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Chegam em português os primeiros contos de Thomas Mann
João Marcos Coelho
Especial para o Diário
28/10/2001 | 17:50
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Você já deve ter ouvido falar do escritor alemão Thomas Mann (1875-1955), unanimemente saudado como um dos maiores – senão o maior – romancista do século 20. Ou pelo menos do filme Morte em Veneza (1971), do diretor italiano Luchino Visconti, baseado no romance de Mann, que ainda assina pelo menos duas outras obras-primas modernas, Doutor Fausto e A Montanha Mágica. Tamanha grandeza – em mais de um sentido, já que seus romances são fluviais e bastante extensos – e uma linguagem densa costumam intimidar os leitores em geral.

Um livrinho recém-lançado, Seis Primeiras Histórias (Mandarim, 136 págs., R$ 23), traz pela primeira vez em português os primeiros contos de Thomas Mann, escritos entre 1893 e 1908 e publicados originalmente em revistas e jornais alemães. São páginas de puro encantamento, capazes de funcionar como uma ótima introdução ao universo ficcional do autor de As Imposturas do Inspetor Félix Krull e de Os Buddenbrooks.

E para os que já conhecem e leram Thomas Mann, esta edição mostra como o formidável romancista experimentou nestes primeiros contos várias das técnicas e temáticas que se transformariam mais tarde em sua marca registrada. Tal como, por exemplo, as discussões filosóficas – sempre presentes, até mesmo nestas historietas curtas.

Em todos os contos, Mann elabora um ainda rudimentar “crescendo” que culmina num desfecho sempre surpreendente. Em Decaída, Mann demole o estereótipo do jovem sensível e rico que se apaixona pela atriz devassa. A história, contada numa roda de amigos, mostra a ingenuidade do rapaz abastado que pensa que não percebe que a mulher pela qual está apaixonado é uma prostituta. Meysenberg, que conta a tragédia, surpreende a todos no final revelando-se como o estúpido personagem principal de sua história.

De igual modo, o truque repete-se nas demais histórias, como em A Morte, em que um barão às vésperas da morte tece considerações filosóficas sobre a imortalidade; ou em Vingada, quando um bon vivant encontra uma mulher extremamente feia mas intelectualmente fascinante (“os atrativos daquela intelectual eram os mesmos de uma vassoura”), e quer passar da amizade profunda para a cama, sendo surpreendentemente rechaçado pela quasímoda. Ou em Anedota, na qual Angela, a mulher de Becker, diretor de um banco, incendeia corações e monopoliza toda a sociedade de Munique, sobretudo a ala masculina. Mas, num brinde caloroso que lhe faz um admirador na frente de todos em uma festa, o maridão se adianta e despeja um balde de água fria na platéia: “Como essa mulher – essa aqui! – é falsa e manhosa, cruel como uma besta! Como é desamorada e repulsivamente oca!”

Mãe brasileira – Está certo, estes contos não têm o refinamento dos romances que deram o Nobel e a reputação inigualável a Mann (filho de mãe brasileira, diga-se de passagem). Ainda são meio desequilibrados entre o desejo de comentar filosoficamente cada tema e a linguagem não suficientemente trabalhada.

Mas, para você que sempre teve receio de começar a ler um daqueles romances caudalosos de Thomas Mann (todos reeditados pela Nova Fronteira nos últimos dois anos), estas Seis Primeiras Histórias constituem uma porta de entrada privilegiada para o universo de um dos mais importantes romancistas de todos os tempos.




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