Política Titulo Lava Jato em SP
MPF denuncia Serra por propina no Rodoanel, obra vitrine de Morando

Ministério Público Federal diz que ex-governador recebeu valores indevidos no Trecho Sul

Por Raphael Rocha
Do Diário do Grande ABC
04/07/2020 | 00:01
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DGABC


O MPF (Ministério Público Federal) denunciou ontem o ex-governador José Serra (PSDB), atual senador por São Paulo, e a filha do tucano, Verônica Allende Serra, por lavagem de dinheiro da obra do Trecho Sul do Rodoanel, que corta cidades do Grande ABC.

A investigação, braço da Operação Lava Jato em São Paulo, aponta que, entre 2006 e 2007, Serra utilizou a influência de seu cargo para receber propina da Odebrecht em troca de benefícios com a obra viária. Os valores indevidos chegaram às mãos do tucano via offshores (empresas criadas no Exterior) para disfarçar o real destinatário (veja mais abaixo).

O Trecho Sul do Rodoanel custou quase R$ 4 bilhões e virou uma das vitrines do governo paulista no Grande ABC – e para políticos ligados à gestão tucana na região.

Hoje prefeito de São Bernardo e então deputado estadual, Orlando Morando (PSDB) tomou a frente de quase todos os debates envolvendo o empreendimento. Integrante da comissão de transportes na Assembleia Legislativa, participava de reuniões na Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S/A), empresa pública responsável pela obra, na Secretaria dos Transportes e também junto a prefeituras de cidades por onde o traçado passaria.

A obra teve início em 2007. Foi entregue em março de 2010. Embora incompleto, o projeto seria um dos carros-chefes do tucano em sua candidatura à Presidência da República naquele ano. Pouco depois da solenidade, Serra renunciou ao cargo para a corrida presidencial. Perdeu para Dilma Rousseff (PT), no segundo turno.

Morando espalhou outdoors pelas sete cidades se classificando, à ocasião, como o deputado do Rodoanel. Saiu em capa de revista de circulação regional como “o senhor Rodoanel”. Ao Diário, em entrevista publicada no dia 26 de dezembro de 2009, o tucano classificou o ramal viário como “obra do Brasil, vitrine presidencial, porque o Brasil vai passar nele”. Em 2010, Morando se reelegeu deputado (para o terceiro mandato), com 138.630 votos.

Dentro da Assembleia, como integrante efetivo da comissão de transportes, liderou tropa de choque montada pelo governo tucano para barrar qualquer tipo de investigação sobre a obra. Em 2009, o TCU (Tribunal de Contas da União) havia indicado existência de superfaturamento no Rodoanel – à época de R$ 184 milhões (R$ 332 milhões em valores corrigidos). A bancada do PT, de oposição, buscou emplacar uma CPI para apurar o assunto. Em vão.

Um dos integrantes do bloco à época era Adriano Diogo (PT), hoje sem mandato. “Naquela Assembleia não se aprova nem minuto de silêncio. (Os tucanos) Mandam desde 1983, é o mesmo grupo. Não se apura nada, não se investiga nada. É muro de silêncio”, resumiu.

Sobre a atuação de Morando, Diogo sintetizou. “O mais barra pesada, linha-dura. Agressivo ainda por cima. A gente ouvia falar das relações dele com o Rodoanel. Assim como sabíamos de outras coisas envolvendo o governo, o Paulo Preto. Esse processo todo do Rodoanel precisa ser contado pelo povo. Merece uma comissão da verdade”, disse – Paulo Preto é Paulo Vieira de Souza, ex-diretor da Dersa e acusado de superfaturar as obras do Rodoanel.

A suspeita que circulava nos corredores da Assembleia era a de que Morando sabia do traçado antes da divulgação oficial, inclusive os terrenos que seriam desapropriados. Ele sempre negou essas acusações.

Carlos Gianazzi (Psol) estava na Assembleia no início das denúncias contra o Trecho Sul do Rodoanel e permanece na casa. “Esse braço da Lava Jato em São Paulo parece ser diferente do de Curitiba, do (ex-juiz Sergio) Moro, está indo para cima do tucanato. Era para ter ido faz tempo. Mas antes tarde do que nunca”, afirmou o parlamentar. Sobre a atuação de Morando, Gianazzi recordou que ele integrava bloco que “obstruía tudo”. “Era uma blindagem total. A Assembleia Legislativa é um puxadinho do governo do Estado.”

