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Ainda calculando prejuízo turismo tenta se reerguer

Setor foi um dos mais impactados pela crise e tem como desafio atender demanda de público mais exigente

Yasmin Assagra
Do Diário do Grande ABC
23/11/2020 | 00:01
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Divulgação


Um dos setores mais atingidos pela pandemia da Covid-19, o turismo ainda tenta calcular os prejuízos acumulados nos últimos oito meses, quando consumidores tiveram de cancelar estadias e viagens diante da impossibilidade de fazer deslocamentos durante a quarentena. Além de absorver o deficit, o setor terá de passar por bruscas mudanças para atender as exigências de um novo público e respeitar as regras sanitárias, estes, talvez, os grandes desafios do segmento para o período pós-pandemia.

A luz no fim do túnel foi acesa em setembro. Com a retomada gradual da economia, o setor viu aumentar em 28% o faturamento em comparação com agosto, segundo pesquisa realizada pela Cielo, em parceria com a CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo). A maior demanda trouxe faturamento de R$ 12,8 bilhões ao setor durante o mês.

Apesar de ser motivo de celebração, o valor ainda é baixo se comparado aos R$ 41,6 bilhões que o setor do turismo deixou de arrecadar entre março e setembro, de acordo com a Fecomercio-SP (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo).

A crise derrubou gigantes do setor. A CVC, que tem sede administrativa em Santo André, acumulou prejuízo de R$ 1,4 bilhão apenas no primeiro semestre, de acordo com balanço divulgado em outubro pela empresa, o que põe em xeque a continuidade das operações da agência de viagens.

Segundo a diretora comercial da agência de turismo Sancatur, de São Caetano, Tatiana Nadal, algumas mudanças já foram implantadas em hotéis, priorizando a biossegurança. No Tauá Resort Atibaia, por exemplo, além da higienização com máquinas de gás ozônio para desinfecção constante dos apartamentos – que estão sendo reservados para metade de sua capacidade –, no parque aquático do local foi implantado sistema de ar-condicionado com luz ultravioleta que elimina fungos, bactérias e germes, o que exigiu investimento de R$ 400 mil à empresa. 

“Nos bufês destes locais, por exemplo, as empresas estão priorizando os pratos prontos e evitando self-service. Outros empreendimentos optam pela limpeza nas malas dos hóspedes e o turista pode optar pelo serviço de camareira ou apenas solicitar a troca das toalhas”, ressalta Tatiana.

TRANSPORTE

Pouca gente tem encarado viagem de avião por lazer, mesmo com cuidados extras tomados pelas companhias aéreas. O setor tem percebido que o novo cliente tem optado por deslocamentos de carro (leia mais ao lado), “Dentro do avião as companhias não oferecem mais alimentação ou água, tudo é o turista que precisa levar”, detalha Tatiana. 

Até mesmo dentro da agência, na hora de oferecer o pacote é preciso ter cuidado com as medidas santitárias que os consumidores se sintam confortáveis para fechar o negócio. “Usávamos cadeiras estofadas, porém, trocamos pelas de acrílico, que são mais fáceis para limpar e higienizar assim que o cliente deixa de usar”, disse a diretora da Sancatur.

PLANEJAMENTO

Seguindo a linha da retomada responsável, o Ministério do Turismo lançou em novembro o Plano Nacional de Retomada do setor, aliança nacional que reúne poder público, iniciativa privada, terceiro setor e o Sistema S – composto por Senai, Senac, Sesc, Sesi, Senar, Sesccop, Senat, Sest, Sebrae – para conter os efeitos negativos causados na categoria.

A iniciativa reúne conjunto de programas e projetos que buscam resultados efetivos até 31 de julho de 2021 e foram organizados em quatro eixos: preservação de empresas e empregos no setor de turismo; melhoria da estrutura e da qualificação de destinos; implantação dos protocolos de biossegurança; e promoção e incentivo às viagens.

As ações vão desde o reforço na concessão de linhas de crédito para capitalizar empresas do setor e preservar empregos, até realização de obras de melhoria da infraestrutura dos destinos turísticos. Também estão previstas ações de qualificação dos trabalhadores e prestadores de serviços tanto na oferta de cursos para a adoção aos protocolos sanitários que garantam segurança para turistas e trabalhadores do segmento, quanto para melhoria de atendimento, considerando as tendências do mercado.

