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‘Sanar corrupção em curto prazo é ilusão’
Raphael Rocha
Do Diário do Grande ABC
28/01/2019 | 07:00
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 Glauco Costa Leite é juiz titular da 3ª Vara Cível de Mauá há três anos e, nos últimos tempos, tem se dedicado a estudar a corrupção, dentro e fora do País. O magistrado é taxativo em apontar que reduzir os níveis de irregularidade não acontecerá do dia para a noite, até porque há diversos fatores envolvidos no tema. Para Leite, a corrupção não pode ser entendida apenas como algo pessoal, da índole de quem a pratica, mas precisa ser observada por aspectos mais abrangentes. Ele argumenta que há cultura popular do ‘jeitinho’, atuação distorcida de agentes públicos e até mesmo um entendimento popular de que os problemas dos outros não afetam.

 

RAIO-X

Nome: Glauco Costa Leite

Estado Civil: Casado e pai de uma filha

Idade: 40 anos

Local de nascimento: Santo André

Formação: Direito

Hobby: Triatlo no passado (completou três provas de Iron Man). Agora, cuidar da minha filha

Paixões: Leitura, organização de projetos sociais relacionados à caridade, com foco nas crianças abrigadas, e ciclismo

Livro: Como as Democracias Morrem, de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt

Onde trabalha: Na 3ª Vara Cível da Comarca de Mauá

 

Como foi o ingresso do senhor na magistratura?

Fiz ensino fundamental todo no colégio São José, da Vila Pires, em Santo André. Sou andreense, nascido no Hospital Brasil. Um dos meus grandes orgulhos foi ter sido mascote do EC Santo André (risos). Fiz o ensino médio na Fundação Santo André. Até vejo com tristeza todo processo que ela atravessa porque tive formação excepcional na Fundação Santo André e sou extremamente grato aos professores. E depois cursei a Faculdade de Direito de São Bernardo. Estudei durante três anos visando aprovação em concurso público, fui aprovado no terceiro concurso que prestei. Ingressei em abril de 2005. Fui juiz substituto em Santos. De lá me promovi para Aguaí, no Interior. Depois vim para o Juizado Especial Cível e Criminal de Ribeirão Pires. Estou na 3ª (Vara) Cível de Mauá há três anos. Fiz mestrado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Até gostaria de fazer por aqui, mas não temos cursos, poderia ser fomentado. O doutorado faço pela Universidade de São Paulo em parceria com a Universidad de Salamanca, na Espanha.

 

Como surgiu interesse no tema corrupção?

Interesse como qualquer cidadão que se chateia com o fato de que dinheiro público que poderia ir para hospitais e educação escoa pelo ralo da corrupção. Sempre me incomodou que a corrupção era tema muito discutido, reclamado pelas pessoas, mas com poucos estudos sobre as causas, o que gera a corrupção. Como se a corrupção fosse problema de índole pessoal daqueles que a praticam e não de resultado de um sistema político degradado. A tese do meu doutorado deu origem ao livro Corrupção Política: Mecanismos de Combate e Fatores Estruturantes no Sistema Jurídico Brasileiro. A corrupção é tema extremamente vasto. Trabalho algumas causas, que dariam origem à corrupção no sistema político, levanto questões específicas problemáticas tratadas de forma mais próxima, como nomeação de ministros do Supremo (Tribunal Federal), críticas à possibilidade de reeleição. Trato de causas de forma geral e de forma específica alguns pontos. Falo também dos órgãos de proteção da corrupção, das leis. Existe sistema anticorrupção, que não é totalmente eficiente.

 

O senhor identificou as falhas que produzem ou criam chance de se produzir a corrupção?

