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Moradores da região projetam mundo diferente após a Covid-19

Abraços afetivos devem dar lugar ao receio, mesmo se superada pandemia que assola o planeta

Por Vinícius Castelli
Do Diário do Grande ABC
10/05/2020 | 07:00
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Denis Maciel/DGABC


Aquele encontro inesperado com um amigo pelo caminho quase sempre é seguido de um abraço apertado. Aquele papo despretensioso com um vizinho e até mesmo com um conhecido na fila da padaria, enquanto se espera o pão quente. Ou naquela tarde de calor, dividir um pastel na feira. Essas, e tantas outras, são situações costumeiras de um passado não tão distante, principalmente do brasileiro, povo culturalmente caloroso. Mas como será que tudo vai ficar quando o isolamento físico acabar e até mesmo quando a Covid-19 tiver vacina à disposição?

O ativista cultural e educador andreense Neri Camomila Silvestre, 52 anos, já anda pensando em como será sua vida quando puder a voltar a sair na rua naturalmente. “Sou quase uma pessoa vivendo dentro de uma caverna”, brinca. “Estou diuturnamente dentro de casa”, diz.

Ele sempre teve vida muito ativa, até mesmo por causa do projeto cultural Sarau da Quebrada, realizado na periferia de Santo André, do qual é articulador. Em um dia comum, sempre parava no balcão da padaria para um café, bater papo e brincar com os mais velhos.

O futuro, no entanto, lhe parece bastante incerto com relação a este tipo de atitude. “Não sei como vai ser meu comportamento neste sentido, mas acredito que, futuramente, terei que mudar alguns hábitos, de abraçar, de agarrar as pessoas brincando, de conversar pertinho, de beber no mesmo copo, tomar café no balcão da padaria”, reflete o ativista.

Bancária aposentada, a escritora andreense Marici França, 68, também sempre teve vida bastante agitada. Cuida de seu apartamento, vai ao banco, tem atividade na igreja, faz curso de informática para terceira idade, vai ao mercado fazer suas compras e tudo mais que precisa, sem muitas preocupações. Até uma ‘mãozinha’ aos filhos e netos, quando necessário, ela dá.

Integrante do grupo de risco da Covid-19, Marici está de quarentena desde o dia 15 de março. “Estou saudosa e ansiosa para retomar minhas atividades”, comenta. “Partindo da ideia que termine o isolamento, tenha uma vacina no mercado ou então um remédio que (comprovadamente) restabeleça a cura, vou voltar correndo para minha antiga rotina”, afirma.

A aposentada acredita que quando tudo isso passar, deve gerar hábitos novos para toda a população. “Vamos ficar bem mais atentos à questão de continuar higienizando as mãos, talvez manter uma distância mais cautelosa quando uma pessoa gripada estiver por perto”, diz.

Do mais, ela deseja que tudo retome a normalidade o mais rápido possível. “O bom seria voltar como era antes. Sem medo, sem tanto distanciamento das pessoas. Como não demonstrar por meio de beijos e abraços que amamos alguém? Não basta apenas termos liberdade para sair e não termos liberdade para expressar o quanto gostamos de alguém”, diz.

Hábitos novos são coisas que o escritor Marcelo Mendez, 48, de Santo André, tem certeza que irá manter. Tem feito alimentação saudável e corre no quintal todo dia, por 40 minutos. “É o que precisa para viver bem”, diz o andreense.

De seus hábitos antigos ele ainda não sabe como ficarão. “Não consigo imaginar se vou sair abraçando todo mundo”, projeta o escritor. Para ele, a parte afetiva é algo complicado. “Óbvio que, sendo brasileiro, latino, sinto a questão do afeto. Sinto falta dos amigos por perto. Peguei outro dia um notebook com uma amiga, no portão, distante. Não dei um abraço e comentei: ‘só vou poder te abraçar em setembro’”, lamenta.

A imagem que tem para quando tudo passar, algo que acredita ainda estar distante, é um grande abraço coletivo em São Paulo, no Largo da Batata. “O espírito que tenho hoje não me condiciona a participar disso, mas gostaria sim, de poder a voltar a abraçar um amigo, fazer uma roda e bater um papo”, encerra. 

Hábitos antigos e novas formas de agir devem se misturar

Um evento como o que a sociedade enfrenta nos dias atuais, que é a pandemia causada pela Covid-19, que mudou a vida de todos, coloca muita gente em reflexão e é capaz de fazer repensar atitudes tidas como habituais. Ao menos é o que espera o psicólogo André Correia.

O especialista acredita que após o fim do isolamento físico e até mesmo da pandemia, com a descoberta de um remédio ou vacina que torne o ser humano imune ao novo coronavírus, algumas coisas serão mais estimadas, como qualidade de vida e relações sociais. E formas de comércio podem se reinventar, segundo ele.

“A princípio, creio que virá um alívio de ‘liberdade’ e a alegria da celebração entre amigos e família, mas muito será repensado no futuro. Ou ao menos deveria”, explica André.

O profissional diz que se deve esperar das pessoas comportamentos diferentes e, consequentemente, uma sociedade com novas formas de conduzir as coisas e de pensar. “Devemos rever as próprias atitudes e pensamentos. Buscar meios mais saudáveis de coexistir com a sociedade. Quando esperamos da sociedade, terceirizamos a mudança. Mas começa em nós”, afirma o especialista.

A psicóloga Ellen Moraes Senra diz que, por um tempo, as pessoas, provavelmente, terão receio de agir normalmente, após o fim do isolamento físico e até mesmo da pandemia. Mas acredita que tudo o que o brasileiro mais quer é se aglomerar, estar junto com familiares e amigos. “Então, viver mais solitário é uma possibilidade muito remota, visto que mais do que nunca as pessoas irão querer matar saudades.”

Para ela, algumas de nossas culturas, como o abraço apertado nos amigos e demais pessoas queridas, por exemplo, não deve sumir do mapa. “Somos um povo caloroso e já temos o hábito de abraçar normalmente, isso é o nosso cumprimento padrão. Então, após o isolamento acredito que será a primeira coisa que todos farão, mesmo que ainda impere a sensação do medo de adoecer.”

André destaca que é importante também que, depois que tudo isso passar, é crucial não permitir que o zelo se torne transtornos emocionais, como síndrome do pânico e TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo), por exemplo, causados pelo excesso de cuidado.




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