Marisa Letícia Lula da Silva foi primeira-dama do País entre os anos de 2003 e 2011. Mas antes de subir a rampa do Planalto ao lado do então presidente eleito Luis Inácio Lula da Silva (PT), ela, uma mulher de origem humilde, que foi babá aos 9 anos de idade e operária aos 13, teve de ouvir de opositores que ‘teria muito trabalho para limpar os vidros do Palácio da Alvorada’.
O preconceito, sentimento hostil que lidou não só quando seu marido recebeu a faixa presidencial, mas em outros momentos da vida, é uma das situações contadas no livro que leva seu nome (Alameda Editorial, 408 páginas, R$ 68), escrito por Camilo Vannuchi e lançado semana passada em São Bernardo, cidade onde nasceu e morou por quase toda a vida. Marisa morreu no dia 2 de fevereiro de 2017, vítima de um AVC (Acidente Vascular Cerebral).
Vannuchi diz que a ideia inicial era escrever as memórias da primeira-dama. As conversas começaram em 2007, na ocasião do lançamento de um outro livro seu, mas de início ela desconversou. Aceitou fazê-lo apenas em 2015, mas, em razão dos compromissos, acabou não dando tempo. O autor foi visitá-la no hospital, às vésperas de sua morte, e foi questionado pelo ex-presidente. “Vannuchi, e o livro?’ ‘Não fizemos, presidente.’ E Lula respondeu: ‘Agora eu que vou ter de te contar as histórias da Marisa”.
Lula conseguiu dar uma entrevista apenas ao autor e o que era para ser o livro de memórias virou uma biografia. Para tanto, durante dois anos ouviu mais de 90 pessoas, entre familiares, amigos, políticos e escreveu o livro que, em paralelo à história da ex-primeira-dama, reconstrói a história do sindicalismo em São Bernardo, a fundação do PT, a redemocratização, até chegar no governo Lula e depois, à Lava-Jato.
“Marisa foi uma pessoa que tem muito essa pegada comum, que parece muito as mães, as tias da gente, e que na intimidade sempre foi uma leoa, muito protetora, um alicerce para a família. O presidente não teria se tornado o líder que ele se tornou sem a Marisa assumindo quase que sozinha as coisas da casa, da família”, ressalta o autor. E ela não se limitou apenas aos afazeres do lar. “O que se fala pouco é da importância muito grande dela na construção do PT. Faz exatamente 40 anos que o partido foi fundado (em 10 de fevereiro de 1980) e, nos bastidores, ela foi fundamental. O primeiro núcleo do partido foi no bairro Assunção (em São Bernardo), na sala da casa dela, de 30 e poucos metros quadrados. Marisa saia com a ficha de inscrição do partido e batia de casa em casa recolhendo assinaturas. Ela foi fundamental para essa história, junto com outras mulheres.” Vendia botons, rifas, camisetas – que ela mesma confeccionava e estampava, na sua casa –, para arrecadar fundos e, na ocasião da prisão do Lula e outros sindicalistas, na década de 1980, fez a marcha das mulheres contra a ditadura na cidade.
E, uma vez primeira-dama, embora tenha ouvido coisas que não lhe agradaram, conforme já mencionado, se manteve firme. Foi a conselheira mais ouvida pelo presidente e, entre os feitos, tratou de devolver ao palácio os aspectos históricos perdidos ao longo dos anos. “Ela fez uma reforma muito correta, porque recuperou a decoração, a ambientação de como o Palácio na década de 1950, corrigindo muitas deturpações que outros casais tinham feito e descaracterizaram o local”, descreve Vannuchi. Oscar Niemeyer visitou o local, a convite dela, e aprovou a obra.