É conjunto de falhas, é um sistema complexo, não existe uma causa específica que se pode apontar como algo a ser resolvido. Passa pelo financiamento da política, das campanhas eleitorais, pela reeleição, pelo presidencialismo de coalizão, pela dependência do presidente, das bases, pela destinação de verba que os deputados às vezes fazem para as cidades com cunho pessoal daquilo, de autopromoção, pelos Mensalinhos e pedágios da vida. O que acho interessante é que em muitos municípios por aí, não me referindo a nenhum especificamente, vereadores entendem que o trabalho deles é cuidar de problemas pessoais. Como garantir vaga a filho de um morador na creche, ou disponibilizar cesta básica, abrir vaga em hospitais. Eles, como agentes públicos, acabam por intervir para conseguir isso, entendendo que fazem trabalho para a população. Mas não é isso. Na verdade, esse é trabalho que beira a corrupção, porque ele se promove pessoalmente à custa de um serviço público que tem de ser oferecido de forma universal. Não está focando no que era a função dele, promover a política pública. Ele vê que fulano precisa de vaga em creche, ciclano também. Então ele precisaria ver como poderia ajudar o prefeito ou cobrar o prefeito para que sejam criadas creches e parcerias. O trabalho é esse, pensando no bem comum.

 

Qual peso da cultura brasileira do ‘jeitinho’ na manutenção de todo esse sistema?

Sim, tem essa cultura popular. E isso (relação dos agentes públicos com a resolução de problemas pessoais) reforça a cultura do jeitinho. A pessoa entende que não adianta esperar na lista para conseguir vaga em creche: ‘Vou ter de procurar o vereador tal’. Aquela máxima de que só se consegue as coisas conhecendo as pessoas certas. Isso vai sendo reforçado. A população precisa fazer mea-culpa. Muita vezes se questiona muito a corrupção de cima, mas gostaria muito de praticar pequenos atos de corrupção, ou até os pratica, sem perceber que está fazendo isso. A ideia de cidadania, que é de respeito ao espaço comum, do outro, se perde muito facilmente em diversos ambientes públicos. Há gente que não respeita fila, há uso indiscriminado do acostamento em vias, desrespeito às vagas de deficientes. É como se a pessoa pensasse assim: ‘Eu não me importo com as regras e não estou nem aí para o outro desde que isso me beneficie’. É problema de concepção que nós temos. Muita gente aponta que fulano praticou corrupção, mas, eventualmente, oferecia valor para um guarda para se livrar de uma multa.

 

Como se combate a corrupção, então?

Não há ilusão de que isso seja resolvido em curto prazo. Por ser questão cultural. A corrupção não se resolve do dia para a noite. Nunca se resolveu no mundo inteiro. Tem de procurar reduzir o grau de corrupção, diminuindo as possibilidades para que, antes de praticar a corrupção, o agente pense que possa haver consequências, que ele pode sofrer. O que não ocorria, especialmente até pouco tempo atrás, àqueles que estavam em níveis superiores. Em universo de olharmos para trás, dois a três anos atrás, nunca tínhamos visto senador preso, deputados detidos, grandes empresários (presos). É algo novo e bom. Porque essas pessoas agiam com a certeza da impunidade. O medo da punição é algo que desestimula a corrupção.

 

Em alguns de seus artigos, o senhor cita que a população entende que democracia é só em época de eleição, em crítica a esse olhar popular. Por que isso acontece?

Vamos ter longa jornada histórica, na nossa formação institucional. Fomos colônia, recebíamos administração de fora. Demorou para o povo ter direitos, para tentar se organizar um pouco. Somos País relativamente novo, 518 anos é relativamente pouco para uma civilização. Nossa federação ocorreu mais de fora para dentro do que de dentro para fora. Temos País continental, com diversas culturas, necessidades absolutamente distintas e o governo é centralizado. É muito difícil atender essas especificidades. Os Estados precisariam de mais autonomia, já seria um elemento facilitador. Fora isso, na questão do desinteresse da população pela política, há várias causas. Uma delas é a própria modernidade em si, a necessidade de respostas rápidas, que muitas a política tem respostas em tempos diferentes. A política demanda naturalmente discussão no Parlamento, análise. Vejo também que há falta de interesse pelo que é comum. As pessoas nutrem cada vez mais individualismo, o materialismo. ‘Enquanto não chega no meu sapato, eu vejo os problemas dos outros e não me afeta’, muitos pensam. Parte da classe média mantém os filhos em escolas particulares e paga, com muito esforço, um plano de saúde particular. Essa parte não se move para exigir que os sistemas de saúde e educacional públicos sejam melhores, como um todo. Isso impede uma melhoria total, que beneficiaria a todos. Há questão cultural de que não estamos tão acostumados a lutar pelos nossos direitos. Por isso, na figura dos nossos governantes, procuramos alguém que resolva todos os problemas. A partir do momento em que colocamos essa pessoa lá entendemos que nossa missão está cumprida, que não teríamos que participar, de colaborar com o governo. Não é só contestar, algo muito fácil. Até que ponto os cidadãos procuram participar do conselho municipal da criança e do adolescente, do conselho de segurança, do conselho de saúde? Quantos municípios promovem os orçamentos participativos, com ou não caráter vinculativo, mas para que seja ouvida a população. Precisa de um lado o poder público estar mais aberto e criar canais institucionais para que o povo possa ser ouvido e, do outro lado, o povo entender que faz parte do governo, tem de colaborar para apresentar suas pautas, cobrar legitimamente o governo.

