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Saúde mental preocupa em tempos de crise do coronavírus

Grande ABC registrou êxodo no atendimento de psicoterapia durante a pandemia de Covid

Flavia Kurotori
Do Diário do Grande ABC
25/01/2021 | 00:05
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Sxc.hu


Além das 110,5 mil pessoas que foram infectadas pelo novo coronavírus, das quais 3.901 morreram no Grande ABC, a pandemia deixa outros rastros na saúde da população. Uma das principais preocupações é com a saúde mental e a emocional, uma vez que as medidas restritivas alteraram relações sociais e obrigaram que alguns pacientes interrompessem o tratamento.

Segundo o Datasus, banco de dados do Ministério da Saúde, a quantidade de atendimentos em psicoterapia, tanto individual quanto em grupo, reduziu 69,6% em 2020 ante 2019, caindo de 234 para 71 na região.

Ivete de Souza Yavo, gestora do curso de psicologia da USCS (Universidade Municipal de São Caetano), explica que a interrupção do acompanhamento psicológico e psiquiátrico pode levar a agravos que impactam não apenas em questões mentais, mas também na integridade física. “Principalmente quando consideramos que não estávamos emocionalmente preparados para lidar com o confinamento social”, observa.

Sem acompanhamento, os sintomas podem agravar, resultando em mudanças de comportamento. “Não à toa tivemos aumento dos casos de violência doméstica e de suicídios em 2020. A longo prazo, os danos podem ser gravíssimos, principalmente se considerarmos estes aspectos somados ao desemprego, ao impacto familiar e nas relações sociais”, alerta Ivete. Segundo ela, o isolamento obrigou as pessoas a se olharem mais de perto. Assim, as principais queixas no período estão relacionadas a escolhas profissionais e problemas familiares.

Jamili Rasoul Salem de Souza, coordenadora do curso de psicologia da FMABC (Faculdade de Medicina do ABC), destaca que o CRP (Conselho Regional de Psicologia) recomendou que os profissionais mantivessem as consultas on-line, justamente para evitar maiores prejuízos. Desde então, novos pacientes começaram a surgir. “Tivemos a queda nos atendimentos, mas aos poucos foram retomando. Foi muito difícil a reestruturação para os atendimentos, pois os psicólogos também precisaram se readaptar.”

A gerente de projetos Bárbara Thimotéo, 22 anos, de Santo André, é uma das pessoas que iniciaram a psicoterapia durante a pandemia, em abril. “(O que) Me motivou (foi) o fato da pandemia. Ao ficar isolada, vi que algumas questões começaram a ficar difíceis, sem aquelas atividades para dar uma despressurizada. Comecei a ficar mal fisicamente e mentalmente, e também tive incentivo do meu namorado para buscar ajuda”, conta. Ela nunca tinha feito terapia, porém, aprendeu que cuidar da saúde mental e emocional é tão importante quanto a preocupação em manter a saúde física.

Bárbara afirma que o principal benefício das sessões é conseguir organizar as ideias. “Isso me ajuda com o autoconhecimento, a descobrir e a entender questões que tenho comigo mesma e com as outras pessoas, e isso faz com que eu saiba lidar com as situações que me tiram do centro, que me trazem sentimentos ruins”, detalha. “Quanto a terapia mais casa com o momento da sua vida, mais você passa a considerar os seus sentimentos com importância”, completa.


Tema de redação do Enem abordou cenário

Embora a importância do diagnóstico e do tratamento de doenças mentais esteja ficando em evidência com o passar dos anos, este é um tema que ainda é cercado de preconceitos.

Em busca de trazer luz ao debate, o tema da redação do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) foi ‘o estigma associado a doenças mentais na sociedade’. O primeiro dia de prova aconteceu no dia 17 – ontem foi realizada a segunda etapa do exame.

Outra ação para chamar atenção à situação foi a implementação do Janeiro Branco – o mês é dedicado à conscientização sobre cuidados à saúde mental e emocional.

“A medida em que vamos tendo consciência de que somos um corpo, um todo, e que não adoecemos apenas de uma parte, mas adoecemos no todo, diminuímos nosso sentimento de onipotência e buscamos ajuda profissional”, avalia Ivete de Souza Yavo, gestora do curso de psicologia da USCS. A profissional exemplifica, sem citar números, que a demanda da clínica de psicologia da universidade aumentou após retomada das atividades, em setembro. Além disso, a cada semestre cresce a quantidade de candidatos que desejam ingressar no curso.

Na avaliação de Jamili Rasoul Salem de Souza, coordenadora do curso de psicologia da FMABC, o preconceito acerca de doenças e transtorno psicológicos foi atenuado. Mesmo assim, ainda é um assunto que precisa ser “melhor tratado”. “As pessoas que sofrem de transtornos ou doenças mentais não procuram tratamento porque não fazem ideia de que sua tristeza, cansaço e nervosismo crônicos podem ter fundo patológico. O diagnóstico é a parte mais difícil, apesar de todas as dificuldades enfrentadas”, destaca.

Em relação ao tratamento, Jamili lembra que o processo pode levar anos e requer empenho e colaboração do paciente, o que “mostra-se uma exigência muito mais difícil do que aparenta”. Por este motivo, a psicóloga reforça a importância da quebra do preconceito que ronda estas condições, uma vez que atrapalham o diagnóstico e a melhora “de indivíduos que, corajosamente, buscaram ajuda e tratamento para sua condição”.
 




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