Nacional Titulo
Divórcio, pedofilia e outros calos da Igreja
Do Diário do Grande ABC
06/05/2007 | 07:23
Compartilhar notícia


O teólogo e escritor Leonardo Boff costuma repetir uma frase do pai dele: “Deus inventou os padres e o sacerdócio; o diabo inventou o clero”. Um dos principais expoentes da Teologia da Libertação no Brasil, ele desafiou posicionamentos e regras da Igreja Católica como poucos, focando a crítica, quase sempre, no âmbito de poder representado pela alta cúpula do Vaticano. Temas nevrálgicos como aborto, anticoncepção, celibato, divórcio, homossexualidade e, especialmente, pedofilia, têm dado muita dor-de-cabeça aos mandatários da Igreja nos últimos anos.

O clero citado por Boff sofre para manter dogmas que batem de frente com uma realidade que inclui Aids, menores abandonados, explosão de denúncias de abusos sexuais envolvendo padres, homossexuais clamando por aceitação e milhões de católicos que se casam mais de uma vez.

Com visão no mínimo peculiar dos acontecimentos, o catolicismo tende a se voltar cada vez mais para a obediência às regras fundamentais nessa era Ratzinger, embora, por justiça, não possa ser considerada uma das religiões mais conservadoras do planeta. Como exemplo, não prevê séries de punições contra não-seguidores, como tantas outras.

“Há um cenário de manutenção do padrão tradicional católico, do discurso rígido. A Igreja tem uma postura de não mudar por achar que é detentora da verdade. Mas o certo é que, discretamente, flexibiliza normas à medida que a sociedade as flexibiliza”, diz Maria José Rosado-Nunes, PhD em Sociologia pela Écoles des Hautes Études en Sciences Sociales (França) e especializada em assuntos relacionados a gênero e sexualidade.

A professora-doutora ilustra sua afirmação explicando as regras atuais para o segundo casamento. O casal católico que desiste da união pode pedir anulação do casamento alegando, por exemplo, que desconhecia características do caráter ou da personalidade do outro. “As possibilidades de reversão, no passado, eram restritas (basicamente, o homem alegava ao padre que a mulher não era mais virgem); agora a Igreja trabalha mais fortemente com a idéia da dissolução.” Seria ponto para o Vaticano – que finalmente admite que pode ter havido sexo em tal união e, mesmo assim, aceita o pedido de anulação –, não fosse a outra situação figurativa criada pelo clero. Trata-se de alternativa à anulação, para casais que permanecem um bom tempo juntos e decidem se separar, sem muitas satisfações consideradas plausíveis pela religião. “A Igreja passou a aceitar outro casamento, heterossexual, claro, mas neste segundo casamento, não pode haver a prática do sexo”, revela Maria José. Esse casal também não poderia fazer a comunhão em sua paróquia, o que revela uma incoerência – a da Igreja que propõe ao católico que não viva a plenitude de sua religião.

“Nem todo mundo concorda que as regras são absurdas. Uma coisa é burlar essas regras, a outra é dizer que devem ser abolidas. A Igreja tem 2 mil anos e é muito mais sábia do que eu e você. A sociedade moderna só tem 200 anos. O Vaticano apenas não pode suportar a transparência do governo democrático porque poderia pôr em risco tudo que construiu”, observa o filósofo Luiz Felipe de Cerqueira Pondé, professor do Departamento de Teologia e Ciências da Religião da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).

Sobre o homossexualismo, Pondé ressalta que a Igreja não condena as pessoas com essa orientação, o fato é que o catolicismo vê a condição como um “sofrimento”. “É aquela coisa: não aceita o pecado, mas abraça o pecador. Não quer que o homossexual seja espancado, mas que reflita, que sinta uma certa angústia.”

Ainda relativizando as culpas impetradas contra a Igreja Católica no que tange ações e costumes, Pondé fala das denúncias de pedofilia contra religiosos afirmando que a Igreja “é tão responsável quanto qualquer instituição de poder”. “Ela não tem o monopólio da pedofilia no mundo! O problema existe na espécie (humana) há milhões de anos, não é exclusividade católica.”

ABORTO

Com o advento da descriminalização do aborto em países de maioria católica como Portugal, Colômbia e México, a igreja está amedrontada. Vale lembrar que o Vaticano não aprova o procedimento nem mesmo nos dois casos contemplados pela lei brasileira (estupro e casos graves de malformação do feto). “O movimento de legalização vai chegando perto do Brasil e gera uma crise, pois é o último espaço de manifestação de poder da Igreja Católica”, diz Maria José Rosado-Nunes. De sobreaviso, a Igreja sabe o quanto é importante ganhar essa batalha, especialmente em países repletos de católicos como o nosso.

Mas o que é ser católico? A religião decreta que o católico é todo aquele que foi batizado, simplesmente. Depois do ritual pelo qual muitos de nós passamos quando bebês, ninguém deixa de pertencer à religião, a não ser que seja excomungado, prática rara na Igreja. Assim, não é difícil entender que muitas pessoas não respeitem todas as ordens do Vaticano e, mesmo assim, sintam-se tão ligados à religião. “Ser católico não passa pela prática, como no caso dos evangélicos”, afirma Maria José.



Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;