O relógio de estilo inglês que desponta em meio à neblina vive uma época de glórias e desenvolvimento que se perdeu com a passagem do tempo e a degradação dos trilhos. A charmosa Vila Ferroviária de Paranapiacaba, tombada em 1987 pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico), pede socorro. No início de mais uma gestão em Santo André, desta vez nas mãos de Carlos Grana (PT), a esperança de que algo será feito pela vila se renova.
Os problemas são muitos, e dos mais variados. Vão desde as constantes quedas de energia, que dão prejuízos financeiros para comerciantes e moradores, até a falta de divulgação para atrair turistas. Mesmo assim, o estudante Urias Guedes, 25 anos e morador de Bauru, no Interior, visitava a vila na companhia da também estudante Aline Simões, moradora da Capital. "Confesso que achei poucas informações oficiais sobre Paranapiacaba. Vim mais porque a Aline já conhecia e indicou." Aline, por sua vez, esteve lá pela primeira vez no Festival de Inverno. "Acho que precisa ter mais divulgação, porque o cenário histórico e o meio ambiente são muito atrativos. Mas pouca gente conhece."
A esotérica Elaine Alves, 45, trocou São Caetano pelo sossego da vila. Hoje, paga um quarto de pousada para viver com o filho Nicolas, 11. "A vila tem, sim, problemas. Perdi a placa do meu computador em uma das quedas de energia neste fim de ano. Mas amo o contato com a natureza, a paz e a tranquilidade de ver meu filho estudar sem violência."
Os contrastes são muitos. As casas da vila, feitas de madeira com cercas de dormentes de trilhos, precisam de manutenção. Patrimônios como o prédio da Sociedade Recreativa Lyra da Serra, fundada em 1903 para abrigar atividades culturais voltadas aos trabalhadores da ferrovia, aguardam reforma há anos. O imóvel que abrigou um dos primeiros cinemas do Brasil hoje está cercado por tapumes. A placa instalada no local indica que a obra deveria ser concluída em abril do ano passado. Porém, a intervenção, orçada na época em R$ 662.628,28, nem começou.
Proprietária de uma pousada, Maria Aparecida Ferreira de Almeida, 65, mora há 43 anos no local. "Estou assistindo a morte desse lugar. E é muito triste", diz ela, que veio de família de ferroviários. Há dois anos, Maria Aparecida viu seu ganha-pão fechar as portas após o vencimento da licitação que garantia a concessão do imóvel onde funcionava a Estrela da Manhã. Eram quatro quartos de casal e dois coletivos, um com 14 e outro com dez camas, além de salão de café da manhã para 14 hospedes. Foram oito anos de trabalho no lugar. "Não quiseram renovar de jeito nenhum. E agora vejo os marginais roubando fiação e tudo o mais que está lá, pois a casa está vazia."
Além do fechamento da pousada, as chuvas do início deste ano prejudicaram também a estrada de acesso à Parte Baixa da vila, que foi tomada por buracos, além das trilhas, que atraem muitos turistas interessados na natureza exuberante da Mata Atlântica. Em uma das trilhas mais utilizadas pelos guias para levar, principalmente, estudantes das escolas públicas de Santo André, uma ponte impede a passagem sobre o curso d'água. "A gente continua levando o pessoal, na boa fé, torcendo para ninguém se machucar. Mas até quando vai ficar desse jeito? Precisam voltar a olhar para nós", pede o monitor turístico Douglas Borges Gomes, 35. É o grito de socorro da vila inglesa, em alto e bom português para todo o mundo entender.
Nascido e criado na Vila de Paranapiacaba, o memorialista e vice-presidente do Instituto do Patrimônio do ABC, Adalberto Dias Almeida, sente saudades do tempo em que as casas eram pintadas em tons de creme, e os trabalhadores da ferrovia construíam o caminho do progresso entre o Porto de Santos e a Capital. "Projetos para recuperar a vila há muitos. O problema é que eles nunca saem do papel."
Almeida relembra, inclusive, que há três anos arquitetos e engenheiros do grupo internacional Friends of América (amigos da América, em tradução livre) fizeram levantamento dos bens históricos de Paranapiacaba e apresentaram projeto detalhado sobre o que deveria ser feito para atrair turistas. "Foi mais uma boa ideia engavetada pelo poder público."
O memorialista destaca que esse processo de abandono da ferrovia se dá há 45 anos em todos os segmentos que estavam ligados aos trilhos. "Foi assim em Bauru, Araraquara, Marília, e em outras cidades do Estado. Importantes troncos vitais ferroviários decretaram falência, e todo o patrimônio que a eles pertenceu está abandonado."
Com Dilma Rousseff (PT) como presidente, Almeida acredita na volta da era Evangelista de Souza, o Barão de Mauá, que em 1854 expandiu os trilhos pelo Estado de São Paulo. "Voltaram a olhar para a ferrovia, estão saindo projetos, ampliações e recuperações de ramais. Mas o que era histórico está sendo deixado de lado nesse processo."
Almeida cita o projeto do governo estadual de construir o Expresso Regional, que ligaria a Capital à Jundiaí, no interior paulista. No entanto, o trem rápido de passageiros não prevê parada em Paranapiacaba. "Mesmo assim, seria possível incluir nas contrapartidas do projeto a criação de trajeto de trem de passageiros até o quarto patamar, que hoje está abandonado. Afinal, o patrimônio é tombado pelo Estado."
Mais uma ideia que, Almeida acredita, será difícil implementar. "Falta vontade política e valorização do patrimônio."
A Secretaria de Gestão de Recursos Naturais de Paranapiacaba e Parque Andreense está em fase final de elaboração de plano emergencial para os próximos 100 dias. O objetivo é recuperar a região, que acumula problemas como o abandono das obras dos prédios da Sociedade Recreativa Lyra da Serra e do primeiro Grupo Escolar da Vila, além do Cesa (Centro Educacional de Santo André) do Parque Andreense.
A Pasta informou ainda que, devido às chuvas, as vias de acesso receberão manutenção, seguida pela recuperação das pontinhas, proteção das laterais da estrada de terra na Parte Baixa e de focos de deslizamentos e alagamentos. "Vamos nos empenhar em recuperar o patrimônio. Também vamos organizar calendário cheio de atrações para atrair os turistas", afirma o secretário Ricardo Di Giorgio.
Entre as promessas do prefeito Carlos Grana (PT) no plano de governo estão a revitalização do campinho de futebol de Paranapiacaba e a criação de oficinas na vila.
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