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'O ensino a distância não é a melhor resposta’
Por Aline Melo
Do Diário do Grande ABC
10/08/2020 | 00:01
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Presidente da Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) e deputada estadual, Maria Izabel Azevedo Noronha, a Bebel (PT), avalia que a continuidade das aulas on-line no modelo adotado pelo governo do Estado de São Paulo não era a melhor solução neste momento de pandemia de Covid-19. Para a docente, o ideal seria trabalhar com os alunos conceitos de leitura, além dos aprendizados que estão sendo desenvolvidos durante a própria quarentena. “ O que vai ter é uma exclusão educacional, já não basta a exclusão que existe na educação presencial”, afirmou.

Há quanto tempo a senhora está na presidência da Apeoesp?

Estou há quatro mandatos consecutivos, 12 anos.

O que mudou neste período? 

Se não fosse o sindicato, a Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo), acho que a vida dos professores estaria pior. A gente segurou muita coisa ruim do ponto de vista de ataque ao magistério, à carreira, aos direitos. Conseguimos fazer campanha pela incorporação das gratificações, temos uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal) que obriga o governo a pagar 10,15% com repercussão geral na carreira e isso a qualquer momento sai. Estamos aguardando o acordão do STF para cobramos do governo do Estado imediatamente a implantação da jornada extraclasse, que aumenta de oito para 14 horas o período para o professor preparar as aulas, em uma jornada semanal de 40 horas. Nós, junto com os alunos, em 2015, evitamos o fechamento de 92 escolas. Temos 184 mil sócios, um sindicato forte e contamos com a credibilidade dos professores. A Apeoesp tem sido uma grande força motriz de lutas, sem deixar de lutar pela categoria. Lutamos pelos professores admitidos em caráter temporário, os professores aposentados, todos eles, somos o único sindicato no mundo que tem um modelo de incorporar trabalhadores precários. 

O sistema para aulas on-line do Estado foi construído de forma conjunta com professores? 

Neste momento, o ensino a distância não é a melhor resposta. Educação a distância não existe. O que você tem é tecnologia de informação e comunicação, educação é só presencial. Não vejo possibilidade de educar, formar, levar a um ato reflexivo, ter uma educação num marco civilizatório que leve a ter mudanças de comportamento sem ação presencial. O que eu entendo é que a educação a distância é ineficiente. O que se faz de modo muito precário é o uso das tecnologias de informação e comunicação, está informando e comunicando, não está formando, é diferente. O que vai ter é uma exclusão educacional, já não basta a exclusão que existe na educação presencial. Agora fica mais marcante, quem tem dinheiro para comprar o celular e pagar a banda larga faz, quem não tem, dança e a maioria dos nossos alunos é oriunda de classe baixa. Educação a distância é um marco negativo em um momento negativo que é a pandemia, marcada por tristeza na sociedade. Está se fazendo de conta que nada está acontecendo e ‘toca a vida’. Mas a vida está diferente na nossa casa, na rua, é um novo normal e não pode se aceitar o normal que o governo quer impor. Acho que tem outras formas de trabalharmos um ato reflexivo, usar a televisão, o rádio. Entendo que, talvez, se o governo apostasse em um projeto de leitura, estimulando o hábito da leitura ou, mais ainda, se, ao invés de tentar atender 3,7 milhões de alunos, tivesse investido em projeto de formação dos professores, nossa resposta seria mais assertiva saindo da pandemia. É verdade que 2020 e 2021 vão ter que caminhar juntos, uma parte do conteúdo deste ano vai ter que ir para 2021 e é possível. Há que estabelecer uma reorganização do tempo – e o tempo no sentido cronológico não é igual ao pedagógico. Você pode agrupar alunos com desenvolvimento cognitivo diferente. É preciso um olhar mais atento para os alunos que vão prestar o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), todo apoio tem que ser dado a eles, e para a educação de jovens e adultos, esses são aqueles que já não puderam estudar em idade própria. Sobre a educação infantil, acabando a pandemia, crianças pequenas têm que ficar com seus familiares. Essas crianças vão ter que viver um outro novo normal e as menores são mais difíceis de você obrigar a ficar com máscara, limpar a mão com álcool gel. Em casa são dois, três filhos. Na educação infantil como é que vai fazer, com mais de dez alunos? Então é um risco para as crianças. Com a criança maior, o jovem, existe um melhor controle.

Quais são as maiores dificuldades que os docentes têm enfrentado?

Eles estão sendo assediados, se sentem pressionados e de forma injusta, porque o celular é deles, a rede é deles, eles têm que cumprir a ordem do patrão. Há uma apropriação indevida do governo do Estado sobre a tecnologia do professor, do aluno, porque eles são obrigados a usar os equipamentos deles, os dados deles. O governo do Estado tem que oferecer. A falta do equipamento adequado também tem sido uma dificuldade dos professores. Às vezes, o professor está no meio de algum processo, quase baixando, e cai a conexão. Porque ele não tem dinheiro para manter uma conexão de qualidade. 