 

Sobre a Lava Jato, há quem coloque o trabalho como marco na história do País e outros que apontem abusos no curso da investigação. Qual a sua leitura?

O resultado final é extremamente positivo. Acho que devem ter ocorrido falhas também. Não é simples comentar sem ter acesso aos autos, só via notícias. Não fico à vontade para fazer críticas pontuais, falo de modo geral. Há pontos que, talvez, poderiam ser repensados. Tudo precisa ser aperfeiçoado. Era embate de poder muito forte, com pessoas muito poderosas. A máquina envolvida, aliás. Se conseguiu resultado muito positivo. Não sei se todas as medidas foram feitas como eu faria. Até porque não é minha área, a criminal. Mas, sem dúvida, há ruptura de modelo. Até então nunca tinha visto empresários do quilate de Marcelo Odebrecht efetivamente presos. Pessoas com a ascendência de Eduardo Cunha, governadores de Estado, como no Rio de Janeiro, presos. É algo que não era real. O escândalo de corrupção virava afastamento, impedimento de concorrer em novo pleito. Quanto a isso, algo que precisa ser enaltecido como iniciativa popular, é a Lei da Ficha Limpa.

 

Como viu a aceitação do juiz Sérgio Moro para atuar no governo de Jair Bolsonaro?

É opção dele, algo de caráter pessoal. Como disse o ministro Marco Aurélio (Mello, do STF), deve ser respeitada a vontade dele. Ele sabia de tudo que virá.

 

Como ministro da Justiça o senhor acha que ele conseguirá levar adiante todas as promessas feitas, de combate à corrupção?

Agora o foco é totalmente diferente. Ele é figura de bastante peso. Tanto internacional quanto nacional. Acho que consegue medidas importantes em combate à lavagem de dinheiro, ao crime organizado. Ele deve conseguir evoluir nesse sentido.

 

O senhor acha que ele fará bom trabalho no governo?

Acredito que sim. Sinceramente acho que vai manter certo afastamento da magistratura, do Ministério Público, entendendo bem o novo papel dele, de ministro, de cuidar do ministério. Ele deixou a magistratura, não é mais juiz. E quando juiz, ele respondia pelos processos da vara dele (a 13ª Federal, de Curitiba). É complicado o fato de as pessoas, em qualquer caso que aconteça no governo, irem questioná-lo, como se ele devesse responder pela moralidade do governo todo. Ele precisa ser cobrado pela pasta dele e nas funções que a pasta tem. Não pode responder por questões pessoais, de outras figuras de governo.

 

Como o senhor tem acompanhado a situação política de Mauá?

Situação que não posso comentar, até pela possibilidade de vir a julgar questões relacionadas às pessoas envolvidas. Embora a investigação esteja na Justiça Federal, há desdobramentos que, eventualmente, podem vir para cá. Até pela Lei Orgânica da Magistratura o juiz não pode se manifestar sobre casos que pode vir a julgar. Sobre o aspecto que posso dizer, de maneira geral, sem especificar a cidade, é que trocas constantes de governo, sob aspecto de políticas públicas, são péssimas para continuidade delas. Seja aonde for.




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