Setecidades Titulo Pandemia
Missão: ajudar a salvar vidas

Motoristas dos serviços de socorro adaptam rotina e driblam os medos diários de levar o vírus para casa; carinho e amor pela profissão fazem parte dos atendimentos

Yasmin Assagra
Do Diário do Grande ABC
07/12/2020 | 07:00
Compartilhar notícia
Nario Barbosa/DGABC


 Além dos desafios diários como driblar o trânsito, prestar atenção nos semáforos e, principalmente, cuidar do paciente que precisa do transporte com urgência, os motoristas de ambulância – eles preferem ser chamados de condutores dos serviços de socorro – agora precisam enfrentar mais uma batalha rotineira, perigosa e silenciosa: a Covid-19. Mesmo que nem sempre sejam lembrados entre as equipes de socorro médico, esses profissionais também são impactados pelos riscos de trabalharem na linha de frente de combate ao coronavírus e encaram situações de perigo. Apesar disso, a paixão pela profissão motiva a cada saída da sede e a cada encontro com o próximo paciente.

Na condução do transporte de emergência, assim como os enfermeiros e médicos, esses profissionais também se vêem em contato direto com pacientes que contraíram a Covid e, em muitos casos, só descobrem que a pessoa está infectada depois de já ter atendido e mantido contato. “Apesar de toda paramentação, hoje, para nós, todos são suspeitos. Mas, independentemente de quem estamos atendendo, somos humanos atendendo humanos”, declara Marcelo Antônio Pereira da Silva, 39 anos, há dois anos condutor de unidade móvel de nível pré-hospitalar na área de urgência em São Caetano.

Inevitavelmente, a preocupação também está ao voltar para casa, mesmo que todos os profissionais comentem que a sede dos condutores, localizada na Avenida Vital Brasil, seja como um segundo lar. Eles retornam com medo de transmitir para o restante da família, ainda que não estejam com Covid, mas pelo fato de rotineiramente, mais de uma vez por dia, atenderem pessoas com a doença. No entanto, para Alexandre Santos Souza, 46, condutor há oito anos, são “conscientes” do que precisam fazer. “Ficamos preocupados, e muito, diariamente. Apesar de nos cuidarmos, sempre bate o medo de levarmos o vírus até nossas famílias. Até porque ele demora um tempo para se manifestar em muitas pessoas”, comenta.

Alexandre conta que sempre perguntam ao paciente se está com sintomas do vírus ou não, “por precaução”. Mesmo que a resposta seja positiva, o atendimento é feito normalmente. “Quantas vezes chegamos no local, lugar fechado, sem ventilação, e sabíamos que possivelmente a vítima estava com Covid, mas mesmo assim controlamos PCR (parada cardiorrespiratória), fizemos compressões, como qualquer outro atendimento”, destaca o profissional.

Segundo a coordenadora da sede das unidades de emergência em São Caetano Alessandra Masiukewycz, 41, a responsabilidade dos condutores é redobrada, uma vez que a atenção está no paciente, no veículo e também em todo percurso até a unidade de saúde. “Dizemos que não é apenas dirigir e, sim, conduzir. Além de pensar em todos que estão no veículo e nas ruas, eles precisam lembrar de que não podem fazer mais uma vítima. Sem eles, o serviço não funciona”, finaliza.

Lado humano não é esquecido, apesar da missão difícil de todo dia
Mesmo diante de toda adrenalina que a profissão oferece, o lado humano nunca fica esquecido. Entre longos anos de profissão – ou até entre condutores que ainda somam menos experiência –, a paixão pela profissão é destacada em todos os casos, assim como a empatia em atender moradores como se fossem da própria família. “Todos nós sentimos que faz sentido em nossas vidas, a famosa empatia, quando nos colocamos no lugar dos outros. E isso nos motiva todos os dias”, comenta a coordenadora Alessandra Masiukewycz.

No currículo de cada profissional, centenas de histórias de carinho são lembradas como se tivessem acontecido ontem e serão levadas pelo resto da vida. Clauber Gagize, 47 anos, por exemplo, não se esquece do primeiro parto que auxiliou. “Chegamos na residência, já sabíamos da gestação, e fomos preparados para levá-la até o hospital, mas não deu tempo. Apesar de todas as instruções e treinamentos que recebemos para o caso de isso acontecer, foi muito emocionante. Para mim, foi novidade, por ser a primeira vez, mas pensei comigo que ajudei a trazer uma vida ao mundo.”

