Economia Titulo Estabilidade e benefícios
Acidente no trajeto do trabalho é reconhecido

Com revogação de MP, empregado volta a ter direito a benefícios previdenciários e estabilidade

Arthur Gandini
do Portal Providência Total
04/05/2020 | 00:01
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A pandemia do novo coronavírus (Covid-19) teve como consequência não apenas alterações temporárias na lei trabalhista brasileira, mas também a reversão de outras mudanças implementadas em novembro do ano passado. O governo revogou a MP (Medida Provisória) 905, conhecida como MP do Contrato Verde e Amarelo, por causa de acordo do Senado Federal para que não fosse aprovada de forma definitiva e transformada em lei. Com a revogação no fim de abril, voltou a ser caracterizado como acidente de trabalho o chamado “acidente no trajeto”.

A Lei nº 8.213/91 conceitua o acidente de trabalho como ocorrência durante o exercício do trabalho a serviço da empresa ou relacionada ao seu exercício, no caso de haver lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte, a perda ou a redução da capacidade laboral, ainda que somente temporária. A MP 905 havia revogado o trecho da lei que equipara o acidente de trabalho a ocorrências “no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado”.

Segundo especialistas, passam agora a ser novamente direitos trabalhistas e previdenciários relacionados ao acidente de trajeto. “Todos os direitos decorrentes não poderiam mais ser exercidos pelo trabalhador, como o auxílio-doença acidentário a partir do 16º dia de afastamento. Isso trazia reflexos previdenciários em pensões por morte, nos cálculos de benefícios, carência etc. Também reflete nos direitos trabalhistas como a estabilidade e indenização”, lembra João Badari, advogado especialista em direito previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados.

A lei determina que a empresa é responsável pelo pagamento dos benefícios e salários pelos 15 primeiros dias de afastamento por causa de acidente no trajeto do trabalho. Após esse período, o funcionário deve receber o auxilio-doença acidentário do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Ainda é concedido ao trabalhador a estabilidade acidentária de 12 meses contados do retorno ao trabalho, período em que não pode ocorrer demissão, e deve ser mantido pela empresa o depósito do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço).

Para o reconhecimento do acidente no trajeto do trabalho, é necessário que o acidente ocorra no percurso entre a residência e a empresa. Não deve haver desvio na rota, ou seja, quando parte do caminho não possui relação com a ida ou retorno do local de trabalho.

Na opinião de Ruslan Stuchi, advogado trabalhista e sócio do escritório Stuchi Advogados, a caracterização desta modalidade de acidente de trabalho é correta e costuma ser questionada na Justiça apenas quando o funcionário possui direito ao benefício do vale-transporte e sofre acidente em veículo próprio. “Mesmo que a empresa forneça o vale-transporte, ela é responsável. O acidente é considerado independentemente se ele for de carro, moto, seja como for”, afirma.

Contudo, para Fernando de Almeida Prado, advogado trabalhista e sócio do escritório BFAP, o acidente de trabalho no trajeto não deveria ser considerado. “A responsabilização das empresas por acidente de trajeto me parece algo injusto, especialmente quando não envolve transporte fornecido pelo empregador. Entendo como positivo o ponto da MP”.

Após a revogação da medida, o governo estuda editar nova MP com o objetivo de retomar mudanças rejeitadas no Congresso. Outro tema já proposto é a liberação irrestrita do trabalho aos domingos e feriados, retirada da MP durante a sua tramitação na Câmara. O governo já havia tentado implantar a alteração na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) por meio da MP 881/19, em 2019. Entretanto, o ponto foi retirado após votação no Senado.

De acordo com Fernando de Almeida Prado, é inconstitucional tratar de propostas rejeitadas em novas MPs. “O Supremo Tribunal Federal tem entendimento firmado de que não é possível reeditar medidas provisórias rejeitadas ou com prazo decorrido. A princípio, o governo dependerá da iniciativa do Congresso para rediscutir este assunto”.

Para a advogada trabalhista do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, Bianca Canzi, caso o governo edite nos próximos dias nova MP, o ideal é que os seus esforços sejam para suprir as necessidades causadas pela pandemia do coronavírus. Uma nova medida econômica, por exemplo, poderia facilitar a recolocação dos profissionais dispensados na crise. “Infelizmente, todas essas mudanças geram enorme insegurança jurídica no País, visto que as regras mudam com grande constância. Nunca é demais lembrar que é papel do governo proteger os trabalhadores e as empresas em um momento como o atual”, critica.

Supremo derruba artigos do MP

Além da revogação da MP 905/19 por parte do governo, o STF (Supremo Tribunal Federal) suspendeu na quarta-feira a eficácia de dois pontos da MP 927/20, editada pelo governo em meio à crise do novo coronavírus.

A Corte realizou o julgamento de medidas cautelares em Adins (Ações Diretas de Inconstitucionalidade) e, em decisão pela maioria, suspendeu artigos que determinavam que casos de Covid-19 não fossem considerados como hipóteses de doença ocupacional. Também havia sido vedado aos auditores fiscais do trabalho a lavratura de autos de infração, durante a vigência do estado de calamidade pública, que fossem relacionados à falta de registro de empregados; às situações de grave e de iminente risco; à ocorrência de acidente de trabalho fatal; e ao trabalho em condições análogas a de escravo ou trabalho infantil.

Em seu voto, o ministro Alexandre de Moraes lembrou que o entendimento do Supremo é de que o caráter ocupacional das doenças relacionadas aos riscos inerentes a atividades profissionais, assim como a consequente responsabilidade dos empregadores pelos danos delas decorrentes, são presumidos. Já a restrição às atividades dos auditores fiscais acabaria por intensificar os riscos à saúde e à integridade dos trabalhadores diante da pandemia.

Para o advogado Gustavo Ramos, a decisão foi importante por reafirmar a possibilidade de caracterização da Covid-19 como doença profissional ou do trabalho. “A consequência é o reconhecimento dos direitos do trabalhador à obtenção de auxílio-doença acidentário e garantia de emprego por 12 meses, ambos previstos na legislação previdenciária, assim como do direito do trabalhador vitimado a ser indenizado por seu empregador em caso de lesão permanente ou morte decorrente da aquisição da Covid-19”, ressalta.




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