Para promover a retomada do turismo, a campanha Viaje com Responsabilidade e Redescubra o Brasil começa a ser veiculada em todo o País e conta com uma série de vídeos voltada à promoção dos destinos turísticos brasileiros. 

Para driblar vírus, turistas buscam viagens curtas e de carro

Mesmo com todos os cuidados dentro do avião, a aposta do setor do turismo é que os viajantes optem por viagens realizadas em carros, principalmente para o verão que se avizinha e as férias de janeiro. A mudança de perfil tem sido chamado de “turismo rodoviário”, como destaca o agente de viagens, Robert Covo. A opção pelas estradas também deixa de lado a utilização de navios. 

“Dentro do turismo rodoviários se enquadram viagens curtas e realizadas de carro, por exemplo, hospedagem em um hotel fazenda em cidades mais próximas de onde os turistas já moram. A capacidade é boa e os preços são ótimos, principalmente de segunda a quinta-feira”, comenta Covo. O especialista ainda acredita que, apesar de o índice de melhora nas hospedagens, a preocupação ainda é grande e conforto e segurança do próprio veículo – ou em muitos casos, de veículo alugado – têm ganhado importância para as famílias. 

Covo ressalta que os empreendimentos que conseguirem entender melhor o novo perfil dos viajantes terão mais facilidade para cobrir o prejuízo acumulado na pandemia. “Muitas pessoas não vão viajar por medo, isso é fato, mas as que estão interessadas em realizar esses passeios vão procurar hotéis que se adaptaram, até porque, a família quer aproveitar apesar das limitações. Então, os hotéis e resorts vão se adaptar, vão inovar e divulgar esse cuidado com os clientes até para conseguir atrair os hóspedes”, detalha.

Nos Estados Unidos o cenário é bem parecido. Marla Lamounier, proprietária de uma agência de turismo em Kearny, em New Jersey, comenta que as perspectivas para esse ano não são animadoras e reforça que o aumento das vendas se deu por conta de viagens pequenas familiares.

“Ainda algumas pessoas estão optando pelos aviões, mas por viagens próximas, por exemplo. (De alguns lugares) Dos Estados Unidos até o Caribe leva duas horas de avião. As pessoas estão fechando pacotes pelos arredores de onde moram”, ressalta. 

A especialista comenta que nos Estados Unidos o aluguel de carro é algo muito comum e a procura aumentou. “A demanda aumentou principalmente por carros maiores ou até vans, quando se tem famílias muito grandes e até animais de estimação”, comenta. 

Marla avalia que os pacotes com foco em famílias eram fechados com mais frequência e agora perderam a preferência dos consumidores. “Agora no fim do ano as famílias de até dez pessoas fechavam 20 dias em um pacote como cinco dias em Cancún, cinco na Disney e por aí vai. Hoje, passam fim de semana e voltam. Por enquanto, essa é a nova tendência”, finaliza a especialista.


Retomada é prevista apenas para 2021

Mesmo com a sinalização de melhora da situação em setembro, profissionais do turismo acreditam que a retomada do segmento só será possível a partir do primeiro semestre de 2021, principalmente se houver vacina para a população. 

Para o diretor de operações de marcas midscale e econômicas no Brasil, Olivier Hick, responsável também pelos hotéis Ibis e Mercure com unidades no Grande ABC, houve boa procura para as festas de fim de ano, mas o foco já está nas férias de julho de 2021. “Percebemos que pelo menos para este ano, apesar das viagens para o lazer, os pacotes são fechados para um fim de semana, por exemplo, ou, no máximo, feriado prolongado, inclusive, para destinos próximos, como às praias e natureza”, comenta o especialista.

