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Grande ABC tem ao menos 302 pessoas em situação de rua

Número é estimado pelas administrações; moradores relatam experiência dolorosa

Por Yara Ferraz
Do Diário do Grande ABC
21/03/2016 | 07:00
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Celso Luiz/DGABC


Em esquinas, debaixo de viadutos, nos faróis, eles estão lá. Alguns preferem não olhar ou fingir que não existem, mas eles continuam presentes em todas as cidades do País. No Grande ABC, as prefeituras estimam que ao menos 302 pessoas estejam em situação de rua (São Bernardo, Diadema e Rio Grande da Serra não forneceram informações).

Os números são baseados na quantidade de atendidos nos serviços municipais. Porém, como a população é flutuante e muitos que estão nas ruas não utilizam os espaços oferecidos pelo poder público, a quantidade pode ser ainda maior. O Diário foi às ruas e conversou com alguns deles sobre a vida sem teto, além de família, drogas e religião. As histórias são surpreendentes e retratam a desigualdade e falta de oportunidade em uma sociedade cada vez mais preocupada com o consumo e menos com as pessoas.

Natural de Mococa, no Interior do Estado, Jorge Gonçalves tem 71 anos. Analfabeto e catador de recicláveis, tem paixão pela agricultura, profissão que exerceu mais de 40 anos atrás, quando ainda morava em uma casa. Hoje seu lar é embaixo de viaduto no bairro Jardim, em Santo André.

Os olhos azuis e bonitos há muito perderam os sonhos e a esperança, mas mostram um brilho durante toda a conversa. “A vida é difícil há muito tempo. Minha mãe morreu afogada e meu pai, que era alcoólatra, se matou. Tenho uma irmã mais nova, a Maria de Lourdes, mas não sei se está viva.”

Ele veio para São Paulo para tentar começar uma nova vida, mas a realidade foi dura por aqui. “Tinha um barraco, mas pegou fogo. Desde então, fico andando por aí. Perdi a noção do tempo. Pego entulho durante o dia, compro uma marmita e durmo.”

As suas roupas foram roubadas e ele tenta se virar com uma calça e duas blusas. “Sei que tem gente que não gosta, cheira mal, né? Mas me viro quando dá”, afirma.

Questionado sobre os sonhos, a resposta é dura. “Não tenho lembranças ou sonhos.”

No Centro da cidade, onde também fica a Casa Amarela, Antônio, 30, vive pelas redondezas. Ele é natural do Piauí, religioso e homem de poucas, mas sábias palavras. Veio procurar emprego no município e afirma que, mesmo com as dificuldades, que são muitas, não tem vontade de voltar para casa. “As pessoas não me aceitam mais.”

A Bíblia e a camiseta com os dizeres “Não diga para Deus o tamanho dos seus problemas, diga para seus problemas o tamanho de seu Deus” são os companheiros. “Muitos me chamam para ir à igreja. Mas acredito que Deus está no coração de cada um. Não sei ler, mas tenho a Bíblia comigo.”

A saúde é uma das principais preocupações de Antônio, que optou por dizer apenas o primeiro nome. Ele já teve malária e dengue. Atualmente, por causa da asma, sofre com as noites frias e a pneumonia. “Aqui é rir para não chorar. Daqui a pouco escurece, vai chegando a noite e a madrugada. A madrugada, ah, ela é tenebrosa. Quem te disser que dorme está mentindo. A gente cochila e desperta com qualquer barulho. A rua é um perigo. Você não sabe quem está do seu lado. Queria ver se esse povo que passa de nariz empinado e maltrata a gente aguentaria uma madrugada no frio e na chuva. A nossa vida não é fácil e tem gente que ainda chama de vagabundo.”

Mesmo com as dificuldades, o sentimento de amizade também prevalece. Um outro morador, natural de Caraguatatuba, anda com Antônio desde que chegou aqui, há cinco meses. Por causa de um desentendimento com a mãe, virou morador de rua há cinco anos. Na data em que conversou com a reportagem, era seu aniversário de 48 anos. Ele não quis dizer seu nome.

“Vim para cá vender meu artesanato, mas roubaram tudo. Trabalhei muito tempo como operador de máquina, mas machuquei meu braço e estou tentando me aposentar. Tenho fé que vou conseguir e, assim, alugar uma casa.”

A reportagem comprou um simples refrigerante, a pedido dele. Deliciado, disse: “Não lembrava a última vez que tinha tomado um desse.”

Prefeituras oferecem serviços especializados a esse público

As prefeituras da região têm programas especializados para a população de rua. Em Santo André, são 167 moradores nessa situação, sendo que no ano passado eram 200. A Prefeitura conta com o Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua – Casa Amarela, que oferece atendimento psicossocial para orientação e encaminhamentos a outros serviços socioassistenciais. Também são ofertadas 80 vagas em dois albergues.

Há ainda o consultório de rua, veículo que chega até as pessoas que estão nesta situação e necessitam de cuidados e orientações, além de encaminhamentos para as unidades de Saúde do município.

Mauá mantém o Centro Pop voltado a essa população. Nele são oferecidos identificação e inclusão das pessoas em situação de rua no Cadastro Único, acolhida individual e em grupo, atendimento psicossocial, entre outros serviços.

A cidade tem estimativa de 90 moradores de rua, número menor que o contabilizado em 2015 (120 pessoas) e 2014 (100 pessoas).

São Caetano afirmou que 17 pessoas em situação de rua foram abordadas em 2014 e 46 em 2015. Apenas cinco são moradoras da cidade e perderam o vínculo familiar. O serviço destinado a elas é feito pelo Creas (Centro de Referência Especializado em Assistência Social).

Em Ribeirão Pires, a Casa da Acolhida tem capacidade para atender total de 40 pessoas por mês. No local, os munícipes em situação de rua participam de atividades culturais, esportivas e recebem acompanhamento.

Especialistas cobram mais políticas públicas para a população

Para especialistas em Ciências Sociais, o problema da falta de moradia e condições básicas para a população pode se agravar em tempos de crise, como atualmente. A coordenadora do curso de Ciências Sociais da Universidade Metodista de São Paulo, Claudete Pagotto, destaca que a situação é fruto do modelo de urbanização da região. “Ele prioriza muitos empreendimentos imobiliários ao invés do acesso a políticas de habitação. Além disso, o Grande ABC sofreu, na década de 1990, aumento de empregos no setor de serviços, que vai ficar inchado e agregar os desempregados. A informalidade do trabalho vai ser maior e a condição de vida pode ficar pior”, explicou.

O sociólogo da Universidade Presbiteriana Mackenzie João Clemente de Souza afirma que os programas disponibilizados pelos municípios não são suficientes. “São seres humanos e cada um tem a sua singularidade. O modo como a Prefeitura atende em Mauá, por exemplo, em alguns casos é excelente, mas não se enquadra para todos. Temos que ter outras alternativas.”

“Entre os moradores em situação de rua há muitos com problemas de saúde mental e dependentes de drogas e álcool que não encontram tratamento na rede pública. Também temos muitos ex-presidiários, já que não existem políticas públicas. Outros estão nas ruas também por falta de moradia, emprego e apoio familiar”, diz o coordenador estadual do Movimento Nacional de Direitos Humanos, Ariel de Castro Alves. 




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