Setecidades Titulo Educação
Ensinando na aula o valor de cada um
Por Mirela Tavares
Do Diário do Grande ABC
18/11/2011 | 07:00
Compartilhar notícia
Ataide Alba


Durante três anos a mãe de um dos alunos da professora Elen Freitas Alsina, da Emeief Carolina Maria de Jesus, no bairro Cata Preta, em Santo André, mal olhava para o filho. Prostrada em casa, na luta contra o consumo de drogas, ela deixava para a avó da criança os cuidados e toda responsabilidade que ela mesma deveria ter. Por conta do projeto pedagógico Somos todos Um, desenvolvido por Elen, essa mãe depois de tanto tempo de ausência e distanciamento, voltou a se relacionar com o filho de 9 anos.

"Espontaneamente, ela fez questão de nos contar que quando viu o filho chegar em casa com um dos bonecos criados para uma das atividades do projeto e com o qual ele tanto gostava de brincar, se sentou no chão e começou a brincar com ele", lembra a professora. Mais feliz ainda ficou a avó do aluno, que aos prantos agradeceu e elogiou Elen, feliz por ela, de alguma forma, ter ajudado a filha a se reaproximar do filho.

Para a educadora, são resultados como esse que ‘pagam' a dedicação e o empenho no desenvolvimento de projetos como esse, criado como iniciativa de tentar minimizar os problemas de preconceitos que ela observou na turma e que se estendem na família e na comunidade.

"Percebi que os alunos estavam evitando ou rejeitando uns aos outros por serem de raças e gêneros diferentes ou por serem mais gordinhos ou mais magrinhos, mais altos ou baixos ou ainda apresentarem alguma deficiência física", afirma. "O objetivo era buscar maior equidade nas relações entre eles, fortalecendo o respeito pelas diferenças", conta a assistente pedagógica Fernanda Savordelli Barbosa, que deu apoio ao projeto.

O destaque das atividades ficou por conta da criação de grandes bonecos, que representavam indivíduos de raças, idades e gêneros diferentes. Os 30 alunos se revezaram para levá-los para casa junto com um kit contendo livros, jogos e outros pequenos brinquedos em sacolinha feita na própria escola. "Eles ficaram fascinados", diz Elen, acrescentando que também fazia parte da atividade relatar no Diário Escolar - inicialmente com a ajuda dos pais e depois sozinhos - as brincadeiras que faziam com o boneco, como uma forma de desenvolver a escrita. Na sala, as atividades eram divididas em jogos, rodas de conversa e outras ações para quebrar a barreira e aproximar os alunos.

Mas nem tudo foi fácil. A professora teve de lidar com o preconceito da própria família dos alunos. "Teve pai que inicialmente devolveu um dos bonecos, alegando que 'filho dele não brincava de boneca". Mas ele mesmo mudou de ideia depois que a criança levou para casa o trabalho de um coleguinha, provando que aquilo se tratava de atividade escolar, que explorava a importância das diferenças entre as pessoas e estimulava o aprendizado da Língua Portuguesa.

Problemas desse tipo, no entanto, acabavam sendo gatilhos para a própria criança se tornar agente transformador na família.

Desvendado segredo de textos instrucionais

Quis a vida que as duas fossem amigas. As professoras Monica de Jesus Bermud e Darci Rodrigues Shinohara se conhecem desde a infância. E, como toda criança, gostavam de brincar, só não tinham noção que na atividade estavam se educando. Quanto tempo faz não importa, o fato é que estudaram Pedagogia e se tornaram educadoras. E ser educador é atemporal. Uma boa desculpa para não denunciar a idade da dupla. Com diferença de um ano, ambas são formadas há 24 anos.

Monica e Darci são professoras da Emeief Sylvia Orthof, no Jardim Teles de Menezes, em Santo André, de crianças entre 8 e 9 anos. As salas onde trabalham ficam lado a lado. O que uma pensa, a outra realiza e vice-versa. Um dia tiveram a ideia de aplicar aos alunos aulas sobre textos instrucionais, como plano de aula no início do ano letivo. E o que são textos instrucionais? " São textos marginalizados", começa Monica. "São textos para a vida", completa Darci. Mas textos instrucionais são as palavras escritas nas bulas de remédios, nos manuais de instrução de equipamentos eletrônicos, nas receitas culinárias, ou no manual de jogos. Para alguns, são textos chatos, mas essenciais para o dia a dia.

As aulas não se limitam a um quadrado com mesas, cadeiras e meninos e meninas sentados com posturas de obediência em salas sem ar, como diz o poeta Carlos Drummond de Andrade.

Para mostrar como se faz um texto instrucional, ensinaram os alunos a fazer origami. Explicaram que o gênero tem como características o título, material e modo de fazer. "Eles conseguiram entender a estrutura do texto e aprenderam como executar as informações que elaboraram", relata Monica.

O próximo passo foi organizar sessão de cinema. Darci enfatiza que quando passam um filme, não é para o professor descansar ou por puro entretenimento. A ‘brincadeira' sempre tem objetivos sérios. O filme era o francês Ratatouille, sobre um ratinho que sonha em ser grande chef de cozinha e que, ao longo da fita, monta um prato tradicional da França, que leva o mesmo nome.

Surge novo desafio, ou melhor, brincadeira educativa. O menino Higor Batista de Alencar, 9 anos, aborda Darci e pergunta se o prato ratatouille existe mesmo. Não vamos nos esquecer que ela é, sobretudo, uma educadora e, como tal, se interessa pela dúvida do garoto: "Por que você está perguntando isso?", indaga. " Porque no filme tem um monte de coisa que é mentira. Um rato falante! Nunca vi um rato falante", diz Higor. O pensamento do menino tinha lógica, mas na educação os caminhos não têm fim.

Click! Darci comunicou à amiga de infância que iriam ensinar os alunos a fazer um ratatouille, ali mesmo na sala de aula, para provar que a receita existe. As duas organizaram o método, definiram quantidades e quem traria os ingredientes. Da atividade, vem o aprendizado: os alunos montaram sua própria receita, ou texto instrucional, a partir do que viram no filme. Uma lição e tanto. (Selma Viana)




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;