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Temístocles Telmo Ferreira Araujó: ‘Não existe uma sociedade sem riscos’
Por Bia Moço
Do Diário do Grande ABC
09/11/2020 | 07:00
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André Henriques/DGABC


 Com 20 anos de trajetória no Grande ABC, o coronel da PM (Polícia Militar) Temístocles Telmo Ferreira Araújo, 51 anos, assumiu em agosto de 2019 a missão de comandar a Escola Superior de Sargentos do Estado de São Paulo, deixando de atuar nas operações de rua. Desenvolvedor do programa Vizinhança Solidária, idealizado em Santo André e replicado em todo o Estado, o policial destacou a queda dos índices criminais, salientando que a sociedade sente insegurança porque a violência urbana “é um fenômeno social”, e contou os desafios de formar profissionais que terão de defender a honra e a segurança civil.

O senhor atuou em diversas frentes no Grande ABC ao longo da carreira. Qual a sua relação com a região?
Nasci e me criei no Grande ABC, e quase que minha vida toda, em termos profissionais, foi também na região. Nasci em São Caetano e, depois, quando ainda era pequeno, fui morar em Mauá. Adulto, morei em Santo André, depois em São Bernardo, e hoje moro na Capital. Dos meus 34 anos de profissão, somando todas as minhas passagens pela região, já tenho 20 anos de trajetória militar no Grande ABC.

Por que o senhor escolheu ser policial militar?
Entrei na Polícia Militar em 1986, aos 16 anos. Lembro como se fosse hoje. Me formei em 1991 na Academia de Polícia Militar do Barro Branco, e sonhava em atuar em Santo André. Logo abriu uma vaga para aspirante e consegui ser classificado, atuando na cidade, em primeiro momento, como aspirante e, depois, segundo e primeiro-tenente.

E como foi sua carreira?
Em 1995 fui convidado a trabalhar na Casa Militar, onde fiquei cerca de três anos. Depois fui para o 1º BPRv (Batalhão de Polícia Rodoviária) – responsável pela região – , onde fiquei mais sete anos, primeiro como oficial de pista do SAI (Sistema Anchieta-Imigrantes), e depois oficial de inteligência. Com a promoção a capitão, voltei para Santo André para comandar a Força Tática do 41º BPM (Batalhão de Polícia Militar), onde fiquei até 2007, e fui comandar a 1ª Companhia do 41º BPM, que é a área Centro de Santo André, onde fiquei até 2012, quando fui convidado para ir ao comando geral da Polícia Militar. Fiquei alguns meses, fui promovido a major, e voltei para o Grande ABC, quando fiquei na divisão operacional do CPAM/6 (Comando de Policiamento de Área Metropolitana 6). Em 2014 fiz doutorado e, em maio de 2016, fui promovido a tenente-coronel, quando fui comandar o BPRV. Em dezembro de 2017 saí em definitivo do Grande ABC, e fui comandar a área central de São Paulo. Agora estou no comando da escola.

O senhor foi o desenvolver do programa Vizinhança Solidária. Como se deu esse processo?
Na época estava na 1ª Companhia do 41º Batalhão. Fiz uma provocação para o Conseg (Conselho Comunitário de Segurança) para que a gente criasse um programa que auxiliasse a população na segurança e tivesse uma melhor interação entre a Polícia Militar e a sociedade. Da forma como está hoje o projeto, fui um dos criadores. O comandante geral da época, coronel Roberval, gostou muito do formato que tinha implantado em Santo André e me convidou para implantar o modelo em todo o Estado. Foi isso que gerou, em 2013, a nossa diretriz de vigilância solidária.

Qual a diferença entre comandar um batalhão e uma escola de formação?
Na escola, o maior desafio é que somos um realizador de sonhos. A missão é formar e aperfeiçoar um sargento. São profissionais que têm o ideal institucional e querem exercer o comando, a supervisão. O sargento é um braço forte institucional, porque é ele quem faz com que as normas sejam cumpridas, e é a referência do oficial em relação à tropa. Confesso que as duas funções são muito gratificantes. Cada uma ao seu estilo e com seu desafio. A atividade operacional é dinâmica, porque você mexe com o comportamento humano, não tem rotina na atividade de rua. Na rua temos problemas de todas as sortes. Na escola continuo administrando situações complexas, mas são bem menos do que administramos na rua. Aqui a missão é formar pessoas. Essa magia é que me contagia.

Qual o desafio que encontra em formar profissionais que terão de lutar pela vida da população?
É uma missão árdua. Temos de mostrar todos os dias para eles que o sargento é o responsável pela segurança do cabo, do soldado, e da população. É ele quem vai fazer a gestão dos equipamentos e dar instrução. Em todas as nossas matérias passamos para o sargento a sigla que chamamos de conhecimento, habilidade e atitude. O sargento precisa amadurecer o conhecimento dele, para dar a ele habilidades de saber lidar com este gerenciamento, e fazer essa interlocução entre oficial e tropa. E precisa ter atitude de sargento, de líder, de comando. O profissional tem de chegar e resolver, é o que a tropa espera dele. Por isso aqui todas as matérias trazem essa mensagem.

