Setecidades Titulo Infância na periferia
Brincadeira de criança, como é bom!
Vanessa de Oliveira
Do Diário do Grande ABC
10/07/2016 | 07:00
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Nario Barbosa


Férias escolares, época da criançada se divertir. Jogo de bolinha de gude ou de bola, pular corda, soltar pipa, a adrenalina do esconde-esconde ou pega-pega despertam lembranças da infância em muitos adultos, mas hoje estão pouco presentes na rotina da nova geração, em meio aos atrativos da tecnologia.

Na periferia, porém, as tradicionais atividades infantis resistem, afinal, é o que a garotada dos bairros carentes têm para hoje e todos os dias. E tal qual diz o título desta reportagem, como é bom brincadeira de criança, mas poderia ser ainda melhor se elas tivessem espaço adequado, que não lhes oferecessem risco e que fosse saudável como tem de ser.

É em meio a escombros dos extintos barracos do Núcleo Espírito Santo, no bairro Cidade São Jorge, em Santo André, que crianças e adolescentes do local se reúnem para brincar. Na montanha de entulhos repleta de ferros retorcidos, Victor Gabriel Modrono Vieira Vilar, 14 anos, passa a tarde empinando pipa e, às vezes, se machuca. “É muito perigoso, mas é o único lugar que tem para se divertir”, diz, mostrando as cicatrizes na perna, resultados de algumas quedas.

Tem quem prefira jogar bola, mas se não tiver uma a mão, nada que o improviso não resolva. “Pegamos folhas de revista, ou caderno, amassamos uma na outra até ficar grande, passamos fita adesiva e dá para jogar”, ensina Kauê Tavares da Silva Gomes, 8.

Em outro canto, o colorido das bolinhas de gude no chão faz os olhos de um grupo de meninos brilharem. Poucos metros atrás, Sabrina Conceição Babolin dos Reis, 11 , gasta as energias pulando corda com um fio de varal. “Gosto muito de pular corda, mas nem sempre dá, porque não tenho uma. Aí, vou na rua de trás ver se acho algum pedaço de varal jogado”, conta.

Em Mauá, no Jardim Oratório, as pipas são preferência. Allysson Max Ribeiro, 9, no entanto, não tem R$ 0,50 para comprar o modelo mais simples, e então, amarra linha à uma sacola plástica e a coloca para voar. “Sempre faço pipa com sacolinha e linha velha, mas queria uma de verdade.”

Um terreno cheio de entulho é o espaço que Vinícius Cândido da Silva, 7, tem para andar de bicicleta. “Mas é muito ruim, porque é cheio de pedra”, reclama.

Na era do celular, tabletes e videogames, essas crianças, quando questionadas sobre o que gostariam de ter para se divertirem, se tivessem a opção de escolher, não exigem muito: uma praça, um simples balanço e um parquinho foram respostas unânimes. Pedem até caçamba, para que o lixo que se espalha pelas ruas possa ser descartado corretamente. A falta de infraestrutura lhes comprometem a qualidade de vida e a dignidade, mas não lhes tiram a pureza, a inocência e a doçura da infância.

Falta de espaços desrespeita direitos

De acordo com o artigo 59 do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), os municípios devem destinar recursos e espaços adequados ao desenvolvimento de atividades de cultura, esportes e lazer as crianças e adolescentes, com apoio de estados e governo federal. No entanto, existe um grande desrespeito a esses direitos, aponta o coordenador estadual do Movimento Nacional de Direitos Humanos de São Paulo e fundador da Comissão Especial da Criança e do Adolescente do Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Ariel de Castro Alves. “A maioria dos bairros não dispõe de locais adequados para essas atividades e alguns geram riscos de acidentes, atropelamentos, entre outros”, observa . “O desrespeito a esses direitos prejudica o desenvolvimento pleno das crianças e adolescentes e faz com que elas fiquem, muitas vezes, em situações de abandono, trabalho infantil e até de envolvimento em atos infracionais, porque são excluídas dessas políticas públicas.”

É essa a realidade que Victor Gabriel Modrono Vieira Vilar, 14 anos, do bairro Cidade São Jorge, em Santo André, vê com frequência. “Tem muita gente que parou de ir para a escola e está usando droga”, lamenta.

Tentando minimizar essa situação e sem tempo a perder para esperar que o poder público tenha um olhar especial com aqueles que são o futuro da cidade, o professor de Educação Física Sérgio Ventura, 56, abdica dos seus dois dias de folga na semana para, em parceria com a Associação Amigos de Bairro da Cidade São Jorge, e de forma voluntária, lecionar futebol a 96 garotos de 7 a 17 anos, em um campo local. “Além do esporte, ensino disciplina, respeito ao próximo, e isso se leva para a vida”, ressalta.

Ivo Carneiro Antonio, 9, está seguindo direitinho os ensinamentos. “Isso dá um futuro para podermos ser orgulho para o Brasil”, frisa ele, que quer ser jogador profissional.

Em Mauá, no Jardim Oratório, o técnico de áudio José Givanildo Leite, 36, também dá aula de futebol e cidadania todos os sábados, a 40 crianças e adolescentes de 8 a 14 anos, na quadra de um conjunto habitacional. A exigência para participar é ser bom aluno na escola.

Para manter a ação, o dinheiro para a compra de bolas e lanches vem de maneira suada, por doações ou do próprio bolso. Mas as adversidades não fazem Leite desistir. “Não dá para ignorá-los, como eles já o são muitas vezes. Quero dar-lhes a oportunidade de ter um futuro e, para isso, tirá-los do abandono é essencial.”


Prefeituras apontam ações de lazer descentralizada

As administrações municipais da região declaram que oferecem atividades culturais e de lazer descentralizadas. Em Diadema, a Prefeitura informou que oficinas culturais são realizadas em mais de dez centros culturais e bibliotecas, de segunda a sábado, das 9h às 21h.

Em Santo André, os 11 Cesas (Centros Educacionais de Santo André), que ficam nas áreas mais afastadas do Centro, oferecem atividades de cultura e esporte no contraturno escolar.

Em São Bernardo, a Prefeitura destaca a Ação Cultural nos Bairros, que atende as regiões do Jardim Represa, Ferrazópolis, Taboão, Riacho Grande e Vila São Pedro. São realizadas apresentações musicais, dança, teatro, cursos e contação de histórias.

Na cidade de Mauá, o projeto Oficinas Culturais acontece na Casa do Hip Hop, na Vila Magini; na Chácara das Flores; no Jardim Itaussu; no Instituto Mauá de Responsabilidade Social (unidades do Jardim Itapark e do Jardim Zaíra); na instituição Nova Era, Novos Tempos, no Jardim Miranda; no CEU (Centro de Artes e Esportes Unificado) do Parque das Américas; e na sede das Oficinas Culturais, na Vila Bocaina.

Em Ribeirão Pires, a Casa do Hip Hop e Juventude, no Centro Alto, é espaço utilizado para a prática de esportes. As demais cidades não responderam.

Apesar disso, muitos locais, mesmo que no bairro do público alvo, ficam distantes para alguns, o que dificulta o acesso, ainda mais das crianças que os pais não têm condições de levá-las.  




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