorizada". Sachs disse que "uma abordagem melhor seria deixar o real desvalorizar e reduzir as taxas de juros para níveis sustentáveis".

A reaçao supreendentemente positiva do mercado, na sexta- feira, à decisao do BC de deixar o câmbio flutuar sugere que Sachs estava certo e Fischer estava errado. A ironia - e o risco - da situaçao é que os deputados, senadores e governadores brasileiros, que vivem criticando as políticas do Fundo, podem ainda provar que Fischer e o Fundo estavam com a razao: se eles resistirem ao ajuste fiscal, o real despencará e a inflaçao voltará, com força.




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