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O cozinheiro, o cinema e uma diva em 'o eclipse'
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24/07/2008 | 07:05
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Um eclipse da Lua atraiu estrangeiros e brasileiros a São Paulo no dia 24 de julho de 1907. Na ocasião, estava na cidade a grande atriz italiana Eleonora Duse (1858-1924), mas não atraída pelo fenômeno astronômico. Com sua companhia, apresentava Hedda Gabler, de Ibsen, uma das quatro peças do repertório que mostrou na cidade entre os dias 20 de julho a 3 de agosto, no Theatro Sant'Anna. No mesmo palco, no dia 4, Francisco Serrador - empresário que mais tarde criaria uma grande rede de cinemas - estrearia seu novo e moderno cinematógrafo.

Para olhares menos atentos, a informação acima poderia não passar de mera curiosidade. Fascinada por Eleonora Duse - leu diversas biografias, cartas -, Jandira Martini viu nesse acaso matéria-prima teatral. E mais. E escreveu a peça O Eclipse, um encontro imaginado, na noite de 24 de julho, entre Eleonora Duse, Francisco Serrador e um imigrante italiano, misto de cozinheiro e faz-tudo, cuja presença no hotel onde Duse ficou, em São Paulo, foi registrada em um diário de viagem.

Sob a direção de Jô Soares, com a autora no papel da diva italiana, Roney Facchini como o cozinheiro e Maurício Guilherme interpretando Serrador, o espetáculo estréia nesta quinta-feira no Teatro Jaraguá, exatamente 101 anos após aquele eclipse.

O que há de comum entre essas pessoas? "Os três têm sonhos e lutam por sua realização. São batalhadores", diz Jandira. Ela conta que o fascínio por Eleonora, por si só, não a motivaria a escrever uma peça. "Não gosto de biografia no palco. Mas o fato de ela estar no Brasil já começa a interessar", argumenta. O estímulo tornou-se maior quando a autora se deu conta que a diva chega aqui num momento difícil de sua vida. Havia se separado de seu grande amor, Gabriele D'Annunzio, autor de peças como La Gioconda e Francesca de Rimini escritas especialmente para ela. "Ele a traía o tempo todo, mas isso ela podia perdoar. Mas não o fato de ele ter dado para outra atriz um papel que deveria ser dela."

No campo da arte, Eleonora também ousou ao abandonar os grandes gestos teatrais da época e exercitar-se numa interpretação mais contida, incompreendida por parte do público e da crítica. "Alguns diziam: ela fala igual a gente, assim, qualquer um pode ser atriz", observa Jandira. Na peça, tudo isso vem à tona a partir das discussões da diva ora com o cozinheiro, ora com o empresário. "Ele é fã de Eleonora, a quem nunca pôde ver no palco de sua pátria. Subitamente, se vê diante de seu ídolo e não resiste ficar sem falar com ela", diz Facchini. Como tantos outros, esse imigrante veio na esperança de ficar rico e trazer a família, mas já está afastado da mulher e dos filhos há cinco anos e ainda não conseguiu juntar dinheiro o suficiente para trazê-los. Rechaçado pela irascível Eleonora, acaba por conseguir estabelecer com ele um vínculo afetivo - na ficção, é claro. Se o encontro com o cozinheiro é emocional, as discussões com Serrador são de outra ordem. "Esse eclipse é também uma metáfora de um estilo de arte que se esgota - o teatro das divas - e uma outra que chega, o cinema", diz Jandira. "Embora Eleonora em seu discurso defenda o teatro e despreze o cinematógrafo, ela percebe a mudança que está por vir."

O Eclipse - Teatro. No Teatro Jaraguá - Rua Martins Fontes, 71, São Paulo. Tel.: 3255-4380. De 6.ª, 21h30; sáb., 21h; dom., 19h. Ingr.: R$ 60. Até 26 de outubro.




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