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Moradores mantêm viva tradição da Itália no bairro Fundação

Aos 86 anos, dona Tereza de Lima não abre mão de ajudar a produzir doces para a Festa Italiana

Yara Ferraz
Do Diário do Grande ABC
02/08/2014 | 07:00
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André Henriques/DGABC


O bairro Fundação, onde São Caetano nasceu, mantém viva a tradição da colônia italiana que ali fincou suas raízes. A região abrigou a sede das Indústrias Matarazzo, a partir de 1912, na Rua Maximiliano Lorenzini, mesma via onde está a Igreja São Caetano, ou Matriz Velha, primeiro templo católica da cidade. É por ali também, na Praça Comendador Ermelino Matarazzo, que a partir de hoje acontece a 22ª edição da Festa Italiana.

Em meio a tanta história vive a costureira aposentada Tereza de Lima, 86 anos, que mora no Fundação há 56. Ela deixou a Vila Prudente, bairro da Capital, com o marido e os dois filhos em busca de oportunidades. “Desde que vim morar aqui, comecei a costurar. Fazia vestidos de noivas e madrinhas e perdi a conta de quantos produzi. Vesti filhas de todas as minhas amigas.”

Hoje a viúva mora sozinha e diz que não sai do bairro de jeito nenhum. Não tem mais a costura como sustento, porém, sobra força para ajudar a comunidade. “Participo do grupo de bordado e crochê da igreja e faço questão de ajudar em todas as festas. Se não venho, fico doente. Tanto que estou com uma costela quebrada porque sofri uma queda, mas mesmo assim faço questão de ajudar. Só levo uma cadeira, porque estou um pouco velha né?”, disse, bem humorada.

DEVOÇÃO

O grupo do qual dona Tereza faz parte se reúne todas as semanas desde 2009 para confeccionar peças que são vendidas em contribuição aos trabalhos da igreja. As 13 participantes são de famílias italianas e, conforme a tradição do bairro, dão uma pausa no crochê para fazer doces no fim de julho.

Isso porque são responsáveis pela barraca de sobremesas da Festa Italiana, que tem a renda destinada à igreja. O carro chefe é o crostoli, conhecido popularmente como cueca virada por causa da forma em que é dobrado.

A massa leva farinha, ovos, margarina, leite e licor. Depois de esticados, dobrados e fritos, os quitutes são polvilhados com açúcar e canela. Na quinta-feira, o grupo tinha mais de 20 bandejas com saquinhos prontos para venda. Outras iguarias produzidas pelas mãos habilidosas das senhoras são o tiramissú, mousse de café com chocolate, e o pudim de leite.

A aposentada Glória Roque, 79, mora no bairro há 42 anos. Participa das reuniões desde o início e ajudou a igreja a partir da segunda Festa Italiana. “Antigamente fazíamos toda a comida, desde o macarrão e o nhoque até o polpetone. Porém, de quatro anos para cá, estamos só com os doces. Fica muito mais fácil.”

Silvia Claudia Marroceli, 68, participa desde a primeira edição dos festejos e garante que muita coisa mudou. “Antes tínhamos várias barracas com toda a renda revertida para a igreja. O evento era feito no terreno da Matarazzo, agora é na rua. Mesmo assim, sempre trabalhamos para que tudo ficasse bom.”

A data da visita do Diário foi marcada por momento de tristeza. Uma das fundadoras do grupo, Maria Ilene Ribeiro Salgado, morreu na quarta-feira. Todas lembraram dela como uma das mais queridas e, apesar da saudade, seguiam firme no trabalho para a festa.

Maria Conceição faz trabalho social com famílias carentes

O Fundação também é lugar de muita solidariedade. A aposentada Maria da Conceição Machado, 79 anos, mora no bairro há 50 e faz trabalho voluntário que a tornou conhecida por todos.

