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Nada de petróleo. Pelos dutos desce água que gera energia

Ao contrário do que muita gente pensa, os enormes dutos encravados na Serra do Mar servem para movimentar a Usina Henry Borden

Wilson Moço
Do Diário do Grande ABC
20/08/2017 | 07:07
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André Henriques/DGABC


Você, assim como eu e milhões de pessoas que vão ou voltam da Baixada Santista – e mesmo muita gente lá da região –, por mais de uma vez ficou a se questionar ou perguntou a alguém para que servem aqueles oito tubos gigantes que cortam a encosta da Serra do Mar e podem ser vistos de longe, brilhando à luz do sol ou encobertos parcialmente pela neblina. Provavelmente deduziu ou foi informado, e passou adiante, de que por aquela tubulação corre petróleo ou derivados, o que até seria natural, pois ali naquela área de Cubatão tem unidade da Petrobras. Mas não, não mesmo! Aqueles dutos enormes que chamam a atenção em meio ao verde da Mata Atlântica lá foram plantados para levar água e dar ‘vida’ a uma das mais antigas hidrelétricas do Brasil, a Henry Borden, em Cubatão, construída e operada pela Light e hoje sob responsabilidade da Emae (Empresa Metropolitana de Águas e Energia).

Apenas para ilustrar o que faz parte (ou fazia) do imaginário sobre a função dos dutos, a reportagem traz depoimento de Cássio Augusto Cassiano da Cunha, 59 anos, ferramenteiro aposentado na Volkswagen e hoje sócio-proprietário da Bionicão, transportadora de São Bernardo com atuação no Brasil e Mercosul: “Quando vi pela primeira vez, em 1964, me falaram que corria óleo por dentro da tubulação. E até agora (quando soube que é água) jurava que era oleoduto, e que o bombeamento era de Cubatão para a Capital. Mas se é água, o fluxo é o inverso, com água da Billings descendo para movimentar a usina.”

A velha senhora completa 91 anos no dia 10 de outubro, está em plena forma e em processo de modernização dos equipamentos, que já alcança em torno de 70% e, se for solicitada, pronta para gerar sua capacidade máxima de energia, na casa dos 889 MW, suficientes para garantir o abastecimento diário a uma cidade com população de 2 milhões de habitantes, ou para quase todo o Grande ABC, de 2,7 milhões de moradores. Não é o caso hoje em dia. Nascida como Usina de Cubatão, a Henry Borden pode ser considerada uma reserva de luxo do sistema interligado Sul-Sudeste do Brasil, e só entra em campo quando é preciso reforçar a produção de energia.

“Normalmente a usina opera com 35% de sua capacidade, que é o mínimo para manter os equipamentos funcionando e prontos para quando tiverem de operar a plena carga. Normalmente isso ocorre com mais frequência entre 18h e 20h, quando aumenta o consumo de energia no País, e no período do verão, que pega a temporada das férias do fim do ano”, explica Flávio Anastácio Simões, coordenador da unidade de produção e que está na usina há 31 anos. Na verdade, há bem mais, mas isso é outra história (veja abaixo).

Nos dias atuais a Henry Borden pode até ser uma reserva de luxo, mas o fato é que a usina, que entrou em operação em 1926 com apenas duas unidades geradoras, impulsionadas por dois dutos, foi fundamental para o desenvolvimento do polo industrial de Cubatão, pelo abastecimento do Litoral, de parte de São Paulo e até mesmo do Rio de Janeiro. Não por acaso, a ditadura militar tentou neutralizar a produção ao lançar duas bombas, por aviões, sobre a usina durante a Revolução de 1932. “Por sorte, as duas falharam. Uma foi jogada sobre a tubulação e a outra, nas instalações da usina”, diz Flávio

SURPREENDENTE
Há quem considere o desafio de fixar os dutos ao longo da encosta da Serra do Mar uma obra de arte da engenharia, principalmente quando se descobre que a construção é dos anos de 1920. Não por acaso, a mão de obra especializada veio toda de fora, assim como os equipamentos. Não se sabe ao certo quantos operários trabalharam na obra, mas é fato que muitos morreram vitimados por doenças como malária ou de acidentes em uma região íngreme, até então despovoada e sem recursos.

Provavelmente outros tantos morreram ao longo da instalação dos outros seis dutos, que ampliaram a capacidade de produção da Usina Henry Borden, trabalho que só foi concluído em 1956 e que exigiu ainda a reversão de rios e a criação da Represa Billings, que abastece o reservatório Rio das Pedras, por meio de um túnel de 500 metros e cinco metros de diâmetro. O volume de água que despenca 720 metros para movimentar as oito unidades geradoras da usina externa é controlado na casa de válvulas, uma construção que parece uma catedral branca, que pode ser vista no alto da serra.

Também surpreende saber que a tubulação ainda é a original, passados quase 91 anos desde que os primeiros metros cúbicos de água correram pelos dutos, que têm 1,30 metro de diâmetro e capacidade para 157 metros cúbicos por segundo. Você, assim como eu, também nem imaginava que fazer a manutenção ou pintura interna dos dutos é serviço para quem tem coragem. Afinal, o operário precisa trabalhar praticamente deitado e amarrado à parte externa, para evitar o risco de despencar serra abaixo por uma tubulação de 1.200 metros.




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