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Avenidas do Grande ABC tamparam os rios
Por Luciana Sereno
Do Diário do Grande ABC
19/04/2003 | 17:21
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A canalização de rios e córregos foi o sonho dourado das administrações municipais entre o fim da década de 60 e início dos anos 70, no país inteiro, inclusive no Grande ABC. As prefeituras dispunham de altos recursos e investiam pesadamente no transporte viário, canalizando rios e córregos para a construção de avenidas. Hoje, o cenário urbano está saturado de canalizações, que já não resolvem o problema dos alagamentos e das enchentes.

É difícil acreditar que Santo André e São Bernardo estão hoje praticamente construídas sobre rios. Embaixo da avenida Faria Lima, principal corredor viário de São Bernardo, está o córrego dos Meninos. Em Santo André, a avenida Prestes Maia corre sobre o Meninos e sobre o córrego Beraldo para concluir a ligação entre o bairro Campestre e Santa Terezinha, do outro lado do Tamanduateí.

Mas é a avenida dos Estados a maior demonstração da mudança de cenário urbano do Grande ABC. Para a professora e urbanista Silvia Passarelli, houve dois motivadores para a transição geográfica da região. “Um era a valorização dos terrenos que antes davam fundo para rios. O mesmo valeu para os empreendimentos.” O segundo ponto, na avaliação de Silvia, era a prevenção de enchentes e alagamentos, razão que a história posterior fez perder força. “Tanto que as obras de canalização foram se espaçando ano a ano.”

O aumento da população, acentuado a partir da década de 60, também impulsionou as canalizações. A opinião é do arquiteto e supervisor científico do curso de Arquitetura e Urbanismo da UniABC (Universidade do ABC), Gilson Lameira de Lima. “Na época, Santo André era a segunda cidade em população e receita no Estado.” Problemas com saneamento foram reflexo do desenvolvimento.

O Anel Viário Metropolitano, que corta Diadema, também é uma canalização de rios. Embaixo dele está o Curral Grande. Recentemente, em Mauá, um trecho do Tamanduateí foi canalizado para a conclusão da avenida Mário Covas. Em Santo André, as últimas obras em córregos foram da avenida João Amazonas e um trecho da estrada da Cata Preta, na Vila Luzita. “Atualmente, é difícil até para quem presenciou o progresso lembrar como as coisas eram antes da canalização”, disse Silvia.

“A perda do espaço aconteceu muito rápido”, disse o aposentado Davis Gonçalves Pires Hauck, 63 anos, que mora na rua das Figueiras, em Santo André. “Lembro muito bem quando aqui passava o rio, teve uma época em que era limpo, tinha até peixe.” Foi no córrego que o aposentado juntou suas melhores lembranças. “Tinha uma cachoeira e a gente podia até beber da água. Todas as manhãs eu mergulhava na represa, mesmo a contragosto da minha mãe. Deixava o calção de banho pronto e ia. Ela nem desconfiava”, disse Hauck. Segundo ele, o local era usado até por Testemunhas de Jeová para batizados.

Outro morador que viu de perto a chegada do progresso é o empresário Cyro Arquimedes Cassettari. O cenário de sua infância e adolescência é São Bernardo, o ribeirão dos Couros, onde hoje corre a avenida Faria Lima. “Saíamos do jogo no Palestra e caíamos no rio.” O ano é 1950. O campo do Palestra era onde hoje está a praça Lauro Gomes. Outros pontos que serviram de cenário de Cassettari foram a lagoa Saracantan (atualmente o Polentão) e o lago Azul, no Batistini. “Quem anda por aqui hoje em dia não faz idéia de como era há 50 anos. Tenho saudade porque a impressão que fica é que nada em São Bernardo, onde cresci, ainda existe.”

Colaborou Rita Norberto




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