A senhora doa leite, pães, frutas, legumes e verduras aos moradores que passam por necessidades. “Meu marido trabalhou por 30 anos na Matarazzo e eu mantinha um salão de cabeleireiro aqui. Depois que ele morreu, fechei o salão e hoje faço só esse trabalho social.”

Ela é responsável pela distribuição das doações do programa do governo estadual Vivaleite, que entrega o alimento em sua casa.

Além disso, dona Maria da Conceição mantém parceria com o Abrigo Irmã Tereza, localizado no bairro Nova Gerty. “Eles recebem doações em excesso e o rapaz responsável pelo abrigo me entrega pães e hortaliças que eles não vão usar. Quando sobra leite, também divido com a entidade.”

Toda semana as portas de sua casa são abertas para que cada família necessitada leve o que precisa. Porém, ela não se contenta só com essas doações. “Se alguém precisa de feijão, eu compro, e cesta básica também. Antigamente ficava na fila do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) para quem precisava se aposentar e as pessoas queriam me pagar. Respondia que favor não se paga.”

Ela relatou que a vontade de ajudar veio ao observar a solidariedade das outras pessoas. “Quando morava em Minas Gerais, antes de vir para cá, minha mãe ficou muito doente. Foram duas famílias que nos ajudaram com os remédios, isso foi algo que eu nunca esqueci e hoje quero retribuir ao mundo.”

Atualmente são cerca de 20 famílias que dependem do trabalho de dona Maria da Conceição. Entre elas está a da catadora de material reciclável Elizangela dos Santos, 38. “Ela me dá muito papelão, que vendo. E quando não tenho o que comer, venho aqui e ela sempre me arruma algo”, disse, agradecida.

Festejos motivaram família a abrir cantina há 17 anos

No bairro Fundação está localizada uma das cantinas italianas mais tradicionais do Grande ABC, a Famiglia Rossi. O restaurante começou a funcionar há 17 anos, por causa da Festa Italiana.

As famosas massas da aposentada Ana Maria Barile, 72 anos, eram vendidas na barraca da igreja até oito anos atrás. Junto com a filha nutricionista e o genro, que é chef de cozinha, veio a ideia de oferecer as delícias o ano inteiro.

“O meu genro disse: ‘vamos montar algo relacionado à cozinha italiana, porque a festa acontece uma vez por ano e o pessoal precisa comer nos 365 dias.’ Começamos a procurar uma casa e demoramos para achar, mas sempre quisemos que a cantina fosse aqui.”

Todas as massas são artesanais e as receitas, de família. O bisavô de dona Ana foi um dos fundadores da cidade, Antônio Garbelotto. “Meu pai foi autonomista de São Caetano e lutou para que a cidade se separasse de Santo André. Ele morreu 15 dias antes da emancipação. Nossa história está aqui.”

Paróquia que sedia evento passará por reforma no próximo ano

A 22ª Festa Italiana acontece ao redor da Matriz Velha. A paróquia, que também carrega a história da cidade, vai passar por reforma no ano que vem. A promessa foi feita pelo prefeito Paulo Pinheiro (PMDB) em evento de comemoração aos 137 anos de São Caetano, na segunda-feira. A construção é considerada patrimônio histórico por lei municipal, mas não tem registro em cartório.

Conforme o pároco da igreja, padre Reinaldo Reis Santos Lima, os reparos são urgentes. “Estamos com vários problemas de infiltração. Fora que um pedaço do gesso caiu.”

A eletricidade é uma das maiores preocupações na estrutura da igreja. “Nossa caixa de força ainda é de madeira, daquelas bem antigas mesmo, e o forro do teto também. Nosso maior medo é que haja um mau contato que dê início a um incêndio.”

Padre Reinaldo afirmou que a comunidade, que também participa da Festa Italiana, merece a reforma. “São pessoas que entendem o nosso trabalho e sempre estão disponíveis para ajudar, com muita força e carinho. Tenho certeza que vai ser uma grande festa.” 




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