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Rios espalhados pela região são utilizados como depósito de lixo

Antes considerados áreas de lazer, córregos hoje são vistos como vilões por especialistas

Por Daniel Macário
Do Diário do Grande ABC
05/11/2017 | 07:00
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André Henriques/DGABC


 Utilizados por moradores da região até a década de 1940 como fonte de lazer para pesca, banho e passeios de barco, rios que cortam avenidas e bairros da região são hoje um dos principais vilões da qualidade de vida dos cerca de 2,7 milhões de habitantes do Grande ABC. A afirmação é feita por especialistas que participaram do projeto Rios + Cidades, em Santo André, para debater a situação das águas que jazem em torno dos sete municípios.

Em discurso unânime, especialistas em meio ambiente, arquitetura e urbanismo são enfáticos ao afirmar que os córregos que cortam a região tornaram-se vilões, devido à degradação de suas águas e margens, agredidas por esgoto, detritos e rejeitos de toda ordem. Condenados e considerados estorvos, são cada vez mais usados pela própria população como lixões.

“Ninguém mais consegue se aproximar dos rios. Ninguém é amigo do rio, e nem o próprio rio é amigo da cidade. Durante anos utilizamos bem esses espaços. Aproveitamos, usufruímos do seu lazer. Mas o que ocorreu depois? Desvalorizamos, desapropriamos para fazer nossas avenidas de várzea e, por fim, tornamos os rios verdadeiros depósitos de lixo”, afirma o arquiteto e urbanista José Eduardo Tibiriçá, gerente de gabinete do CAU (Conselho de Arquitetura e Urbanismo) de São Paulo.

Em praticamente todas as cidades do Grande ABC esse cenário procede, e o Rio Tamanduateí, que nasce em Mauá e corta Santo André e São Caetano, até desaguar no Tietê, na Capital, talvez seja o exemplo mais emblemático do descaso com que a população e o poder público o tratam. Com a água turva pela poluição e leitos e margens tomados por lixo e toda espécie de dejetos, o rio hoje é sinônimo de problema para muitos moradores. “Durante anos, quando eu era moleque, nadei lá em Mauá neste rio. Hoje, se alguém pular aí só pega doença”, relata o ajudante de pedreiro Roberval Nunes Pinto da Silva, 63 anos.

Sem condições de uso por conta do grau elevado de poluição, os leitos se viram engolidos pelas construções urbanas, que se apoderaram de suas margens sem critérios nem pedido de licença. “A construção de avenidas de várzea em cima de rios não é o único problema. É só percorrer a região para ver moradias às margens de córregos com esgoto sendo jogado direto na água”, avalia professora da UFABC (Universidade Federal do ABC) Luciana Rodrigues Travassos, especialista em Arquitetura e Urbanismo e doutorada em Ciência Ambiental.

Embora não se tenha números oficiais sobre quantas famílias moram nos entornos de rios e córregos, para a ambientalista a solução deste problema é um só: investir em nascentes localizadas em áreas de vulnerabilidade. “É preciso parar de pensar em projetos de canalização sem antes realizar trabalho efetivo em áreas carentes, onde famílias da região vivem com esgoto a céu aberto com uma desigualdade social inimaginável. O rio precisa voltar a ser espaço de lazer para essas pessoas”, enfatiza.

 

REFLEXOS

Apesar dos esforços, as consequências causadas pelo desgaste de rios é tão grande que tem impactado a economia do Grande ABC. Embora as áreas inundáveis estejam bem menores do que há cinco anos, segundo os especialistas, os efeitos das chuvas torrenciais ainda têm forçado municípios a desembolsarem, anualmente, investimentos em obras emergenciais para tentar conter as enchentes.

Desde o ano passado, ao menos três intervenções de médio porte foram executadas às margens do Tamanduateí, sendo uma referente a obras de contenção, em trecho localizado no bairro Prosperidade, em São Caetano; e outras duas em Santo André, onde foram feitas a reconstrução de ponte que cedeu após forte chuva e também a contenção de trecho onde cratera se abriu. Só nessas obras, cerca de R$ 13 milhões foram investidos. “Se gasta muito só para medidas meramente paliativas. A solução ainda está muito distante e, até lá, muito dinheiro deve ser gasto em obras de emergência”, pondera o arquiteto e urbanista Gildo Severino dos Santos, gerente da regional Grande ABC do CAU.

Desenterrar os rios da cidade para criar espaços de lazer, devolvendo à região áreas verdes, assim como já foi feito em países desenvolvidos, é uma das propostas apresentadas pelo grupo de especialistas para reverter este cenário.

“Se você muda a concepção da população sobre o rio e mostra o quanto esses espaços podem ser utilizados com a finalidade de lazer, com certeza as pessoas vão pensar duas vezes antes de jogar um lixo, ou construir uma casa com esgoto para o rio. Esse é o passo inicial, se isso for feito, voltaremos a ter o rio como um amigo”, afirma Tibiriçá.




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