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Semáforos da região são escritórios ao ar livre
Maíra Sanches e Renan Fonseca
14/10/2010 | 07:25
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É possível comprar quase de tudo sem sair do carro pelas ruas do Grande ABC. E para quem vende, a atividade chega a render até R$ 1.800 ao mês.

Às vezes nem é preciso dirigir muito para conseguir um carregador para celular, guarda-chuva, acessórios para carros ou tiras para chinelos de dedo. Basta apenas obedecer ao farol vermelho. Muitas pessoas fizeram de ruas e cruzamentos o escritório de onde tiram o ganha-pão.

No início do Corredor ABD, em Diadema, debaixo do viaduto Miguel Etchenique, e em frente ao Terminal Ferrazópolis, em São Bernardo é possível encontrar os ‘comerciantes do sinal vermelho' que aproveitam o pouco tempo para comercializar todo o tipo de bugiganga.

A maioria das histórias tem o mesmo início: falta de opção. Foi assim que o ex-jogador de basquete paraplégico, Laércio Pereira, 48 anos, começou a vender doces há 10 anos. Ele fazia parte de um time que fazia pedágio para arrecadar fundos, mas o grupo se desfez e Pereira se viu desempregado. A experiência nos faróis com os amigos esportistas rendeu um novo trabalho. "Hoje tenho clientes fixos. Compram sempre que passam", disse o vendedor. Em média, Pereira consegue R$ 500 ao mês. Ele é encontrado todos os dias em frente ao Hipermercado Extra do Corredor ABD, em São Bernardo.

Também por causa da falta de oportunidade no mercado de trabalho, o estudante V.R, 17, viu no comércio de semáforo a chance de conseguir ajudar sua avó aposentada no sustento da casa. "Ela é o ouro da minha vida", revela. O jovem é do bairro Feital, em Mauá, e trabalha vestido de palhaço vendendo pirulitos na esquina das Avenidas Antonia Rosa Fioravante com Mário Covas Júnior, região central da cidade. A preparação é feita no local e não dura mais de 20 minutos, entre fantasia e maquiagem. "Aprendi naturalmente. No primeiro dia que fiz ficou horrível, mas mesmo assim vendi R$ 62 em mercadoria", relembra.

O jovem fatura, em média, R$ 1.800 por mês cativando motoristas com seu carisma e bom humor. Com a renda obtida, já comprou um Fusca e pretende adquirir uma moto quando atingir a maioridade. "Depende do movimento. Tem dia que é melhor, em outros não vendo quase nada. Os períodos de chuva são os mais difíceis."

Sinal vermelho é nicho comercial
O farol vermelho se transformou em um nicho de mercado que ambulantes e desempregados aproveitam para garantir o sustento da família. Essa é visão do coordenador de Pós-Graduação em Filosofia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo, Marcelo Carvalho.

O especialista argumenta que o espaço nos faróis são aproveitados economicamente por conta da demanda. A falta de tempo e o longo período que as pessoas passam no trânsito, permite a ascensão de um consumidor da modernidade. "Quem vive em grande cidades acaba aproveitando as mercadorias vendidas nos faróis, que são locais de intercâmbio", falou o filósofo.

Carvalho analisa o farol vermelho como espaço que permite a atuação tanto de pedintes, ambulantes, como o setor publicitário. "É um lugar multifacetado. Ali encontramos uma série de características. Existe a demanda, por isso cresceu esse nicho de mercado", continuou.

É também durante os segundos em que o motorista deve ficar parado que surge o medo.

Criminosos aproveitam o farol vermelho para cometerem furtos e assaltos. "O motorista se sente protegido enquanto dirige. Essa proteção desaparece quando ele tem que pisar no freio e respeitar o sinal", reforçou.

O docente explica que esse medo pode ser agregado aos pedintes e vendedores informais. "Isso não acontece com o comércio organizado, como os anunciantes imobiliários", defende. "A economia organizada também se aproveita desse espaço, como acontece com construtoras e até mesmo jornais que são distribuídos", exemplifica Carvalho.

Programas - Para as pessoas que atuam no farol, Diadema elaborou o Projeto Acolher, em parceria com o Albergue Transitória Casa do Caminho. A ação aborda os comerciantes informais e encaminham para outras iniciativas de inclusão social. Na cidade, a fiscalização para esse tipo de atividade é feita pela Secretaria de Segurança Alimentar.

Já em São Bernardo, a Prefeitura oferece de 46 oficinas, 34 socioculturais, 5 de esportes radicais e 7 de iniciação profissional, para evitar a ação de pedintes, vendedores irregulares e o trabalho infantil nas ruas. Todas as oficinas são destinadas para jovens de 14 a 29 anos e este ano foram oferecidas aproximadamente 3000 vagas. As inscrições podem ser feitas na Avenida Redenção, 271, Centro (4126-3936).

A Prefeitura de Santo André foi procurada e informou que existem programas voltados para os menores que se encontram em situação de rua, como o Andrezinho Cidadão, realizado em parceria com o Instituto Monsenhor Antunes.

Mauá adotou medidas mais rígidas. De acordo com a Secretaria de Segurança Alimentar, equipes fiscalizam o comércio ilegal em semáforos periodicamente.

O material vendido é recolhido e o dono tem sete dias para retirar. Além disso, o informal dos semáforos deve pagar multa no valor de 180 FMPs (Fator Monetário Padrão) para rever a mercadoria. Cada FMP equivale a R$ 2,42.

ONGs mantêm crianças longe dos faróis com atividades
Algumas organizações não governamentais atuam no combate à exploração de crianças e adolescentes para venda de produtos em faróis de grandes avenidas da região ou mesmo como pedintes. Segundo educadores ouvidos pelo Diário, normalmente há um adulto por trás, muitas vezes familiares, se utilizando da mão de obra barata e do apelo emocional.

Em Santo André, o Jeda (projeto Juventude e Esperança do Amanhã) oferece atividades diárias a 180 crianças em situação de rua que são encaminhadas pelo Creas (Centro de Referência Especial de Assistência Social) da Prefeitura de Santo André. Durante três horas, de segunda a sexta-feira, elas podem optar por cursos de artes, capoeira, informática, teatro, música, esporte, além de uma brinquedoteca. Para tanto, devem estar regularmente matriculadas na escola em um dos períodos do dia (manhã, tarde ou noite) para participarem das atividades, na sede do Jeda, em outro período. Um ônibus da organização vai buscá-las e levá-las em casa.

Em 1995, a organização tentou uma abordagem direta com esses pequenos comerciantes ou pedintes criando um vale-refeição para ser dado no lugar do dinheiro. Ao chegarem no Jeda, comiam e eram incluídas nos projetos. A ideia foi relançada em 2005, porém, segundo a entidade, acabou não vingando porque não houve mais interesse das crianças, que recusavam o vale refeição.

Em São Bernardo, a Fundação Criança, da Prefeitura, criou o Programa Andança, que possui uma casa de acolhimento. Em 2009, 250 crianças e adolescentes, a maioria entre 11 e 16 anos, permaneceram no local durante 15 dias, cada um, e depois foram encaminhados para as famílias ou outros abrigos. No mesmo período, em seis unidades de bairros da periferia, foram 1.359 atendidos em atividades socioeducativas e acompanhamento individual com familiares. (Deborah Moreira)




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