Interação Titulo
Meu professor é cego

Disse ela que o assunto entrou lá pelo meio do almoço de domingo...

Carlos Ferrari
22/08/2012 | 00:00
Compartilhar notícia


Disse ela que o assunto entrou lá pelo meio do almoço de domingo. A conversa era sobre ensino, e a família - apesar de ter na jovem a primeira da história a ingressar em um curso superior - agora também cogitava a possibilidade de Osnildo, o primo de mesma idade, seguir o mesmo caminho.

Quem me conhece pessoalmente sabe que corro dessa história de ser ‘exemplo de vida'. Esse é um adjetivo que nós, com alguma deficiência, recebemos carinhosamente das pessoas, por acreditarem ser algo grandioso em nossas conquistas, tendo em vista a realidade concreta, fruto de nossas limitações. Bem, muitas delas realmente são. Porém, digo que não sou muito afeito a tais elogios, visto que creio não ter feito mais do que a obrigação, dado o apoio que recebi de meus pais, e talvez até menos do que deveria para viver em uma sociedade estruturada a partir de valores que exaltam a competitividade e a busca pela "perfeição".

Mas tenho que dizer que o papo do almoço relatado por minha aluna, uns dois semestres atrás, no fim de uma aula sobre ‘Fundamentos de Gestão de Pessoas' já com a sala vazia, me fez pensar um pouco sobre essa ideia de ser exemplo. 

Não tenho dúvidas: nós, que assumimos alguma função pública, ou mesmo um cargo de liderança, acabamos sendo referência, verdadeiros espelhos para aqueles que admiram não necessariamente a nossa pessoa, mas muitas vezes a função que exercemos. 

Na macarronada de minha aluna, a notícia de que havia na universidade um professor cego rendeu para lá da sobremesa. "Mas como o cara faz para falar? Para saber quem está lá? Perguntava, indignado e confuso, o tio mais velho da garota, que já não gostava muito dessa ideia de ela fazer um curso que ele já disse várias vezes que não entendia para que servia. Fiquei verdadeiramente emocionado com a percepção da menina sobre meu jeito de trabalhar: "para ensinar, não precisa ver. Ele conta casos práticos, coisas que acontecem nas empresas e no dia a dia. Conversamos muito, e com um computador que fala, ele consegue trabalhar todo o conteúdo da disciplina, sem qualquer dificuldade". 

Sem saber, minha aluna estava falando com a família sobre tecnologia assistiva, inclusão social, quebra de paradigmas, novas possibilidades de ensino e aprendizagem. Descobri com ela, que mesmo nunca tendo abordado esses conteúdos em sala, ser um professor cego é sim um diferencial que acaba me permitindo levar, mesmo que de forma silenciosa, essas temáticas para reflexão dos alunos.

Osnildo, depois do macarrão, do pudim de leite, e do bate-papo sobre o professor da prima, decidiu estudar pedagogia, pois já pensava em trabalhar com crianças com deficiência, mas até um pouco antes desse momento, ainda tinha um pouco de medo. 

Decidi contar essa história depois de algum tempo, pois acredito que todos nós podemos fazer, de nossas histórias, bons exemplos, para que tantas outras possam ser escritas e reescritas. 




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;