Acompanhamos alguns casos de excesso policial recentemente, porém, não é um problema novo. Como isso é tratado na escola para evitar que os profissionais cometam esses erros? E como a polícia lida com os casos que acabam acontecendo?
A primeira coisa que temos de entender é que o policial militar é um ser humano. A sociedade precisa compreender isso. Tenho que pontuar que a cobrança em cima da Polícia Militar tem de ser forte mesmo, porque somos os garantidores da segurança, somos formados para isso, então a sociedade tem de ser implacável nessa cobrança, mas não injusta. Não dá para, diante de um erro de conduta, mesmo que possam ocorrer mais erros, julgar a corporação. Não posso dizer que porque uma pessoa que aprendeu todas as técnicas, por algum motivo deixou de aplicar e usou uma conduta pessoal, que a instituição inteira é despreparada. Não é. Apenas aquela pessoa descumpriu a conduta, e temos de apurar o porquê. E hoje temos um abismo na segurança pública, porque todas as pessoas, a sociedade de modo geral, imaginam que segurança pública seja somente aqueles órgãos do artigo 144, ou seja, as polícias Militar, Civil, Rodoviária, Ferroviária, bombeiros e até mesmo os agentes penitenciários e a GCM (Guarda Civil Municipal). Mas será que somos só nós os agentes de segurança? Não. Segurança pública é sociedade organizada, imprensa esclarecida, que dê boa informação à sociedade, as escolas, faculdades, o bom comerciante, ou seja, tudo é segurança pública. Precisamos compreender o que é erro de conduta e o que é erro de procedimento. Quando é erro de conduta, e o policial desvia das regras, é preciso saber por que fez aquilo, por que não aprende a fazer uma abordagem truculenta, e se faz isso, tem de ser responsabilizado e, dependendo do caso, é afastado, se instaura inquéritos e até mesmo uma investigação. Aqui na escola, temos a palavra do dia e uma instrução da semana, que ocorrem toda sexta-feira. Escolhemos um tema, sorteamos, passamos aos alunos e eles têm de estudar a semana toda porque, na sexta, serão sorteados para passar instrução aos demais alunos. E esse tema é recorrente.

Qual o principal desafio da Polícia Militar no Estado?
Nossa profissão, além de ser de risco, é também de minimizar riscos. E não existe uma sociedade sem riscos. Então nossa função é fazer com que estes riscos sejam menores e, para isso, temos de estudar local, aplicar ferramentas de inteligência, se aproximar da sociedade, mostrar nosso trabalho. Não vamos estar em todos os lugares ao mesmo tempo, mas precisamos estar na maioria dos lugares e, por isso, temos de usar as ferramentas. Não vai ter uma viatura na porta da casa de cada cidadão, mas temos de mostrar que a polícia esta atuante.

E para agirem com mais intensidade em determinados locais, é importante que a população faça o registro de boletins de ocorrência, de forma que possam se basear em estatísticas locais?
Exatamente. Trabalhamos muito com isso. Desde 1995 as estruturas da polícia são integradas, então temos em uma mesma área um distrito da Polícia Civil, que pertence, também, a um comandado da Polícia Militar. Dessa forma, tudo que acontece naquela área é compartilhado, e com a troca de informação, ambos trabalham. Tanto delegado como capitão sabem o que está acontecendo em sua região de atuação. Porém, temos estudos de que as pessoas por ‘N’ motivos não fazem os boletins, o que chamamos de subnotificação. E o que é importante destacar é que não podemos somente empregar policiamento aonde temos mancha de crime, precisamos também compreender uma possível subnotificação em possíveis locais, e por isso a importância do Vizinhança Solidária, do Conseg e a relação com a sociedade civil.

Embora as últimas estatísticas apontem quedas, como o senhor enxerga os índices criminais e a violência no Estado?
São Paulo vem reduzindo suas taxas criminais. Um bom exemplo são as estatísticas de homicídio, que vão ao encontro do principal bem que a humanidade tem, que é a vida. Estamos atingindo taxas que são abaixo do estimado pela OMS (Organização Mundial de Saúde), que trata dez homicídios por 10 mil habitantes. O Estado chegou a bater uma taxa de 6.4 neste ano, e está bem abaixo. É claro que 2020 é um ano que não se tem muita referência, porque temos o fenômeno da pandemia, o isolamento, e então teremos de estudar isso com um pouco mais de detalhe para ver como, de fato, os indicadores se comportaram. No entanto, o Brasil, de modo geral, está com índices criminais mais baixos, em especial os de homicídios. A questão que deve ser tratada é o porquê de as pessoas não se sentirem seguras. Temos em uma ponta uma imprensa bastante influente, e que tem capacidade de penetração enorme em todos os lugares, mas temos também de ter mais cuidado com as redes sociais, que se perderam, sobretudo com as fake news. Temos de ter consciência de que vivemos em grandes cidades, que acarretam em grandes problemas. Violência urbana é um fenômeno social, e que não se combate só com policiamento e comportamento cidadão. Um fato interessante é que, com isolamento decorrente da Covid, começamos a ter aumento de um crime que estava estagnado há tempo, que são os cibernéticos. Claro que não tinham acabado, mas estavam em baixa. Então, temos um problema social, e temos muito trabalho sendo feito também, por parte da polícia, para manter a sociedade em estado de mais segurança.

RAIO X
Nome: Temístocles Telmo Ferreira Araújo
Estado civil: casado
Idade: 51 anos
Local de nascimento: São Caetano e mora na Capital
Formação: doutor e mestre em ciências policiais, segurança e ordem pública, e pós-graduado em direito penal
Hobby: corrida de rua
Local predileto: minha casa
Livro que recomenda: Pais Inteligentes Formam Sucessores, Não Herdeiros, de Augusto Cury
Artista que marcou sua vida: Ayrton Senna
Profissão: coronel da Polícia Militar
Onde trabalha: Escola Superior de Sargentos do Estado de São Paulo
Time do coração: Corinthians




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