Tem havido contato com as famílias dos alunos que não estão conseguindo acessar ao conteúdo? 

Sistematicamente. Os pais têm dito que para eles não está adiantando nada, até os pais mais simples. Ficam vendo eles quebrando a cabeça o dia inteiro, não vira nada e eles ficam desanimados. Eles dizem que se isso é contado como aula, os filhos estão perdidos. O Conselho Nacional de Educação editou norma dizendo que vai contar como educação, como dias letivos, então é um calendário burocrático que não tem nada a ver com o calendário pedagógico.

A Apeoesp tem divulgado dados de acesso que têm apresentado baixa adesão dos alunos. A que fator vocês atribuem esse resultado? 

A maioria dos alunos não tem computador, não tem condições de acessar. Até se inscrevem para as aulas on-line e, depois, menos de um terço participa das atividades que são propostas. Na semana em que o governo do Estado convocou um replanejamento (de 1º a 5 de junho), teve 12% de acesso e isso é muito pouco, não é nada. Se isso contar como educação a distância, como aula dada, como que fica?

Existe uma avaliação da Apeoesp sobre possíveis perdas de conteúdo por parte dos alunos nesse período?

A gente não trabalha com o calendário oficial, mas com o tempo pedagógico. Conteúdo se trabalha, não tem hora certa, mas em certa medida eles estão tendo outros conteúdos. Tem a vivência por trás da pandemia, quantas coisas eles não estão aprendendo? Noções de higiene, noções de geografia, história. Agora, o saber sistematizado, não se pode negar, o currículo também é assim. Eles vão voltar com uma abertura, um grau, uma capacidade de linkar uma coisa com a outra maior do que quando saíram. Aposto muito nisso.

Na sua opinião, o conteúdo que está sendo desenvolvido deveria se ater mais às questões do cotidiano do que do currículo? 

A vivência permite conteúdos de geografia, de matemática, estatística, são questões que poderiam partir até da própria tristeza, negar não adianta. História das vidas das pessoas que se foram, escolher alguém para quem se quer prestar uma homenagem, escreva alguma coisa. Quantas vezes trabalhamos isso em sala. Escrever cartas para os professores, conversar, quer exercício de escrita melhor do que esse?

Com relação à possível reposição de conteúdos para completar a carga horária obrigatória, a Apeoesp avalia que será necessário contratar mais professores para a rede?

Vai ter que contratar, porque vai ter que diminuir o número de alunos por sala, e por isso vai ter que triplicar o número de professores. Com certeza vai ter que ter uma logística de contratação, de replanejamento, porque não pensar em um cadastro estadual de professores, de interessados para trabalhar e fazer a logística disso, ou como vamos suprir a falta de professores para repor essas aulas? 

Qual sua posição em relação ao adiamento/cancelamento do Enem?

Entendi como vitória significativa. Esses meninos iam ser excluídos, não iam ter computador, 50% das vagas destinadas para alunos das escolas públicas e eles não iam ter direito, não têm como estudar a distância, não têm internet, nem computador. Foi uma vitória, mas vamos ter que lutar pelo adiamento dos vestibulares nas faculdades no Estado de São Paulo. 

Acredita que a desigualdade que sempre existiu entre alunos estará ainda mais acentuada no retorno das aulas?

Vai, claro que vai. Até mexer na máquina é aprendizado, quem não mexeu, não aprendeu. Não tem projeto de inclusão digital. A gente sai com alguns indicativos. Jamais vai se tornar substituição de professores, que já estavam pensando nisso. Foi tão ruim que ninguém quer ouvir falar em EAD. Quando a gente falava, achavam que a gente era ignorante e não entendia o que é EAD. É diferente de ter acesso a tecnologia, formação e informação. Mas isso não pode virar rotina. Mesmo para quem está trabalhando a distância, é tão cansativo. Estão fazendo aulas muito longas. Se pelo menos reduzissem o tempo de aula, talvez não fosse tanto. Vejo alunos fazendo poema para o professor mais chato. Acho que vai sair campanha linda de valorização tanto dos profissionais de saúde quanto dos professores. Os pais nunca valorizaram tanto os professores, porque estão sendo obrigados a acompanhar os filhos. Ensino domiciliar estava sendo empurrado e essas medidas que vinham aí, mirabolantes, não vêm mais. Ninguém vai querer ser professor do aluno, isso não é fácil, é para quem nasceu, quem é para isso, é quem forma todas as profissões.




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