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Parceria para quem?

Desemprego empurra trabalhador à informalidade e deixa quem procura renda à mercê de aplicativos

Júnior Carvalho
Do Diário do Grande ABC
22/08/2021 | 00:01
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Claudinei Plaza/DGABC


O medo de pegar Covid fez o profissional de radiologia Armando Fausto, 30 anos, de São Bernardo, pedir demissão do serviço em um hospital para procurar outra oportunidade. Apesar do diploma, ele se deparou com cenário que já era presente no País, mas que foi agravado pela pandemia: o desemprego. Sem conseguir nada, foi empurrado à informalidade e entrou para o time dos entregadores de aplicativos de comida.

Assim como os apps de transporte individual, como Uber e 99, essas empresas classificam quem presta seus serviços como ‘parceiros’. A realidade desses trabalhadores, porém, passa longe desse conceito. Além de ficarem alheios à proteção social e desprotegidos de direitos, como férias, 13º e descanso semanal remunerado, são obrigados a adotar jornadas exaustivas para melhorar o salário no fim do mês. “A intenção era trabalhar com qualquer outra coisa que pagasse algo perto do que eu ganhava. Hoje consigo chegar próximo disso, mas trabalho bem mais. Antes, ficava quatro horas por dia no trabalho, agora faço umas dez horas”, contou Fausto, que ganha, em média, R$ 2.000 por mês no Ifood – no hospital, recebia R$ 3.200. Ele conversou com o Diário por cerca de cinco minutos, mas teve de interromper a entrevista para não perder outra entrega.

A falta de um emprego com carteira assinada também levou o jovem Bryan da Silva Castro, 19, de Santo André, para o subemprego. Com uma bicicleta, o rapaz trabalha dez horas no dia para acumular pouco mais de um salário mínimo: R$ 1.200 – o que representa uma entrega a cada 30 minutos. “É até uma graninha boa, dá para levar comida para dentro de casa. Mas é bem corrido (o trabalho com delivery). As entregas são longe, às vezes de cinco quilômetros (de distância), aí cansa bastante. Por isso quero comprar uma moto”, vislumbra.

No Estado, praticamente três em cada dez pessoas ocupadas são trabalhadores informais (29,5%), segundo dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) – os dados são do primeiro trimestre deste ano. No País, esse índice é maior: quatro em cada dez.

Não é possível medir essa realidade no Grande ABC. Há quatro anos, o retrato do mercado de trabalho nas sete cidades está às escuras. Em 2017, o Consórcio Intermunicipal do Grande ABC parou de contratar a Ped (Pesquisa de Emprego e Desemprego) sob o discurso de redução de custos.

ECONOMIA PARADA

O economista Sandro Maskio, coordenador do Observatório Econômico da Universidade Metodista, explica que há dois principais fatores que empurram a mão de obra à informalidade: falta de estímulo à economia e ausência de qualificação profissional. “Quando a oportunidade de trabalho formal surge? Quando o setor produtivo precisa produzir e, como consequência, empregar. (É necessário) Fomentar e estimular o crescimento econômico, de acordo com a realidade de cada região”, explicou.

Maskio cita o acesso ao ensino técnico como saída à informalidade. “O empresário não está pensando na mão de obra que fez doutorado, mas preocupado com o cara que resolve o problema, que fez algum curso técnico”, exemplificou.

Cenário de crise leva ao ‘desemprego do desemprego’

O ingresso em aplicativos de entrega ou de transporte individual surge como alternativa para quem está sem emprego e não consegue recolocação no mercado de trabalho. O atual cenário econômico do País, entretanto, tem levado esses antigos desempregados a abandonarem o próprio subemprego. 

O Diário mostrou na semana passada que os frequentes reajustes no valor da gasolina – aumento já acumula 51% no ano – tem levado muitos motoristas a abandonarem a função, o que reflete na prestação dos serviços aos usuários. 

Além disso, motoristas reclamam da taxa consumida pelos aplicativos sobre os valores das corridas. Para trechos mais curtos (e viagens mais baratas), por exemplo, o saldo líquido para o motorista não cobre os custos com o abastecimento. É por conta disso que usuários desses aplicativos têm enfrentado mais dificuldades ao chamar uma corrida e lidado com frequentes cancelamentos. “Antes (dos aumentos), eu rodava umas dez horas por dia. Hoje tenho que trabalhar por 16 horas”, contou Rafael Silva Santana, 33, motorista de aplicativo há três anos. Apesar dos aumentos, ele ainda segue dirigindo para essas empresas. “Para mim ainda está compensando porque a parcela do meu carro é pequena, de R$ 480, mais o seguro, que vai para R$ 500, porque tive uma colisão em dezembro”, explicou Santana, ao mencionar que muitos colegas trabalhavam no ramo e rodavam com carros alugados, mas não suportaram todos esses custos e ‘se demitiram’.

Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o desemprego no País atingiu a marca de 14,7% no primeiro trimestre – aumento de 2,5 pontos percentuais em relação ao mesmo período do ano passado. 

O Diário questionou a Amasp (Associação de Motoristas de Aplicativos de São Paulo) sobre o abandono de motoristas na região, mas a entidade não respondeu aos questionamentos. À BBC Brasil, a associação estimou que 25% dos chamados ‘motoristas’ já desistiram da função desde o início do ano passado. 

Por outro lado, a Uber e a 99 minimizam as reclamações e batem na tecla do aumento das demandas de passageiros. Essa última empresa admite os constantes reajustes de combustível e destaca parcerias com rede de postos de gasolina para garantir desconto aos motoristas.




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