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Justiça evita que São Bernardo desaloje ONG

Instituição atua há 31 anos em prédio público na Rua Jurubatura, Centro da cidade, e atende crianças e adolescentes em situação de rua

Aline Melo
Do Diário do Grande ABC
25/07/2020 | 00:01
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Celso Luiz/DGABC


A Justiça de São Bernardo impediu que fosse cumprida ordem de despejo da ONG (Organização Não Governamental) Associação Meninos e Meninas de Rua, que há 31 anos funciona na Rua Jurubatuba, no Centro da cidade. A instituição ocupa prédio público, com uma permissão de uso precário, e a Prefeitura de São Bernardo, sob comando do prefeito Orlando Morando (PSDB), entrou na Justiça no ano passado pedindo a desocupação do imóvel.

Referência nacional e internacional no atendimento às crianças e adolescentes que vivem em situação de rua, a ONG também atua com outros grupos populacionais, promovendo cultura, educação e formações diversas. Durante a pandemia de Covid-19, tem atendido cerca de 300 famílias com distribuição de cestas básicas, beneficiando aproximadamente 1.000 pessoas.

Conselheiro do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), do CNDH (Conselho Nacional dos Direitos Humanos) e coordenador geral do projeto, Marco Antonio da Silva Souza, 50 anos, o Markinhos, relatou que a instituição participou da formulação do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que completou 30 anos esse mês, e da implementação dos Conselhos Tutelares na região, na década de 1990. “A gente tem grande participação na construção dos direitos das crianças”, afirmou.

Markinhos lembrou que, por estar no Centro da cidade, a ONG está mais próximas das pessoas que vivem em situação de rua. “Nos tirar daqui é querer desmontar uma história que estamos construindo com muita luta, com muita promoção de direitos”, completou. O coordenador alega que chegou a se reunir com a Prefeitura em 2019 e que, por diversas vezes, tentou ter acesso ao processo, mas que desde antes da pandemia de Covid-19 não conseguia mais nenhum tipo de retorno.

A intimação com a ordem de desocupação em prazo de 15 dias, sob pena de desocupação forçada, foi entregue em 10 de julho, e deveria ser cumprida até hoje. A mobilização da ONG e de apoiadores na internet, por meio de abaixo-assinados e compartilhamentos, foi bastante intensa. Na última quinta-feira, a mesma juíza que havia concedido a tutela antecipada ao pedido da Prefeitura, Ida Inês Del Cid, da 2ª Vara da Fazenda Pública de São Bernardo, suspendeu a desocupação, em razão da pandemia. A administração então, em encontro com representantes da ONG, concedeu mais oito meses para que eles fiquem no local.

A Associação Meninos e Meninas promove todos os anos, na sexta-feira de Carnaval, o baile Eureca (Eu Respeito o Estatuto da Criança e do Adolescente), que já reuniu mais de 70 mil pessoas em três décadas de história. “A mobilização continua, pela fragilidade da garantia e o curto prazo indicado pelo Executivo municipal. Queremos a permanência, com segurança legal, na Rua Jurubatuba 1.610, no Centro de São Bernardo, espaço que há 31 anos faz parte da história de luta das crianças e adolescentes em situação de rua, suas famílias e comunidade”, concluiu o coordenador.

A Prefeitura de São Bernardo informou que notificou a ONG no ano passado sobre a intenção de instalar no local novo albergue ou Centro Pop, com oferta de serviços assistenciais para população de rua jovem e adulta. Que, à época, foi solicitado relatório das atividades da instituição para eventual rediscussão do assunto, porém, não houve retorno. A administração alega que está aberta ao diálogo e que não quer desalojar a instituição sem que haja uma alternativa e que busca cumprir a legalidade do uso dos próprios municipais. 

Assistido pela associação vira conselheiro tutelar

Foi quando trabalhava em uma banca de jornais, no Centro de São Bernardo, ainda com 14 anos, que o educador social Antonio Leonardo Duarte Pereira, 40 anos, ou apenas Léo Duarte, conheceu a ONG (Organização Não Governamental) Associação Meninos e Meninas de Rua. O primeiro contato aconteceu porque ele precisava de material escolar e, após cerca de um ano, quando trocou o trabalho na banca pela venda de balas e transitava entre morar com os pais e na rua, foi que passou a frequentar efetivamente as oficinas. Em 2020, ele finalizou período de dois mandatos como conselheiro tutelar da cidade.

Desenvolto e com facilidade de se comunicar, Duarte, assim como os outros meninos e meninas atendidos pela instituição, sentiu nas atividades que fazia o despertar para reflexões sobre sua própria existência, sobre por que existiam crianças e adolescentes vivendo nas ruas. “Me expressava nas atividades e pude representar o projeto em encontros nacionais e internacionais. A ONG foi fundamental para a minha história, porque foi lá que desenvolvi um olhar crítico com relação à sociedade em que vivemos. Além de me ajudar a sair das ruas, me ajudou a ser um cidadão preocupado com as crianças e adolescentes do País”, comentou Léo Duarte.

Especialista em gestão de políticas públicas de direitos humanos e segurança pública, além de conselheiro do Condepe (Conselho Estadual de Direitos Humanos de São Paulo), Ariel de Castro Alves já foi presidente do projeto entre 2006 e 2007, e chegou a pedir ao prefeito de São Bernardo, Orlando Morando (PSDB), que reveja a decisão da Prefeitura em desocupar o local.

“Um espaço tradicional e histórico desde antes da criação do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), em 1990. A identidade da entidade e do próprio movimento nacional de meninos e meninas de rua tem vinculação com aquele local”, afirmou. “Estamos em um momento em que os poderes públicos devem fortalecer as entidades sociais que atendem os que mais precisam, inclusive celebrando parcerias e convênios, e não o contrário”, concluiu.




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