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Sobre viver nos semáforos

O curto tempo do sinal vermelho se traduz em chance de sustento para ambulantes da região

Vanessa de Oliveira
Do Diário do Grande ABC
15/08/2016 | 07:00
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Ari Paleta/DGABC


Sinal vermelho. É preciso parar. E, antes de seguir em frente, alguns segundos ou um minuto da sua atenção, somados à sua contribuição, valem a sobrevivência e o pão de cada dia de inúmeros ambulantes, cujo local de trabalho são os semáforos.

Em um dos 404 cruzamentos com faróis de Santo André, o ex-flanelinha Celso Firmino da Silva, 26 anos, faz sucesso vendendo amendoim. Morador de São Mateus, Zona Leste de São Paulo, ele escolheu a esquina formada pela Avenida Padre Manuel da Nóbrega com a Rua Catequese, no bairro Jardim, por se tratar de área nobre. Está no local há seis anos.

A alegria e educação com que aborda os motoristas, sempre com um “boa tarde”, é fundamental para cativar a clientela, segundo ele. “Ganho dinheiro por causa da minha simpatia”, declara. Vendendo cada pacote do petisco a R$ 1, ele diz tirar, por mês, média de R$ 900, sendo que parte é destinada à pensão da filha de seis anos.

De segunda a sábado, das 10h às 18h, a cada um minuto e dezesseis segundos em que o semáforo fica fechado, Silva corre para oferecer seu produto ao maior número de motoristas. No entanto, nem todo mundo é receptivo. “Já tiraram o amendoim do retrovisor e jogaram no chão, mas a maioria vê que estou trabalhando honestamente.”

Próximo dali, na esquina da Rua Catequese com a Rua das Figueiras, as pernas de Prescílio Nunes, mais conhecido como Pira, 74, cansam ao ficar em pé de segunda a segunda, das 9h às 14h, para oferecer aos condutores saquinhos com balas e chicletes, também por R$ 1. “Quando me dão R$ 2 e só levam um saquinho, dou de troco um poema feito por mim”, conta ele, morador de Santo André.

Por três décadas, ele trabalhou, sem registro, como pintor de corda em edifícios. Em 2008, caiu do terceiro andar e, apesar dos ferimentos sem gravidade, não quis continuar. “Acho que foi um aviso de Deus”, acredita.

Pira conheceu um microempresário que passou a ajudar colando cartazes. O patrão acabou com o negócio e sugeriu que o ajudante vendesse balas para se manter. “Ele pagou o primeiro pacote para eu começar, em novembro do ano passado”, relata. Com os cerca de R$ 1.300 mensais que ganha, paga R$ 300 de hospedagem em uma pensão, onde mora com um filho, que está desempregado. “Gostaria de acabar minha vida na terra cuidando de um rancho. É meu sonho.”

Em Diadema, no Corredor ABD, Rodrigo Alves Gomes, 34, é um multi-vendedor. Com ele, motoristas encontram carregador de celular, capa para volante e suporte de GPS. O chapéu mexicano que usa é “estratégia de marketing” para chamar a atenção.

O morador de Itaquera, na Capital, iniciou o trabalho nos semáforos aos 15 anos, mesmo tempo em que atua na cidade diademense, após indicação de um amigo. “Sempre tive vontade de trabalhar por conta própria. Tiro R$ 2 mil por mês, em média. Estou realizado.”

Nos semáforos, tem quem ofereça seu próprio produto, como Marta de Souza Camargo, 50, moradora da Vila São Pedro, em São Bernardo. Entre as avenidas Winston Churchill e Senador Vergueiro, a cesta que carrega de segunda a sábado traz balas de coco caramelizadas, feitas por ela. “Se vendesse chocolate ou amendoim, seria mais uma”, ressalta. Dois meses atrás, era o marido quem vendia os doces, há uma década. “Ele não está bem de saúde, tem epilepsia”, comenta. Diariamente, ela prepara 100 balas, que vende uma a R$ 2 e três por R$ 5, das 11h às 18h. Na produção, o foco não está só no sustento do marido e dos dois filhos. “É ruim fazer algo só pensando no dinheiro. É preciso se preocupar com quem vai receber o produto, para que goste.”




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