ABC da Economia Titulo Análise
Sobre a reconversão industrial
Por Wellington Messias Damasceno*
04/09/2020 | 00:07
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Para salvar vidas, governos investiram pesadas somas em compras de insumos e equipamentos médicos, sobretudo, respiradores – aparelho vital para as vítimas mais graves da pandemia. Com o forte aumento da demanda mundial, esses equipamentos passaram a ser muito disputados. Com a produção insuficiente, governos e empresas passaram a empregar a reconversão industrial para produção local destes equipamentos, utilizando a ociosidade dos parques industriais, aumentando a agilidade na obtenção destes insumos e reduzindo a dependência externa. A reconversão pressupõe a rápida adaptação das indústrias que possuam certa flexibilidade e estejam operando abaixo da capacidade, para fabricação de outros produtos. Tratei deste tema na 13ª Carta de Conjuntura da USCS.

Iniciativas de reconversão aconteceram em vários países. Na China foram criadas linhas de crédito específicas para a reconversão. Nos Estados Unidos, GM, Tesla, Ford, além da Boeing, e outras produziram cerca de 30 mil ventiladores. No Japão, houve subsídio de 30,6 milhões de ienes para a reconversão de linhas de produção. Na França, formou-se um consórcio entre a Air Liquide, o grupo Peugeot/Citroën, Schneider e Valéo para a produção de 10 mil respiradores.

No Brasil, surgiram movimentos voltados à recuperação e manutenção de respiradores parados, produção de máscaras e aumento da produção de empresas brasileiras. O Senai Cimatec (na Bahia) coordenou ações para levantar junto ao poder público os respiradores fora de uso e encaminhá-los para manutenção em empresas que se voluntariaram, sobretudo nas montadoras.

A Mercedes-Benz em São Bernardo auxiliou a fabricante de respiradores KTK a aumentar sua produção, fabricando componentes ou cedendo trabalhadores para auxiliar no incremento de produção. O Instituto Mauá de Tecnologia, em parceria com a Mercedes-Benz, desenvolveu um automatizador para respiradores manuais com a patente aberta para a empresa que se disponibilizar a produzir com o compromisso de doar os equipamentos. A produção de máscaras foi ampliada por empreendimentos de economia solidária e sindicatos, como o caso do Sindicato das Costureiras do ABC.

Importantes frentes ocorreram na UFABC, USP, IPT, entre outras, no campo do desenvolvimento de equipamentos de custo menor e soluções alternativas aos equipamentos padrões, além da busca pela nacionalização de produtos importados ou da tropicalização de muitos componentes.

Essas iniciativas reforçaram a quantidade de equipamentos, sobretudo, respiradores, na linha de frente da atuação dos profissionais da saúde, permitindo salvar muitas vidas. Porém, essas ações aconteceram de forma voluntária. Em raros casos resultou na integração destas produções aos parques industriais. Após a retomada da produção, deixaram de continuar o trabalho de apoio. A grande dificuldade está na falta de coordenação governamental. Não houve ação dos governos, seja federal sejam estaduais, em direcionar estas iniciativas. Quando se olha para o desenvolvimento de produtos, adaptação ou nacionalização de componentes, falta estratégia aos entes públicos para viabilizar recursos ou promover a aproximação entre o desenvolvimento tecnológico e a produção.

O Sindicato dos Metalúrgicos do ABC têm inserido a reconversão em pautas encaminhadas aos governos e associações empresariais, como Anfavea, Sindipeças, Abimaq e Abinee. A transformação de unidades fabris ociosas ou com produtos obsoletos, voltando-se para a produção de equipamentos e insumos na área médica, deveria ser parte central das ações de governo. O Brasil poderia ainda exportar parte desta produção. A produção de materiais para a área da saúde é estratégica e permitiria diminuir nossa carência histórica no atendimento à população, atuando num setor que movimenta bilhões de dólares e tem deficit comercial de US$ 8,3 bilhões (2019).

No Parlamento, já há projetos de lei com o intuito de articular as ações voltadas à reconversão, visando, por exemplo, custear o desenvolvimento, inovação e reconversão de linhas de produção. É possível avançar na reconversão voltada a outros setores estratégicos, como infraestrutura, energia e alimentação.

Após a pandemia, as cadeias globais devem ser alteradas, com os países industrializados ou emergentes incentivando a nacionalização, alterando o perfil de suas importações e direcionando esforços para novas tecnologias. Uma política nacional de reconversão industrial pode reposicionar o Brasil na nova indústria global. A reindustrialização do país requer ainda estímulo e valorização das atividades de P,D&I, capacitação técnica dos trabalhadores e articulação dos setores visando à nacionalização de peças, sistemas, máquinas e equipamentos.


* Diretor do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e pesquisador convidado do Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura da USCS 




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