Setecidades Titulo Estatuto da Família
Famílias defendem suas variadas formas

Núcleos tidos como não tradicionais vão
na contramão do que propõe o Estatuto

Vanessa de Oliveira
Do Diário do Grande ABC
12/10/2015 | 07:00
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Ari Paleta/DGABC:


Família. No dicionário, a palavra é descrita como conjunto de pessoas, em geral ligadas por laços de parentesco, que vivem sob o mesmo teto, particularmente o pai, a mãe e os filhos; pessoas do mesmo sangue ou não, ligadas entre si por casamento, filiação, ou mesmo adoção, que vivem ou não em comum; entre outras. Na prática, também há variadas composições: casais com filhos, famílias monoparentais, as formadas entre duas pessoas do mesmo sexo e por aí vai.

Porém, projeto de lei que tramita em Brasília, denominado Estatuto da Família, propõe reconhecer a entidade familiar como “núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável, ou ainda por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.”

O texto, de autoria do deputado federal Anderson Ferreira (PR-PE), já foi aprovado em caráter conclusivo pela comissão especial da Câmara, com 17 votos a favor e 5 contrários, e seguirá para o Senado.

A proposta tem gerado polêmica, pois muitas pessoas acreditam que o teor é discriminatório e retira direitos de milhões de brasileiros que não se enquadram no conceito de família aprovado. O núcleo formado pela corretora de imóveis Mônica das Graças Nogueira, 46 anos, de São Bernardo, é um dos que não integram o tido como tradicional. Por 15 anos ela foi casada, teve duas filhas, Marilia, 25, e Izabella, 22, mas o casamento chegou ao fim.

De outro relacionamento, que também não prosseguiu, nasceu Gustavo, 6. A primogênita casou, teve uma menina, Melissa, 7, mas o matrimônio não deu certo. Ela, então, voltou para a casa da mãe, com quem mora junto com a filha e os irmãos. “As crianças veem as mães trabalhando o dia inteiro, o esforço que fazemos e acredito que elas crescem mais preparadas para o mundo e com menos preconceito”, ressalta Mônica.

Para Marilia, a constituição de família não deve seguir nenhuma imposição, como projeta o Estatuto. “Vemos tantas histórias de casais na qual o homem bate na mulher na frente da criança. É esse o princípio de família? Família é troca de carinho, amor respeito e cumplicidade, não esse padrão que estão impondo, isso é ultrapassado”.

Em Santo André, um casal de gêmeos, Lavínia e Augusto, de dois meses, completam a família que a funcionária pública Débora Molinari Daneluci, 35 e sua esposa, a delegada Cibele Molinari Daneluci, 47, sempre quiseram ter. Casadas há dois anos, Débora teve os bebês por reprodução assistida. “Foram retirados 13 óvulos ao todo, somando os da Cibele e os meus. Quatro viraram embriões, mas não quisemos saber de quem era. Colocamos dois e os outros dois estão congelados”, contou Débora.

Ela e sua companheira foram o primeiro casal homoafetivo da cidade a conseguir que no registro de nascimento das crianças constasse a dupla maternidade. Aos filhos, passarão os valores que devem ser a base de toda família. “Honestidade, seriedade, bom caráter, respeito ao próximo. Mostrar que, independente de cor, raça, sexo e credo, o que vale é o amor entre as pessoas”, frisou Cibele.

Para especialistas, projeto de lei corresponde a retrocesso

Uma proposta nociva para a sociedade. Essa é a avaliação de especialistas sobre o projeto de lei denominado Estatuto da Família. Para a psicanalista e coordenadora do Laboratório de Estudos da Família, Relações de Gênero e Sexualidade do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo), Belinda Mandelbaum, “este arranjo nuclear não é garantia de criação dos filhos.”

A especialista lembrou que o Censo 2006 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), mostrava que o número de casas com união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável, correspondia a menos do que 50% das composições familiares no País.

No Grande ABC, o levantamento de 2010 do IBGE registrou 126 mil famílias sem cônjuge com filho nas sete cidades. Já a população residente que possuía companheiro do mesmo sexo totalizava 789 pessoas.

Belinda pontua que o projeto fragiliza até os núcleos contemplados pelo texto. “A família é muito dinâmica, se faz e se desfaz no entrecruzamento de vínculos naturais e sociais. Todas são legítimas e os direitos são para todos.”

A professora titular de Direito Constitucional da Faculdade de Direito de São Bernardo e especialista em Direitos Humanos, Denise Auad, aponta a proposta como “um grande retrocesso”. “Traz muitos prejuízos, porque o Brasil já tem adotado medidas que reconhecem direitos patrimoniais, previdenciários, a questão da adoção já está bem encaminhada para casais homoafetivos. Se for declarado como família unicamente a entidade entre homem e mulher, haverá um vazio jurídico em relação aos outros tipos de núcleos que o direito de família já reconhece há bastante tempo.”

Denise salienta ainda o conflito entre poderes que causa o texto. “O STF (Supremo Tribunal Federal) reconhece a união homoafetiva, então, a gente vai ter uma legislação nova que se conflita com uma decisão do STF. Entendo que o Supremo pode declarar este Estatuto inconstitucional. Aí vira um círculo vicioso de briga entre poderes, o que é muito ruim para a democracia.” 




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