Hick avalia que muitos hotéis do grupo têm atingido ocupação máxima permitida pelo município onde está localizado com o incremento da procura pelo lazer. A demanda mais baixa foi sentida na Capital, com a queda do turismo empresarial. Os destinos mais procurados em novembro são Rio de Janeiro, Guarujá, Maceió e Recife. “Em São Paulo, a procura ficou por conta dos hotéis que tenham áreas de lazer, percebemos muitos casais nos procurando, famílias pequenas, que apenas queiram sair um pouco de casa”, detalha.

Os hotéis das redes no Grande ABC têm características mais corporativas, que sentiram bastante o impacto devido a implantação do home office nas empresas. Para não ficar desocupados, os empreendimentos têm oferecido espaços corporativos como o <CF51>room office</CF>, criado a partir de maio, que transforma quartos de hotéis em espaços privados de escritórios para profissionais autônomos e colaboradores de pequenas, médias e até de grandes empresas que buscam um espaço reservado para realizar suas atividades.

“Conseguimos prever 2021 por conta da expectativa também pela vacina contra a Covid. Mas, nos primeiros meses do ano, ainda acreditamos que o cenário vai ser muito parecido com o que temos hoje”, reforça o diretor de operações.


Infectologista desaconselha viagens antes da vacina

Com dados alarmantes de casos confirmados e mortes pela Covid nos últimos dias, o infectologista Fábio Junqueira alerta sobre as viagens de fim de ano. Com 2021 ainda incerto, diante da possível distribuição da vacina contra o vírus, o especialista comenta que “o momento não está propício para viagens” mesmo sendo curtas. 

“Pelos dados que estamos vendo, indico que, se puder adiar, é a melhor decisão. Se for algo de extrema necessidade, os cuidados não mudaram, apenas precisam ser redobrados”, ressalta.

Junqueira reforça que a insegurança que as pessoas sentem é compreensível, já que nada garante que o turista estará 100% protegido contra a Covid. “Pelas viagens de carro, por exemplo, se for apenas o núcleo familiar, é melhor. Se a viagem for com carro de aplicativo, além da máscara, todas as regras básicas de higiene são necessárias”, comenta. 

Caso o turista opte pelo avião, os cuidados permanecem. “Mesmo que o avião tenha o ar-condicionado com filtro Hepa (capaz de eliminar do ambiente até os menores fragmentos de pó, inclusive combater vírus), ainda existem pessoas que circulam pelo avião, precisam usar o banheiro e encostam nas poltronas, então, nada fica protegido, não tem jeito”, detalha. “Chegando no hotel, pousada ou resort, é importante abrir todas as janelas e deixar um bom tempo abertas para troca de ar, apesar de que todos os locais seguem os protocolos de limpeza, o espaço precisa ficar muito bem ventilado”, finaliza. 

Setor responde por 8,1% do PIB e emprega 7 milhões

O setor do turismo responde por cerca de 8,1% do PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil e emprega, em média, 7 milhões de pessoas no País, direta ou indiretamente. Com as restrições impostas pela pandemia desde março, a categoria foi colocada em risco, assim como a sobrevivência do setor e o emprego de quem tira da atividade o seu sustento. 

Segundo pesquisa mensal de serviços do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), no primeiro semestre de 2020, na comparação com o mesmo período do ano passado, a receita cambial turística acumulou queda de 37,2%. Já o saldo entre contratações e demissões no turismo foi negativo em 364.044 postos formais. Além disso, o faturamento das atividades turísticas teve retração de 37,9%. 

Em paralelo, conforme análise da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens Serviços e Turismo) a crise fez com que o turismo perdesse 49,9 mil estabelecimentos – com vínculos empregatícios – entre março e agosto deste ano. O saldo negativo no período equivale a 16,7% do número de unidades ofertantes de serviços turístico verificado antes da pandemia.

A Covid-19 ainda afetou estabelecimentos de todos os portes, prejudicando mais os micro (-29,2 mil) e pequenos (-19,1 mil) negócios em todo País. Regionalmente, todas as unidades da federação registraram redução do número de unidades ofertantes de serviços turísticos, com maior incidência em São Paulo (-15,2 mil), Minas Gerais (-5.400), Rio de Janeiro (-4.500) e Paraná (-3.800). Até o fim de 2020, a Confederação projeta saldo negativo de 42,7 mil estabelecimentos. 




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