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André Gide de volta à livraria
Por Thiago Mariano
Do Diário do Grande ABC
25/12/2009 | 07:00
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A obra do francês André Gide (1869-1951) é marcada pela luta incessante da quebra de estigmas. O Nobel de Literatura refletiu intensamente sobre seu tempo. Passou pelas duas grandes guerras mundiais, presenciou o surgimento do comunismo, a ascensão do nazismo no continente europeu, além da mudança estilística que a literatura viveu nesse período.

Sua obra retrata fielmente os valores sociais, sempre de forma aguda e crítica. Isso gera personagens extremamente humanos - com todas as suas grandezas e fraquezas.

O ganhador do Nobel em 1947 elege como temas recorrentes em sua escrita a religiosidade (principalmente após uma crise pessoal durante a Primeira Guerra) e o homossexualismo, aflorado no escritor durante estadia na África do Norte.

A editora Estação Liberdade lança quatro de suas obras, entre elas os inéditos em português O Pombo-torcaz (preço médio R$ 28) e o Diário dos Moedeiros Falsos (preço médio R$ 31). Os outros, relançamentos, são Os Moedeiros Falsos (preço médio R$ 62) e Os Porões do Vaticano (preço médio R$ 42).

Os Porões do Vaticano, de 1914, definido pelo próprio escritor como sotie, a maneira como as farsas satíricas eram conhecidas na França dos séculos 14 e 15, relata a história do maçon Anthime Armand-Dubois, que oscila entre o ceticismo e a fé, sendo confrontado por personagens extremamente religiosos, como o fervoroso Amédée Fleurissoire e o escritor Julius de Baraglioul, que luta para sair da mediocridade.

Os Moedeiros Falsos, lançado em 1925, é um romance sobre a construção do romance, tema muito frequente nas obras de Gide, que durante muito tempo defendeu o rigor formal e o classicismo na arte escrita.

Em estilo folhetinesco, a história retrata a vida de Bernard, Olivier e Édouard. O primeiro deixa o lar em busca de identidade, enquanto o segundo é um intelectual que vive sob o limiar da vaidade e da insegurança e o terceiro, mais velho e tio de Oliver, é escritor e planeja escrever um romance.

Retratando a obra dentro da obra, onde os limites do ficcional e do real se encontram constantemente, o romance, para Gide, é principalmente de ideias. A certa altura, reflete o personagem Édouard: "...as ideias, confesso, interessam-me mais do que os homens; interessam-me acima de tudo. Elas vivem; combatem; agonizam como os homens. Naturalmente pode-se dizer que só as conhecemos pelos homens, assim como só temos conhecimento do vento pelos caniços que ele inclina; mas mesmo assim o vento importa mais que os caniços."

Diário dos Moedeiros Falsos, de 1927, inédito no Brasil, permeia o diálogo do escritor com seus personagens, revelando o caos da escrita e da formação e maturação da personalidade de Olivier, Bernard e Édouard, de seu romance anterior.

O mecanismo criativo e a crítica do estilos de Gide, nesta obra, ganham contornos autobiográficos, sendo inclusive chamada de ‘caderno de exercícios' pelo próprio autor.

O Pombo-torcaz, que a filha de Gide, Catherine, recentemente encontrou entre os arquivos do pai e autorizou a publicação, traz o relato de uma experiência sexual entre o escritor e um jovem em 1907.

Arrebatado pela noite que passou junto com Ferdinand, filho de um empregado, Gide, que confessou se sentir dez anos mais jovem após a noite, apelidou-o carinhosamente de pombo-torcaz, em razão do barulho que era uma espécie de arrulho, que o jovem emitia durante o ato sexual.

O livro conta, de forma lírica e minuciosa, o encontro desses dois homens. A filha justificou a publicação pela "emoção da descoberta erótica, a alegria da cumplicidade, a vitória do desejo e do prazer partilhado."




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