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Quarta-Feira, 24 de Abril de 2024

Alimentos modificados e modificantes
Antonio Carlos do Nascimento
03/08/2020 | 11:22
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Seres humanos possuem predileção inata por açúcar e gordura. O contexto gerador para esse apreço vem encampado em nosso genoma e provavelmente deriva de nossos antigos ancestrais. A indústria alimentícia se aproveita disso, o que torna extremamente rara a existência de alimentos industrializados que não possuam um destes componentes, ou comumente, os dois.

Hambúrgueres, salsichas e molhos enlatados são apenas alguns dos itens que exemplificam a adição de açúcar intencionando melhorar a palatabilidade, associada ou não à presença de concentração volumosa de gordura. Nos rótulos os açúcares se apresentam (escondem) com vários nomes, tais quais dextrose, frutose, maltose, maltodextrina, xarope de malte ou milho e outros. Mas estarão lá.

Quando restaurantes e bares são aclamados por suas virtudes gastronômicas por incontáveis frequentadores, fora outras qualidades que lhes sejam impostas, seguramente seus pratos entregam substanciais quantidades de gorduras e/ou carboidratos (notadamente açúcar simples e amido) para lhe fazerem tão desejados. Essas preferências humanas são também exploradas por fast foods e, para conferir, basta olhar o cardápio das redes mais famosas.

Nossa vocação por esses compostos é bastante amplificada pelos alimentos processados, sendo, lógico, imaginar que seríamos muito menos exagerados se consumíssemos produtos em sua estrutura original, apenas adicionados dos adendos que facilitem o consumo – no que está incluso o sal –, temperos e aromatizantes naturais, com ou sem o cozimento.

Diante de conclusões chanceladas por estudos científicos, apontando estes comestíveis de extremo conteúdo calórico como base para o desenfreado ganho de peso mundial, é posta em prática uma avalanche de estratégias que visam modificá-los, porém, em sua maior parte, naqueles que já alteramos para industrializá-los.

Com inúmeras técnicas vamos refazendo quase tudo. Então, retiramos a gordura do iogurte para o qual já agregávamos conservantes e adicionamos vários produtos para lhe preservar a textura; subtraímos o açúcar de refrigerantes e sucos para lhes adicionar adoçantes sintéticos (ou não) e muito mais compostos do que já recebiam, para citar dois exemplos dos infindáveis recursos utilizados pela indústria.

Se por um lado até o momento nenhum estudo tenha condenado os adoçantes (sem ou com pouquíssimas calorias) por causarem moléstias orgânicas, por outro os mesmos nunca se confirmaram como promotores de saúde. No que tange seu uso vislumbrando benefícios em tratamentos de emagrecimento, os estudos que se propuseram a atestar suas eficácias revelaram reiterados fiascos, às vezes sugerindo que os mesmos sejam mais nocivos que proveitosos.

O primeiro adoçante a frequentar o calvário virtual dessas substâncias foi o ciclamato, que, associado a câncer de bexiga na década de 1960, teve sua comercialização proibida nos Estados Unidos pelo FDA (Food and Drug Administration) em 1969. Muito embora os estudos posteriores não tenham confirmado o potencial cancerígeno desta substância, permanecem desautorizadas sua produção e comercialização em território norte-americano.

Outras acusações foram impostas a vários de seus congêneres, mas os golpes mais duros para seus fabricantes vêm de pesquisas em animais de laboratórios, as quais demonstram seu consumo promovendo ganho de peso, mesmo quando a comparação se dá com o próprio açúcar. Aparentemente esse efeito paradoxal se origine nas papilas gustativas, das quais partiriam informações para o sistema nervoso central quanto à chegada do açúcar e, então, sequência de eventos desencadearia a produção de hormônios (notadamente insulina) e afins, os quais estimulariam a ingesta alimentar adicional.

O fato é que não fizemos novas estradas, apenas transformamos os nossos veículos para suportá-las melhor, porém, continuamos alcançando os mesmos destinos, que incluem obesidade, diabetes, hipertensão e muitos outros males. É necessário que troquemos os alimentos, mas não pelos mesmos já transfigurados de suas origens. E talvez o melhor não seja sem açúcar, mas, sim, sem nada. 




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