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Além dos passeios Tiradentes oferece verdadeiras aulas de história ao ar livre

Colocar os pés no Centro histórico de Tiradentes é como viajar no tempo, conforme o visitante permite passear pela cidade

Por Soraia Abreu Pedrozo
Do Diário do Grande ABC
09/01/2020 | 07:14
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Ari Paleta/Divulgação


Colocar os pés no Centro histórico de Tiradentes é como viajar no tempo, cujo enredo vai se desenrolando e tomando forma conforme o visitante se permite passear sem rumo, se perdendo por suas ruas de pedras, casas elegantes e simétricas e igrejas que hipnotizam. Todas as construções são brancas e têm molduras nas portas e janelas, predominantemente amarelas, azuis, marrons, verdes e lilás.

A arquitetura colonial barroca que domina essa região da cidade remonta ao século XVIII, época em que foram descobertas minas de ouro e começou a ser construída a Estrada Real, que ligava Ouro Preto (então Vila Rica) a Paraty, no Rio de Janeiro. Portugal oficializou, à época, que só podia entrar e sair de Minas Gerais por esse caminho, o oficial da Coroa Portuguesa. A abertura de vias alternativas era considerada crime de lesa-majestade, contra a pessoa do rei. A punição era a morte severa e a pessoa era queimada viva. Esse ciclo começou depois que, em 1680, o Brasil enfrentou crise do açúcar e a metrópole precisava de outras fontes de renda para manter a colônia, então passou a financiar expedições de bandeirantes para buscar pedras preciosas.

O município mineiro só é preservado dessa forma por ser tombado pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) desde 1938 – qualquer alteração nas fachadas deve ter autorização do órgão. Para se ter ideia, quando veio a ideia de substituir o calçamento das ruas do Centro histórico, em 1960, por solteironas, que são pedras grandes, o Iphan não permitiu e determinou que fosse mantido calçamento de pé de moleque, menor e irregular. Isso denota a importância da via no período colonial. Quem colocava essas pedras eram os escravos, e os filhos deles, chamados de moleques, vinham atrás pisando na argila e no barro para rejuntar. Outra explicação para o nome era que mulheres faziam doce de amendoim, no século XIX, e colocavam na janela para esfriar. Os meninos roubavam e elas gritavam: “Pede, moleque! Não rouba!”.

Tiradentes é extremamente cenográfica, e inspira dezenas de cliques a cada esquina. É difícil não se imaginar em meio às filmagens de Hilda Furacão, Memorial de Maria Moura, Coração de Estudante ou Espelho da Vida. E parte dos louros colhidos pela exposição cada vez maior do destino se deve ao fato de o diretor da Rede Globo Ives Alves, que morava na cidade e por ela era apaixonado, tê-la transformado em cenário para as produções. Quando teve essa ideia, nos anos 1990, o local estava abandonado, mas parceria com a Fundação Roberto Marinho contribuiu para restaurar dezenas de casas.

A charmosa cidade também transpira história. Não à toa, uma vez que a reunião que deu início à Inconfidência Mineira, movimento de revolta separatista contra a Coroa Portuguesa – organizado pela elite mineira, mas que foi descoberta e penalizou Tiradentes, o único a admitir participação, e esquartejá-lo. E para mergulhar nessa atmosfera e vivenciar, in loco, os acontecimentos que culminaram na também conhecida como Conjuração Mineira, agências de turismo locais oferecem passeio obrigatório para se ambientar e trazer ainda mais sentido à viagem.

O Becos de Tiradentes, proposta da Agência Estrada Real Turismo que explora o centrinho a pé (R$ 50), tem cerca de duas horas de duração e, além de explicar a origem de expressões que usamos até hoje em nosso vocabulário e destacar cantinhos e becos que facilmente passariam despercebidos, transporta o turista ao Ciclo do Ouro, importante período de transformação em que o foco econômico foi deslocado do Nordeste para o Sudeste, e Tiradentes, São João del-Rei e Ouro Preto se tornaram protagonistas. Só para se ter ideia, no início dos anos 1700 o Brasil colônia possuía 300 mil habitantes e, no fim século, em 1800, havia 3,2 milhões. Foi quando as cidades começaram a se formar, e a primeira coisa que se fazia na época era construir capela em honra a um santo, que seria o padroeiro do local. Todo novo grupo que se formava ou se isolava, a Igreja, por ter poder político, o abrigava, mas em outro lugar. Por isso há tantas igrejas e capelas nas cidades históricas.

VIA-SACRA

A principal delas é a Igreja Matriz de Santo Antônio, situada no ponto mais elevado da cidade, e onde uma vez por semana, toda sexta-feira, às 20h, é possível apreciar concerto de órgão com música barroca no local. Trata-se da segunda igreja mais rica em ouro do Brasil, com 482 quilos – atrás apenas da Igreja e Convento de São Francisco, em Salvador (Bahia). Dali se tem vista impressionante da cidade, Sua fachada atual é de 1810, com planta de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho – para ver suas obras é preciso ir até a vizinha São João del-Rei, na Igreja São Francisco de Assis, na qual ele fez o altar e a portada.

Abaixo dela há a Igreja Nossa Senhora do Rosário, que pertencia aos escravos. Segundo o guia turístico Fabrício Rodrigues, em qualquer cidade histórica que se for, igreja com esse nome pertencia aos escravos africanos, os primeiros que chegaram ao Brasil. Eles faziam seus rituais e a igreja permitia isso, fazia vista grossa. Foi daí que surgiu a tradição do congado. “Os filhos dos escravos, os crioulos, porém, não tinham essa liberdade. A Igreja fez capela só para eles, para que eles fossem doutrinados apenas pela religião católica: Nossa Senhora das Mercês, para homens pretos nascidos no Brasil entre 1740 e 1750, padrão desenvolvido nas cidades históricas”, conta.

Vale também visitar: Capela Bom Jesus da Pobreza, que a Igreja fez para abrigar homens brancos e pobres; Capela de São João Evangelista, voltada aos mulatos, filhos de brancos com pretos; Capela de São Francisco de Paula, que tem em sua frente amplo gramado que reserva a melhor vista da cidade, com ângulo único para a Igreja Matriz e inesquecível pôr do sol.

No cruzeiro em frente à capela foi filmada emblemática cena de Hilda Furacão em que personagem de Ana Paula Arósio se despe para o padre interpretado por Rodrigo Santoro.

Reserve alguns trocados para entrar nas igrejas e capelas, que costumam cobrar entre R$ 2 e R$ 5 por entrada – é o meio de preservar o patrimônio.
 




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