Cultura & Lazer Titulo
'Dicionário do Século XXI' é um exercício de futurologia
Por João Marcos Coelho
Especial para o Diário
14/07/2001 | 15:32
Compartilhar notícia


Em geral, quem faz futurologia se dá bem. Se acertar, maravilha; se errar, ora, afinal, errar é humano, e quem não arrisca não petisca. O Dicionário do Século XXI, do economista francês Jacques Attali, é instigante porque seu autor é um homem inteligente e erudito (no sentido de ter acumulado muito conhecimento), levando-nos a pensar um pouco sobre o nosso futuro, seja como brasileiros, seja como seres humanos em um planeta que pode vir a ser agonizante do ponto de vista da natureza em prazo não tão distante.

Mas, por outro lado, também está recheado de sacadas e chutes. Na letra W do dicionário, por exemplo, Attali dá como certa a fusão da Microsoft com a Intel, as duas gigantes da informática, e cria até o seu nome, que seria Wintel. Vejam o que ele diz: “Maior empresa do mundo, com um papel geopolítico cada vez maior, ela chegará a emitir uma moeda, que terá seu nome, a partir de seu comércio eletrônico, opondo-se por todos os meios ao estabelecimento de instituições que restabeleçam a concorrência”.

Loas com certa ponta de ironia para o Brasil, apontando-nos como praticantes hoje do modelo do mundo de amanhã, com nossa “justaposição” de miséria/luxo, tragédias/festas, riso/morte. Elogia nossa cultura como um dos “faróis da criação artística planetária” e imperialisticamente ordena que “será de bom tom visitá-lo em busca de inspiração”. Eta banzo dos tempos em que a França de fato desempenhava um papel cultural hegemônico e quando Paris era a capital do mundo (século XIX e até os anos 30 do século XX). O verbete França é revelador: afirma que seu país “já não pesará nos rumos da história do mundo” e “não passará de uma potência média, local de férias e turismo dos novos ricos”, comparando a França de tantas glórias (humilhação das humilhações) “a outra antiga potência imperial, Portugal”. Mas ressalva em um chamamento a seus compatriotas que essa previsão odiosa poderá ser evitada se o país “recobrar o talento para os excessos, que fez sua glória e seu esplendor”.

O maior problema desse dicionário fácil de se ler é a tendência de Attali de posar como se fosse o único enciclopedista vivo no início do século XXI, o único sábio capaz de tudo conhecer e falar com propriedade sobre qualquer tema (isso como se a figura do sábio universal já não tenha sido abandonada três séculos atrás, restando a inevitável compartimentação do saber). Divirta-se com essa frase do verbete futebol, no qual Attali assume sua porção Freud: “Será cada vez mais explicitada a dimensão sexual do jogo, metáfora do estupro em que cada time tenta penetrar o outro e resistir a sua própria penetração, na qual cada um é ao mesmo tempo masculino no ataque e feminino na defesa, ao mesmo tempo estuprador e estuprado, alternadamente potente e mutilado”. E eu que pensei que todo jogador fosse espada e o futebol, coisa de macho, tchê.

Aliás, se fosse jogador de futebol, Jacques Attali chutaria muito bem com a esquerda e a direita, seria fantástico driblador, além de exímio cabeceador (e possivelmente até ótimo zagueiro lá na feminina defesa). Em todo caso, é uma avis rara que combina o enorme talento para se mover nos meandros da máquina governamental francesa com o gosto pelos exercícios de futurologia.

Chegou aos altos escalões do governo francês ainda na gestão de Giscard D’Estaing e transformou-se em homem-chave durante o período de François Mitterrand (1981-1990). Escreve com tal volúpia e sobre tantos assuntos diferentes que é difícil imaginar como encontrou tempo para também dar expediente em repartições públicas parisienses.

Em 1976, aventurou-se no terreno da música, escrevendo Bruits (ruídos), um ensaio que faz da música a arte que primeiro manifesta as tendências que em seguida se instalarão nas sociedades humanas; no fim do ano passado, convidado a rever o livro para uma reedição comemorativa dos 25 anos de seu aparecimento, reescreveu-o inteiramente. Ao mesmo tempo, publicou Blaise Pascal – Le Génie Français, outro catatau de mais de 500 páginas no qual esmiúça sua vida e obra. Este Dicionário do Século XXI, originalmente publicado em 1998 na França, é resultado das horas vagas concedidas por sua consultoria internacional A&A e a Planetfinance, organização de microcrédito para países do Terceiro Mundo por meio da Internet.




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;