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Adoção de criança negra enfrenta resistência
Illenia Negrin
Do Diário do Grande ABC
21/11/2004 | 11:40
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Não é segredo que, na fila de adoção, crianças negras amargam longa espera até que tenham a chance de serem integradas a uma família. “Às vezes é mais fácil incluir uma adoção tardia (com mais de 3 anos) de uma criança branca do que uma parda ou negra. Os casais, em sua maioria, têm resistência em revelar que não podem gerar filhos e por isso escolhem crianças o mais parecidas possível com a própria família. A criança afro-descendente, por exemplo, denuncia isso em casais brancos”, afirmou Maria Inês Villalva, coordenadora técnica da Feasa (Federação das Entidades Assistenciais de Santo André), responsável pelo Grupo de Apoio à Adoção Laços de Ternura.

Pois foi exatamente o contrário que dois casais de São Bernardo fizeram. Eles venceram a barreira do preconceito sem pieguismo ou grandes discussões sobre cor, raça, aparência. Sem perguntar a cor da pele, Fátima da Luz Oliveira Chagas, 36 anos, e Isaías da Conceição Chagas, 48, e o casal Jânio de Souza Santos, 47, e Alice Harue Tamarukemi Santos, 44 adotaram crianças de raças diferentes. Tanto a família Oliveira Chagas quanto a Santos tinham planos de adoção e viram essa possibilidade se tornar concreta por acaso, quando as mães biológicas, sem condições de criar as crianças, cruzaram o seu caminho.

O casal Fátima, dona de casa, e Isaías, operador de máquinas, o primeiro a adotar uma criança, é negro e vivia uma fase difícil pouco antes da chegada de Gustavo, hoje com 3 anos, chegar com dois dias de vida. “Eu tinha acabado de perder uma criança, quando uma amiga comentou que uma conhecida estava grávida e queria dar a criança para adoção. Decidi na hora que eu seria a mãe. Não sabia a cor da criança. Sinceramente nem pensei nisso”, contou Fátima.

Quando soube que a mãe do bebê era branca, pediu que ela fosse avisada de que a família que criaria o bebê era negra. “Nunca sofremos preconceito. Sempre pensei que as pessoas perguntariam se ele era meu filho mesmo, mas isso nunca ocorreu. Porém, meu filho percebe essa diferença”, afirmou. “Mas acho que ele será uma pessoa muito especial porque aprendeu desde cedo a respeitar isso”, completou.

A experiência da adoção inter-racial também tem sido tranqüila para o comprador Jânio e para a auxiliar de enfermagem Alice. Ele branco, ela oriental, eles já tinham dois filhos naturais, Daniel, 20 anos, e Marcos, 17, quando adotaram o afro-descendente João Gabriel Shoji, 2.

“Os mais velhos puxaram à mãe e quando saía com eles todo mundo perguntava: ‘sua mulher é japonesa? Agora, com o Gabriel, perguntam se ele é meu neto, por causa da idade”, contou Jânio. A mãe, Alice, sente uma pontinha de preconceito a cada vez que conta ter adotado uma criança. “As pessoas perguntam: ‘Ah, mas como ele é? É óbvio que querem perguntar qual é a cor dele”, disse.

A família Santos não pretende camuflar as raízes negras do filho, muito pelo contrário. Conheceram a mãe do garoto e permitiram que ela participasse da festa de aniversário de 1 ano de João Gabriel. Foi nessa ocasião que tiraram fotos dela, que mantêm guardadas. “Quando ele perguntar quem é a mãe dele e sua origem, teremos como responder isso”, afirmou Jânio.




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