No caso de São Caetano, por ser cidade com número elevado de população idosa, os chamados são mais frequentes. Segundo os profissionais, o trabalho vai além do técnico, pois busca também as partes social e humana no encontro com o paciente. “Lembro de chegar em uma casa que parecia abandonada, entrei, tinha cheiro forte de urina e vi um senhor, de 80, 90 anos, que precisava de ajuda até pela glicemia estar baixa, mas a família já estava com medo de chegar perto por conta da Covid. Então, fomos chamados para ajudá-lo. Não julgamos ninguém, nem a família, mas atendemos pensando que, se fosse da minha, gostaria de um atendimento desse. Se eu não chegasse, quem cuidaria dele?”, destaca o condutor Marcelo.

“Falo por mim, a Covid está me matando por falta desse contato com os idosos. Tratamos como o avô ou avó de alguém, abraçamos, colocamos na maca e isso é ruim. Somos expansivos, não é porque fazemos esse atendimento pré-hospitalar que não tem um carinho. Criamos vínculos, somos humanos cuidando de humanos”, finaliza Alessandra.

Samu de São Caetano adapta instalações para evitar contágio
Como medida para evitar o contágio pela Covid-19 entre os profissionais da sede do Samu no bairro Osvaldo Cruz, o local precisou passar por novos procedimentos. Além do cuidado com os motoristas e demais funcionários, as precauções foram intensificadas porque no andar superior funcionam o Centro de Oncologia e Hemoterapia Luiz Rodrigues Neves, o Hospital de Olhos Dr. Jaime Tavares e o Núcleo Regional de Hemoterapia Dr. Aguinaldo Quaresma. Pelos pacientes e muitos idosos que frequentam o local, também foi necessário fazer adaptações.

Antes da pandemia, os profissionais entravam e saíam pela porta principal, mas agora os motoristas e demais profissionais da saúde devem se dirigir até a lateral da base para realizar a desinfecção e a troca de roupa. “Eles (condutores) ficam com shorts e camiseta dentro da base, mas quando vão atender aos chamados, saem e se trocam. Quando voltam, são desinfectados por inteiro, depois, tiram o macacão amarelo de proteção e o macacão de trabalho, penduram no varal e só então entram”, explica a coordenadora da unidade, Alessandra Masiukewycz.

Quando os profissionais retornam para a unidade, as fichas de atendimento ficam separadas por quatro dias e só depois dão fim aos papéis. “O que sentimos bastante foi o tempo de resposta para atender os chamados. Antes, em dois minutos estávamos saindo para atendimento, mas hoje é em torno de sete minutos, visto que cinco minutos são gastos só para colocar as vestimentas”, ressalta.

O local onde realizam a desinfecção pós-atendimento era destinado a motos dos funcionários, que agora ficam em uma parte do estacionamento, próximo aos veículos de urgência. “Acaba que nós viramos o veículo do vírus, muitas vezes, então, todo cuidado acaba sendo pouco”, relata a coordenadora. Ainda na entrada, uma cabine de desinfecção também foi implementada para inibir a proliferação do vírus.

Na sede, trabalham cerca de 22 pessoas, com cinco ambulâncias, duas motos, um veículo de intervenção, um de apoio, além das bicicletas, usadas nos fins de semana para eventuais atendimentos nas ciclofaixas.

Profissionais veem mudanças nos chamados após chegada do vírus
A mudança no perfil dos pacientes é nítida para os profissionais. Isso porque, de imediato, os condutores registraram muitos atendimentos feitos pelo telefone porque, por medo da Covid, moradores deixaram de frequentar as unidades básicas de saúde e passaram a recorrer às ligações. Muitos ligam em busca de informações sobre os sintomas do novo coronavírus, como febre e dores de garganta e no corpo.

“Dependendo do atendimento, indicamos o Disque Coronavírus (que propõe delivery de exames para identificar pacientes infectados com a Covid-19). Quando vemos que realmente é grave, falamos sobre a unidade de saúde, pois é nosso dever identificar esses problemas. Porém, pelo lado ruim, às vezes são pacientes que já estão em estado crítico, justamente por não terem procurado um médico antes, e acaba não tendo o desfecho que esperávamos”, lamenta a coordenadora.

A equipe ainda relatou que, antes da pandemia, atendia cerca de 50 chamados por dia, mas a partir de março, esse número caiu pela metade, e voltou a subir em meados de setembro. Hoje, a sede realiza cerca de 40 atendimentos diários.




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;