Cultura & Lazer Titulo
Crônicas de um
sambista novo
Willian Novaes
Do Diário do Grande ABC
19/07/2011 | 07:09
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O samba nunca foi tão feminino como na atualidade. Elas cantam, sambam e mostram todos os dentes em belas interpretações que são mais do mesmo. Mas Gunnar Vargas é um sujeito diferente. Os olhos verdes, o jeito tímido e o sorriso largo são marcas do compositor e cantor que sabe que pode ocupar o espaço meio que vago do ritmo mais popular e original brasileiro. Claro que não pelo seu tamanho, mas por sua melodia e principalmente por suas letras que lembram os velhos sambas do cotidiano nacional.

Alegria, êxtase, brigas, amor, sexo, falta de grana e situações corriqueiras permeiam o seu primeiro CD, o lançamento independente 'Circo Incandescente'. A harmonia e as composições fazem literalmente a relação do casal - criado por Gunnar - pegar fogo nas 12 faixas do álbum.

Em um disco em que cada música tem a sua história e no conjunto lembra o desenrolar dos capítulos de uma novela, o folhear das páginas de um romance, ou até o mais importante, a rotina de qualquer relacionamento amoroso, com os seus pontos positivos e principalmente, e irremediavelmente, os negativos, que sempre surgem em qualquer relação humana.

Quem ouve não sente falta de instrumentos clássicos do ritmo, como pandeiro, banjo, cuíca, mas percebe que as composições têm uma levada de samba de raiz, bossa nova, breque e baladas populares. O violão, baixo, bateria, piano e trombone dão tom de malícia e uma relação mais intimista e nostálgica.

Os sambões 'Osso Duro' e 'Assim Não Assunção' vão incendiar as pistas onde possivelmente serão executadas. O batuque da cozinha existe, mas numa maneira mais Paulinho da Viola do que Zeca Pagodinho. As crises existenciais e realistas das músicas de Chico Buarque também têm espaço, no caso de 'Circo Incandescente', 'Mulher' e a bossa 'Mais um Samba'.

"Não me prendo a estilos musicais, o que eu faço é música, se um dia der na telha de fazer rock, vou fazer. Não quero ficar preso a rótulos", dispara Gunnar. "Mas um sambinha bem executado é o que quero e estou fazendo", completa.

O sambista sabe o seu devido lugar nas rodas de sambas. Ainda está do lado de fora, mas um pé já colocou nos terreiros dos batuqueiros. Um dos pontos fracos é a sua voz e ele derrapa em algumas interpretações em uma época que estética é tudo. "Sei que não tenho a voz que todo cantor gostaria de ter, poderia melhorar com os artifícios da tecnologia. Mas isso não é a minha cara, não gosto e nem preciso dessa maquiagem digital", bate de primeira ao ser questionado pela deficiência.

Em compensação, os músicos que o acompanham e até o seu violão mandam ver com qualidade e precisão. A banda profissional surgiu depois de um incentivo da prefeitura de São Paulo. Ele foi selecionado em um projeto cultural, soube aproveitar a remuneração de R$ 20 mil e fez um excelente trabalho. O CD foi produzido por Luiz Waack, que já trabalhou com feras da MPB, como Itamar Assumpção e Marisa Monte, seis faixas contaram com o trombone excepcional de Bocato. O disco ainda teve as participações das cantoras Paula da Paz e Marcia Castro, que deixaram ainda mais belas as canções.

A agenda de Gunnar ainda tem espaços a serem preenchidos, mas pela qualidade e em uma época em que a forma é tudo. Aos 29 anos, o rapaz de olhos verdes e que toca samba pode aproveitar. E, com sua paixão por mulher e cigarro, pode ir longe. Se não der certo como cantor, ainda tem as suas composições, que podem cair como uma luva para as atuais bambas do samba.




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