Luiz Fernando Teixeira (PT) é deputado estadual por São Bernardo, cidade governada atualmente por Morando. Ele já assinou pedido de CPI da Dersa, que está na fila para ser instalada – dispositivo na Assembleia impede o funcionamento de mais de cinco CPIs ao mesmo tempo, e a base governista costuma preencher essa cota para evitar investigações contra o governo.

“Não envolve só o Serra, envolve o (ex-governador) Geraldo Alckmin (PSDB) também. Os indícios (de irregularidades) são fortes, inclusive do envolvimento não só do governador e diretores da Dersa, mas de alguns parlamentares também. Provavelmente deputados estaduais do PSDB do Grande ABC da época, e só existia um, devem estar preocupados”, citou o petista, em referência a Morando. Luiz Fernando declarou que tentará convocar responsáveis para depor na Assembleia acerca das novas denúncias apresentadas pelo MPF. Mas sabe da dificuldade. “Estamos querendo isso. Daí a conseguir é uma distância muito grande.”

Ao Diário, Morando declarou que nunca teve conhecimento de qualquer irregularidade cometida pelo ex-governador José Serra. “O então deputado teve participação atuante na comissão de transportes na Assembleia, chegando a protocolar denúncia ao Ministério Público sobre o atraso no Trecho Leste da obra. O chefe do Executivo defende a apuração da denúncia para esclarecimento dos fatos.”

Um ex-presidente da Dersa está no governo de Morando: Delson José Amador. Ele já foi denunciado por outros crimes durante sua passagem pelo departamento, também envolvendo superfaturamento em contratos do Rodoanel. Ele nega as acusações.

Senador obteve R$ 27,8 mi, diz procuradoria

O senador José Serra (PSDB-SP) e sua filha, Verônica Serra, foram denunciados ontem por lavagem de dinheiro pela força-tarefa da Lava Jato em São Paulo. Ao acusar formalmente o tucano, o MPF (Ministério Público Federal) afirmou que ele recebeu R$ 27,8 milhões da Odebrecht entre 2006 e 2010 em troca de favorecer a empresa em contratos da Dersa, estatal paulista responsável por obras viárias como o Trecho Sul do Rodoanel. Serra nega ter cometido irregularidades.

Além de oferecer a denúncia, a força-tarefa cumpriu, ontem, oito mandados de busca e apreensão em endereços ligados ao senador e outros investigados no Rio e em São Paulo. O objetivo é procurar provas que deem continuidade à apuração de eventuais crimes cometidos pelo tucano. Batizada de Revoada, a operação levou policiais federais à casa de Serra, no Alto de Pinheiros, Zona Oeste da Capital paulista, e a um apartamento do empresário e ex-deputado Ronaldo Cezar Coelho, na Vila Nova Conceição, Zona Sul.

Segundo a denúncia, enquanto foi governador de São Paulo, entre 2007 e 2010, Serra manteve “relação espúria” com a Odebrecht, “dela vindo a efetivamente receber, direta e indiretamente, em razão das funções por ele ocupadas, substanciais recursos indevidos”. O senador recebeu, de acordo com a Lava Jato, R$ 4,5 milhões da Odebrecht entre 2006, ano da eleição para governador, e 2007. A empreiteira, então, ficou fora de um decreto de renegociação de contratos assinados por Serra no início do mandato.

A investigação do MPF aponta que o dinheiro foi enviado para o Exterior por meio de esquema de lavagem de dinheiro em três camadas. Primeiro, cerca de 1,6 milhão de euros foram enviados pela Odebrecht para a conta do empresário José Amaro Pinto Ramos, também alvo de busca e apreensão ontem. A segunda camada, diz a Procuradoria, envolvia transferências de Amaro para uma offshore controlada por Verônica. Dali, o dinheiro seria transferido para outra conta no Exterior.

Serra classificou a Operação Revoada como “completamente desarrazoada”. Ele afirmou que sempre atuou de forma lícita e íntegra e criticou o cumprimento de mandados de busca e apreensão em endereços ligados a ele e à sua filha “com base em fatos antigos e prescritos e após denúncia já feita”.
(do Estadão Conteúdo) 




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